Opinión
junio 2024

Uma onda reacionária na Europa? Mais ou menos

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O crescimento da extrema direita no Parlamento Europeu, com ressonância especial nos países centrais da União, levanta diversas questões sobre o futuro imediato. Qual o alcance desse impacto? E como ficam posicionados agora os diferentes blocos político-ideológicos?

<p>¿Una ola reaccionaria en Europa? Más o menos</p>

As eleições para o Parlamento Europeu, realizadas entre 6 e 9 de junho, anunciavam, segundo diversas manchetes da imprensa, uma onda de vitórias da extrema direita nos 27 países da União. «Vem aí o fascismo» foi o eco que dominou um processo eleitoral que, como normalmente acontece nas eleições europeias, gera menos interesse na população convocada às urnas. Essa previsão foi confirmada? Apenas parcialmente e com várias nuances.

«A narrativa que dominou a campanha eleitoral europeia desde o início do ano – a ascensão da extrema direita e o retrocesso dos ambientalistas – foi confirmada nas urnas. Após as eleições de 2014 e 2019, o centro de gravidade do Parlamento Europeu deslocou-se um pouco mais para a direita, e os pleitos foram considerados por muitos como decisivos para o futuro do continente», escreveu o jornalista Ludovic Lamant na revista francesa Mediapart. Como lembra Steven Forti, a extrema direita é a primeira força em seis países (França, Itália, Hungria, Áustria, Bélgica e Eslovênia) e a segunda em outros seis (Alemanha, Polônia, Países Baixos, Romênia, República Checa e Eslováquia). Se todas as facções da ultradireita se unissem, formariam a segunda bancada no Parlamento Europeu (25% dos assentos). Há 20 anos, diz Forti, as direitas radicais mal superavam os 10%; e há 40 anos, em 1984, não chegavam sequer aos 4%.

Marine Le Pen e Giorgia Meloni, as grandes vencedoras do domingo 9 de junho, têm muito o que comemorar. Mesmo assim, continua Lamant, «a hipótese de que o Parlamento seja refém de partidos de extrema direita parece descartada. O Partido Popular Europeu (PPE, o bloco conservador da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen) continua sendo a primeira força. E a coligação em fim de mandato, formada por três grupos rotulados como ‘pró-europeus’ (o PPE, os sociais-democratas e os liberais), parece capaz de ultrapassar sozinha a barreira da maioria absoluta (361 assentos). Nesta fase, as projeções lhe dão 401 cadeiras [de um total de 720], uma ordem de grandeza mais ou menos similar à do Parlamento em fim de mandato».

Durante a campanha, quando os conservadores não sabiam ao certo que números obteriam, Von der Leyen se abriu a uma aliança com os sectores mais «moderados» da extrema-direita, como o liderado por Giorgia Meloni. No entanto, uma vez feitas as contas, a política conservadora alemã declarou-se contrária a ambos os extremos: «de direita» e «de esquerda», embora vários dos partidos conservadores de sua bancada já tenham desfeito os «cordões sanitários» e selado acordos nos seus países com radicais de direita.

O problema é que a extrema direita venceu nos países centrais da União Europeia: a Reunião Nacional (RN) se impôs na França com uma lista encabeçada pelo atual presidente do partido e pupilo de Marine Le Pen, o jovem Jordan Bardella; os Irmãos da Itália (FdI, na sigla em italiano) triunfaram na terceira economia da zona euro; e a Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) surpreendeu e ficou em segundo lugar, à frente do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), revivendo fantasmas e traumas diversos, em virtude dos vínculos emocionais de uma parte desse coletivo com o passado nacional-socialista. Se a votação tivesse ocorrido apenas na antiga República Democrática Alemã (comunista), o AfD teria ficado em primeiro lugar. Mas não se trata de uma onda, e sim de um crescimento sustentado, que traz diversos desafios.

Na França, o RN – que vem crescendo há anos – obteve 31,4% dos votos e 30 assentos. É o partido individual com mais deputados no Parlamento Europeu. Meloni obteve 28,8% dos votos na Itália graças, em parte, ao declínio da Liga de Matteo Salvini, enquanto o Partido Democrático (centro-esquerda) liderado por Elly Schlein, em ascensão, obteve 24,1%. Já o AfD obteve 15% dos votos na Alemanha, com sete deputados a mais do que em 2019. O AfD foi excluído do grupo Identidade e Democracia (ID), onde estão o RN de Le Pen e a Liga de Salvini, devido às declarações pró-nazistas de um de seus líderes: Maximilian Krah havia dito que nem todos os que exibiam um uniforme das SS eram criminosos e acabou renunciando. Agora o AfD permanece como «não-alinhado», fora de ambos os blocos da ultradireita – ID e Conservadores e Reformistas Europeus – que se redefinirão com os novos resultados. Le Pen busca uma união de extremas direitas que não é fácil: Ucrânia/Rússia e outros temas as dividem, incluindo disputas em escala nacional.

No caso alemão, o resultado eleitoral foi um misto de castigo à ‘coalizão semáforo’ no poder – formada por social-democratas, verdes e liberais – e um declínio eleitoral progressivo do SPD (que obteve a porcentagem mais baixa desde 1949).

Na Áustria, a extrema-direita também venceu: liderada pelo Partido da Liberdade (FPÖ, na sigla em alemão), ela obteve com 25,4% dos votos. Esse é um dos primeiros partidos «desdiabolizados» da extrema direita europeia, graças aos acordos com os conservadores desde 2000. Na Hungria, o partido de Viktor Orbán, que propõe uma contrarrevolução cultural em escala europeia, manteve sua hegemonia com 44,8% dos votos, embora com o desafio de um dissidente dessa força, que formou o partido Respeito e Liberdade e obteve 30%.

Enquanto na França os conservadores de Os Republicanos obtiveram apenas 7,3% dos votos, na Espanha o Partido Popular (PP) ficou em primeiro lugar com 34,2%, embora não tenha conseguido a vitória folgada que pretendia contra o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que resistiu com 30,2%. Já na Alemanha, a União Democrata Cristã (CDU) venceu confortavelmente com 30%. Na Espanha, a extrema direita do Vox, aliada do presidente argentino, Javier Milei, obteve 9,6% – um desempenho melhor que o demonstrado nas eleições europeias anteriores, mas limitado pelo dinamismo conservador do PP. O surgimento da formação Acabou a Festa, com um discurso radical contra os políticos e uma campanha heterodoxa nas redes sociais, foi uma das surpresas da eleição, com 4,6% dos votos. Em Portugal, onde os socialistas conseguiram o primeiro lugar com 32,1%, a extrema-direita do Chega aglutinou 9,8% dos sufrágios.

Os conservadores também foram contundentes na Irlanda – onde o Sinn Féin ficou em terceiro lugar – e na Grécia, mas lá 38% dos votos foram para diversas opções de esquerda: Syriza, social-democratas e comunistas. Um dado importante: os liberais de Donald Tusk venceram na Polônia, onde o Lei e Justiça, uma força influente da extrema direita europeia, ficou em segundo lugar após perder as eleições e o governo em 2023.

O panorama da esquerda é muito variado. O declínio do A Esquerda na Alemanha se deveu, em parte, ao surgimento da facção «de esquerda conservadora» de Sahra Wagenknecht, que obteve 6,2% dos votos. Por sua vez, o revés do Sumar [Somar] na Espanha, diante de um PSOE mais dinâmico, provocou a renúncia da vice-presidente Yolanda Díaz da liderança do espaço.

A imprensa se referiu aos acontecimentos no extremo norte da Europa como «a exceção nórdica». Lá a extrema direita (que estava em ascensão) caiu, e a esquerda cresceu. Luz no fim do túnel, oásis eleitoral... Os nórdicos – comumente idealizados – vinham presenciando um auge dos ultradireitistas que desta vez diminuiu. Na Finlândia, a Aliança da Esquerda ficou em segundo lugar; na Suécia, o Partido da Esquerda foi o que mais cresceu; e na Dinamarca, a esquerda verde do Partido Popular Socialista conseguiu ser a força mais votada.

Na Finlândia, a Aliança de Esquerda, liderada por Li Andersson, obteve 17% dos votos, e seus próprios líderes se mostraram surpresos. A extrema direita do Partido dos Finlandeses (antes Verdadeiros Finlandeses), que faz parte do governo de coalizão conservador, obteve apenas 7,6% (havia sido a segunda força nas eleições gerais de abril de 2023, com 20,1%). Como disse Javier Biosca Azcoiti em um artigo recente, o partido de extrema direita, que controla sete ministérios e cuja líder, Riikka Purra, é vice-primeiro-ministra e ministra das Finanças, sofreu vários escândalos desde que chegou ao poder. Durante seu primeiro mês como vice-primeira-ministra, as declarações racistas de Purra em um fórum há 15 anos vazaram para a imprensa. «Se vocês estiverem em Helsinque, alguém se habilita a cuspir em mendigos e bater em crianças negras?», escreveu. Outro ministro precisou renunciar após vir à tona o fato de que havia participado de um evento de uma organização neonazista. Ele também havia difundido a foto de um boneco de neve com um capuz semelhante ao do Ku Klux Klan segurando uma corda na mão.

Na Suécia, o Partido da Esquerda obteve 11% dos votos e a social-democracia, 25%. No caso sueco, segundo um artigo do Huffpost, o partido de extrema-direita – que caiu de 20,5% para 13,2% – precisou lidar nas últimas semanas com uma investigação jornalística que revelou que o partido vinha utilizando contas de trolls nas redes sociais para, além de lançar mensagens de extrema direita, atacar partidos governistas aliados. Na noite das eleições, um dos seus deputados foi descoberto entoando uma canção ao estilo nazista.

Na Dinamarca, a esquerda verde do Partido Popular Socialista venceu com 17,4% dos votos, e a social-democracia no governo – que promoveu fortes políticas anti-imigração – caiu para o terceiro lugar. (O Partido Popular Socialista foi fundado em 1959 depois da expulsão do presidente do Partido Comunista da Dinamarca, Aksel Larsen, após este condenar a invasão soviética da Hungria). E na Bélgica, os pós-maoístas do Partido do Trabalho – que é mais forte na Valônia do que em Flandres – obtiveram 5,6% em âmbito federal.

O resultado francês impactou com força a política interna. O presidente Emmanuel Macron decidiu, de forma surpreendente, dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas para 30 de junho. A extrema direita, com Bardella como candidato, buscará a maioria parlamentar para «coabitar» com Macron elegendo o primeiro-ministro, enquanto Macron procura reeditar uma clivagem muito desgastada para posicionar seu espaço, o Renascimento, como o dique republicano contra a extrema direita. Os 15% dos votos obtidos pela candidata de Macron, Valérie Hayer, mostram o desgaste do presidente francês, extremamente impopular em grande parte da França, onde é visto como «o presidente dos ricos». 

A esquerda francesa, por sua vez, reagrupou-se de forma urgente em uma Frente Popular que deverá se definir nos próximos dias, enquanto temas como a Ucrânia e Gaza acrescentam tensão às suas fileiras. A aliança anterior – a Nova União Popular, Ecológica e Social (NUPES) – tinha como figura central a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon, com os socialistas enfraquecidos por sua marginalidade nas últimas eleições presidenciais. Desta vez, porém, o Partido Socialista conseguiu reviver com a candidatura independente de Raphaël Glucksmann, que obteve 13,8% dos votos, o que redefine parcialmente a correlação de forças dentro da esquerda. A Frente Popular gera entusiasmo nas bases e poderia se estender à esquerda social e cidadã. O jornal Liberation intitulou sua capa de 11 de junho com o slogan: «Faire Front Populaire» (Construir uma frente popular).

Marine Le Pen novamente delega, como nas eleições europeias, a batalha de 30 de junho ao seu jovem pupilo de 28 anos, que exibe destreza no TikTok, onde ele tem 1,5 milhão de seguidores e vários de seus posts somam um, dois e até cinco milhões. Nessas publicações, escreveu a analista Mary Harrington, não se retrata «a França estereotipada» que circula no exterior, e sim uma «França conservadora, de cidade pequena, de convenções sociais e orgulho feroz pelos detalhes minuciosos da cultura regional»; uma França há muito tratada como «moribunda, envelhecida e irrelevante», à qual hoje se juntam novos grupos de jovens. «É difícil saber – acrescenta Harrington – se este fenômeno é um reflexo da participação política da Geração Z ou um esforço para atraí-la. Mas, seja qual for a causa, a mudança da comunicação escrita para o vídeo está dando poder a um novo tipo de político».

Longe de uma onda majoritária, o que se vê é uma forte fragmentação do voto com uma abstenção elevada: apenas em 11 dos 27 países a participação superou os 50%, com intensas minorias de extrema direita que, dado o clima político-cultural mais amplo de crise progressista, conseguem definir a agenda e a conversa pública. Mas a «rebeldia de direita», que muitas vezes consegue captar o inconformismo em relação à precarização da vida social, à dificuldade de acesso à moradia, às inseguranças culturais e à erosão dos serviços públicos, navega em águas incertas quando essas mesmas direitas chegam ao governo. Reto Mitteregger, pesquisador sobre comportamento eleitoral e partidos políticos da Universidade de Zurique, propõe outra razão em um artigo de ElDiario.es: «O que vemos na Suécia, na Dinamarca e na Finlândia poderia ser uma forma de descontentamento com os atuais governos. Nesses países, a direita radical faz parte do governo (Finlândia), apoia-o externamente (Suécia) ou o Executivo adoptou políticas migratórias da extrema direita (Dinamarca). Os partidos mais à esquerda são, pelo contrário, os principais partidos da oposição».

É difícil avaliar o impacto dessas reconfigurações. O maquinário de Bruxelas procura ser um rolo compressor de radicalismos, muitas vezes à custa de uma certa institucionalidade tecnocrática/pós-democrática. Mas, ainda assim, o que acontece na França e na Alemanha pode afetar a União tal como a conhecemos, que mantém os conservadores como seus ambíguos fiadores, oscilando entre a defesa das instituições e a pulsão de selar acordos com os ultradireitistas.

 

Tradução: Eduardo Szklarz 



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