O Brasil e o BRIC: o questionamento de um conceito
Nueva Sociedad Outubro 2008
O conceito «BRIC» – o grupo de países integrado por Brasil, Rússia, Índia e China – é uma criação de analistas econômicos que rapidamente se popularizou entre jornalistas e políticos. Já teve conseqüências diplomáticas, com reuniões entre os quatro chanceleres. Este artigo busca uma aproximação crítica ao conceito através da análise das trajetórias históricas, das características econômicas e dos objetivos políticos dos quatro países. Essa indagação revela que, para além da condição comum de potências emergentes, as diferenças são muito relevantes. Finalmente, ressalta-se a importância de que o grupo BRIC assuma uma posição positiva e não se limite a uma agenda puramente defensiva, a fim de avançar no objetivo de aumentar seu protagonismo no sistema internacional.
O que são os BRIC? Ou, mais exatamente, o que é o «grupo» BRIC?
O conceito «BRIC» foi cunhado pelo economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, e figurava num estudo intitulado «Building Better Global Economic BRICS». A rigor, o «grupo» BRIC não existia oficialmente, ou sequer informalmente. Mas dado o succès d’estime logrado pelo conceito e o acolhimento obtido pela idéia de um novo conjunto de futuras economias preeminentes, o que ocorreu foi a adoção dessa noção, como correspondendo a uma nova realidade, digna, portanto, de ser contemplada em estudos e formulações sobre as novas relações econômicas. O que é importante sublinhar é que a origem do nome buscava apresentar a idéia de novos fundamentos – bricks, ou tijolos – da futura economia mundial, sem que no entanto esses fundamentos fossem examinados em sua interação recíproca.
Quem são os BRIC? Ou, mais exatamente, o que é cada um deles?
A proposta dos economistas do Goldman Sachs não pode nos fazer esquecer de que estamos falando de quatro países distintos, quatro economias contrastantes e quatro nações com histórias e percursos diferentes, nos planos social, militar, econômico e geopolítico, e nas esferas cultural e religiosa. No plano demográfico, estamos falando dos dois países mais populosos do planeta e de dois outros de populações médias, ainda assim consideráveis. Sozinha, a China representa mais de um quinto da população mundial, seguida de perto pela Índia (17,5%) e, bem mais longe, pelo Brasil (2,9%) e Rússia (2,2%).
Mesmo dispondo de grandes territórios – dos 17 milhões de km2 da Rússia, aos 3,2 da Índia, passando pelos 9,3 da China –, os quatro BRIC diferem entre si no que se refere a recursos naturais, graus de industrialização e capacidade de impacto na economia mundial. É importante registrar tais características, pois a força de um conceito ingenuamente unificador pode fazer com que similitudes indevidas sejam traçadas quanto ao papel dos quatro países na economia mundial, daí redundando conclusões equivocadas quanto ao que esperar de sua presença nos cenários futuros que se possam traçar para o mundo em meados do presente século.
Comecemos pela China. Trata-se da mais antiga civilização contínua da história, não dotada de perfeita unidade política, mas sim de continuidade cultural. Sua história contemporânea é, no entanto, trágica, feita de decadência econômica, instabilidade política, humilhação militar e retrocessos sociais expressos em degradação profunda do tecido social, quando as loucuras do maoísmo levaram o país a uma hecatombe humana, com uma «lacuna» demográfica de dezenas de milhões de pessoas. Marcas desse passado recente são ainda visíveis na sociedade, que emerge de um longo intervalo de declínio e de deterioração da qualidade de vida.
A Índia é a segunda «civilização contínua» mais antiga do mundo, valendo as aspas pela diversidade de culturas e etnias. Não há propriamente uma unidade cultural, e sua história política só parece fazer sentido com base na unidade temporária introduzida por invasões estrangeiras, em especial o império mongol, seguido pela dominação de uma companhia de comércio inglesa, depois convertida em supremacia britânica sobre povos muito distintos entre si. A Índia moderna é uma invenção do império britânico.
A Rússia é também antiga, dotada de tradições culturais que a identificam como unidade cultural desde a Idade Média, quando deslocamentos de bárbaros deram origem a uma nação eslava em processo de homogeneização, a caminho de uma formação nacional. Esta só veio a existir quando Pedro, o Grande, submeteu as autoridades feudais e consolidou seu poder sobre um território indefinido, sob a forma de um Estado incipiente, baseado no conceito de absolutismo imperial. Esse Estado se estendeu ao longo dos séculos XVIII a XX, até atingir o máximo de sua extensão e poderio já sob o domínio dos «czares» soviéticos. O império soviético representou um paradoxo na trajetória da grande Rússia, posto que lhe deu a segurança nacional a que sempre aspirou aquele Estado, ao mesmo tempo em que criou um sistema econômico irracional, o que determinou sua crise estrutural e sua derrocada estrondosa, basicamente por auto-implosão.
O Brasil, finalmente, é uma criação colonial, de lenta constituição de uma economia bem sucedida, no quadro de uma construção estatal mais precoce. De fato, o Brasil teve um Estado unificado antes de ter uma economia integrada. Esse Estado não construiu a nação de modo exclusivo, mas representou um elemento indutor na construção de uma economia industrializada e moderna para os padrões dos países periféricos. Trata-se de um país contente com sua geografia e tranqüilo quanto ao relacionamento regional, o que não é o caso de Rússia, China e Índia, envolvidas em disputas de diversos tipos, nem sempre solucionáveis de modo fácil ou rápido. Esse contexto de paz regional – pelo menos desde o final da Guerra do Paraguai – e de ausência de ameaças externas define o Brasil em sua singularidade geopolítica e deve ser considerado com um ativo no seu processo de inserção regional e internacional.
De onde vieram, o que fizeram até aqui e para onde estão indo os BRIC?
Nos últimos dois séculos, as trajetórias dos BRIC na economia mundial foram desiguais, para não dizer divergentes. Suas relações recíprocas ao longo do último meio século foram, aliás, marginais, com exceção talvez da URSS e da China, na fase da construção do socialismo neste último país.
Quais foram e quais são os centros dinâmicos? E como eles interagiram entre si na construção de uma economia globalizada e cada vez mais abrangente na integração de mercados, na localização de fatores produtivos e na disseminação de tecnologias e circulação de capitais? Eles foram, num primeiro momento, a Inglaterra, país pioneiro na Revolução Industrial e na integração comercial do mundo, e, por outro lado, o mercado financeiro londrino como grande investidor direto e emprestador de última instância. Num segundo momento, o centro se deslocou para os EUA e Nova York, com grande desenvolvimento tecnológico e científico e a disseminação do american way of life.
A interação dos BRIC com a economia mundial seguiu uma trajetória errática nos últimos dois séculos, com alguma convergência nas últimas duas décadas, processo complementado por maior interação recíproca. Os BRIC, tomados individualmente, retrocederam em sua participação nos fluxos mundiais de capitais, comércio, investimentos e tecnologia nos dois séculos que vão da primeira Revolução Industrial à oitava década do século XX, retomando, a partir daí, uma interação mais intensa com a economia global. Esse retrocesso ocorreu por decisões próprias – revoluções socialistas na Rússia e na China, adoção do planejamento estatal na Índia –, e de maneira involuntária, em virtude de desastres, seguidos de introversão estatizante, como no caso brasileiro (a crise de 1929 e a depressão dos anos 1930 foram fatores indiretos de estímulo à definição de um projeto nacional).
No período de construção de uma nova ordem econômica internacional, após a Segunda Guerra Mundial, tanto a URSS como a China se auto-excluíram das instituições típicas do sistema mundial capitalista – Fundo Monetário Internacional (FMI), Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) – enquanto o Brasil e a Índia aderiam de modo relutante e marginal a essas entidades. O Brasil foi ativo nesses órgãos da interdependência capitalista, mais como cliente do que como responsável por processos decisórios que, até há pouco, passaram ao largo de sua capacidade de atuação. Mais do que qualquer outro BRIC, ele preservou estruturas de mercado e um estilo capitalista de gestão econômica em sintonia com o padrão formal de organização econômica do capitalismo. O outro BRIC capitalista do período da Guerra Fria, a Índia, foi muito mais estatizante, burocratizado e atrasado do que o Brasil, devendo o país do Sul asiático seu impulso modernizador bem mais à sua diáspora econômica nos EUA do que a transformações internas à própria Índia.
A China foi um desastre econômico, não só pela sua decadência na época da guerra civil e da invasão japonesa, mas também pelos planos da era maoísta (Grande Salto para a Frente e Revolução Cultural). Basta dizer que, possuindo um produto nacional bruto equivalente, grosso modo, a quase um terço do PIB mundial até o final do século XVIII, ela regrediu a menos de 5% do PIB global nos anos 60, recuperando parte do que tinha perdido só nos 2000. Quanto à Rússia, ademais de diminuída depois da implosão da URSS, suas estatísticas da era socialista são pouco confiáveis para o estabelecimento de uma série relevante de seu desempenho ao longo do século XX, quando ela sofreu, além das destruições das duas guerras mundiais, desastres em termos materiais e, sobretudo, humanos. No período stalinista, ao final da Segunda Guerra Mundial, a contribuição do Gulag (geralmente concentrado nas áreas florestal e mineral e em obras de infra-estrutura) pode ter representado quase 5% do PIB soviético. A CIA superestimou a produção industrial e a capacidade tecnológica do que era, finalmente, uma imensa «aldeia Potemkim», vivendo uma mentira institucionalizada ao longo de sete décadas.
A reincorporação dos BRIC ao mainstream da economia mundial a partir da oitava década do século XX foi diferenciada. O Brasil, a rigor, nunca dele se afastou, mas exibia, até meados dos anos 1980, quase 95% de nacionalização na oferta interna, por força de um protecionismo renitente. A Índia levou mais longe o capitalismo de Estado, o que, junto com um planejamento extensivo, foi responsável por décadas de crescimento reduzido e de baixa modernização. Foi a China, na verdade, quem deu a partida para a grande transformação na divisão mundial do trabalho, ao iniciar, com as reformas da era Deng Xiao-Ping, uma rápida reconfiguração na geografia mundial dos investimentos diretos. A Rússia operou uma reconversão a um capitalismo mafioso nos anos 90, passando a contar mais como fornecedor de matérias-primas energéticas do que como participante ativo da economia mundial. O Brasil passou a ser um grande provedor de commodities alimentícias e minerais. A Índia consolidou sua presença nas tecnologias de informação, ao passo que a China industrial assumiu a liderança nos produtos de consumo de massa, com dominância dos bens eletrônicos. Todos se beneficiaram de vantagens ricardianas, com ênfase em mão-de-obra no caso chinês, tecnologia no modelo indiano e recursos naturais para o Brasil e a Rússia.
E para onde caminham os BRIC nas próximas décadas? Certamente, não em direção ao mesmo destino, ainda que o traço comum de suas trajetórias seja uma crescente adesão, incontornável, à economia mundial. O estudo da Goldman Sachs aposta que esse G-4 ultrapassará, conjuntamente, o PIB do atual G-7 em 2035, sendo que a China ultrapassará a todos, individualmente, até 2040. Os componentes dessa ultrapassagem são muito diversos, com uma provável explosão tecnológica da China, uma continuidade extrativa no caso da Rússia, uma enorme competitividade agrícola para o Brasil e de serviços de internet e de tecnologia da informação para a Índia, o que já ocorre atualmente. Ainda que a massa dos BRIC possa superar o peso do atual G-7, eles permanecerão, em termos per capita, abaixo dos indicadores atuais de bem-estar e de produtividade dos países avançados.
Como eles percorreram as respectivas trajetórias e quais são suas especificidades relativas, entre eles e com relação ao resto do mundo?
Transformações econômicas são sempre o resultado de uma combinação de fatores, alguns estruturais, outros derivados de decisões políticas. A Rússia e a China afundaram no caos destruidor de suas economias socialistas pela força carismática de líderes políticos competentes no plano orgânico-partidário e ineptos no tocante à capacidade de compreender o modo de funcionamento de uma moderna economia de mercado. No primeiro caso, a transição do socialismo ao capitalismo continuou sendo errática e inepta, mas no caso da China ocorreu uma combinação de autoritarismo político e de firme condução para um regime de mercado que a converteu em exemplo único na história econômica mundial de crescimento inédito (e sustentado) com transformações estruturais de enorme impacto social.
No caso do Brasil e da Índia, as transformações foram menos o resultado de processos dirigidos de «retorno aos mercados», ou de «revoluções pelo alto», e bem mais a ação das forças profundas de regimes semi-capitalistas finalmente liberados em suas energias criadoras pela abertura econômica e a liberalização comercial. O problema básico do Brasil era o de romper com a retro-alimentação inflacionária e o estrangulamento cambial, processo conduzido a termo mesmo em meio a turbulências financeiras que ameaçaram o êxito do ajuste na segunda metade dos anos 1990. No caso da Índia, tratava-se de romper com o dinossauro estatal da economia planejada e do protecionismo exacerbado, o que foi feito de modo tardio, mas facilitado pela existência de uma «diáspora» econômica de alta qualidade nas principais economias desenvolvidas – diáspora que também existe, embora com outras características, na experiência histórica chinesa.
A rigor, a China parece reproduzir, com maior velocidade adaptativa e uma imensa ambição de recuperar rapidamente as décadas perdidas de socialismo doentio, a experiência japonesa da Revolução Meiji – mandar seus filhos aprender com os líderes científicos e tecnológicos do capitalismo avançado – e, sobretudo, o milagre japonês do pós-Segunda Guerra, com muita cópia e adaptação do know-how ocidental e um cuidado extremo em reproduzir os mesmos produtos com novos desenhos e marcas próprias. De todos os BRIC, é a única economia emergente que está destinada a converter-se, efetivamente, em economia dominante, ademais de potência militar de primeira classe, embora ela ainda esteja muito longe de igualar, para os seus cidadãos – muitos deles ainda súditos de um regime autoritário –, os níveis de bem-estar individual das populações dos países do capitalismo avançado.
A Rússia, amputada de territórios, recursos naturais e humanos em dimensões importantes, não parece próxima de recuperar a relevância estratégica e política alcançada no ponto máximo de sua expansão geopolítica do final dos anos 70. Ainda que detentora de formidável arsenal nuclear e de certa capacidade de projeção militar, ela não terá condições de desafiar efetivamente os dois gigantes da economia mundial de meados do presente século. Ela depende de recursos finitos e mesmo sua demografia é declinante.
No que se refere à Índia, ela pode dominar com competência os serviços eletrônicos que já oferece, mas terá de absorver na economia de mercado centenas de milhões de camponeses que ainda vegetam numa economia ancestral. O Brasil tem pela frente, durante aproximadamente uma geração, a chance de se beneficiar do chamado «bônus demográfico» – ou seja, a melhor relação possível entre população ativa e dependentes econômicos –, oportunidade que será provavelmente perdida, em grande medida devido à baixa qualificação técnica e educacional da população, o que reduz bastante os ganhos de produtividade.
Essas deficiências não impedirão os BRIC de se tornarem relevantes, mas eles o serão pelo seu enorme peso demográfico e enquanto mercados de consumo em expansão – com exceção da Rússia, obviamente. Mas não é provável que eles alcancem o nível de excelência tecnológica já logrado por quase todos os países do bloco avançado do capitalismo mundial. A exceção, mais uma vez, deverá ser a China, que reproduzirá o desempenho tecnológico de Taiwan e da Coréia do Sul com uma rapidez surpreendente para os padrões conhecidos.
Quais são suas políticas domésticas e em quais circunstâncias, condicionantes e limites são elas adotadas ou seguidas?
Essas políticas não seguem um padrão uniforme por uma razão muito simples. O mundo ainda é, e continuará sendo no futuro previsível, um «teatro de variedades» de experiências econômicas divergentes, e até contraditórias entre si, em que pese a convergência de políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial). Registre-se que estamos falando aqui de políticas macroeconômicas e setoriais, não de grandes tendências estruturais, que se movem mais lentamente, mas que são igualmente determinantes da posição ocupada pelas economias nacionais no sistema mundial.
Atendo-se ao essencial das políticas domésticas dos BRIC, podemos constatar que, a despeito da lógica implícita ao seu agrupamento – grandes economias de crescimento dinâmico, com poder de impacto na futura economia mundial–, eles se diferenciam quanto ao desempenho econômico, ainda que suas taxas de crescimento econômico possam ter apresentado, com a exceção conhecida do Brasil, comportamento vigoroso nos últimos anos.
A China tem crescido duas vezes mais do que a média mundial e um terço a mais do que os emergentes, ao passo que o Brasil não conseguiu acompanhar aquela média e se situa sistematicamente aquém dos emergentes. Com base em suas taxas de crescimento, a renda per capita nos BRIC tem crescido de forma consistente nos últimos anos, com menor vigor no Brasil, cuja progressão nominal pode ser explicada pela valorização de sua moeda nacional, em contraste com a modéstia de resultados quando os valores são considerados em paridade de poder de compra. A Rússia operou uma reversão significativa, comparativamente ao terrível declínio que ela tinha experimentado na última década do século anterior.
A capacidade dos governos de garantir estabilidade monetária nesses países também tem variado ao longo dos anos. O Brasil vem consolidando um modelo bem sucedido de metas de inflação, o que tem produzido bons resultados no período recente. O ritmo do aumento de preços tem declinado no Brasil e na Rússia, mas aumentado na China e na Índia, mesmo antes da ascensão generalizada nos preços das commodities e da energia no período recente.
Embora os governos de países avançados apresentem resultados fiscais moderadamente deficitários e dívidas públicas na faixa de 40% a 60% do PIB, estes são os indicadores relevantes de risco soberano que interessam mais de perto aos BRIC, uma vez que é a partir deles que são fixadas as taxas de risco associadas a empréstimos e outros movimentos de capitais. Nesse particular, os dados dos BRIC são variados entre si e variáveis ao longo do tempo. Brasil e Índia são os que apresentam os resultados fiscais mais preocupantes, já que não se trata apenas de déficits orçamentários construídos para fins de investimento produtivo ou construção de infra-estrutura, e sim de políticas governamentais que provocam o agravamento das contas públicas.
O serviço público indiano, com seus 10 milhões de empregados, é um sugador contínuo de recursos, da mesma forma como os subsídios para agricultores pobres ou a combustíveis e produtos básicos. No caso do Brasil, despesas com o desequilibrado sistema da previdência social, mais o peso dos juros da dívida pública e a crescente folha de pagamentos do funcionalismo público representam os três componentes de uma bomba-relógio fiscal. Nesses dois países, as despesas vêm sendo cobertas pelo aumento da arrecadação gerada pelo crescimento econômico. O nível da dívida pública da Índia, acima de 90% do PIB, é enorme para todos os padrões conhecidos, comparativamente aos 65% da dívida brasileira e menos de 20% para os dois outros.
O governo russo tem operado a volta do Estado aos negócios, passando a controlar um número crescente de companhias em setores ditos estratégicos: a conseqüência mais provável pode ser o afastamento de investidores estrangeiros de novas oportunidades naquele país, com uma possível diminuição do ritmo de crescimento no futuro. Reações nacionalistas são típicas em todos os BRIC, mas este pode não ser o fator principal na decisão de um investidor estrangeiro. São mais relevantes o ambiente de negócios – segundo as pesquisas do Banco Mundial (BM) em seus relatórios anuais, o cenário no Brasil é burocratizado – e, sobretudo, peculiaridades da política tributária. Neste setor, o Brasil também consegue se alinhar aos países de mais alta extração fiscal – aproximadamente 38% do PIB, que é a média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), reduzindo proporcionalmente a poupança privada dirigida aos investimentos.
Quais são suas políticas econômicas externas e por que eles as adotam?
As políticas mais importantes no plano da inserção externa têm a ver com a liberalização dos movimentos de capitais e a abertura comercial, terrenos nos quais as políticas dos BRIC são também muito diversas, embora tendentes à adoção de um padrão mais propício à sua integração internacional. Isto contrasta com as formas historicamente restritivas que todos eles exibiam até menos de uma geração atrás. As rupturas mais importantes ocorreram, obviamente, com os dois gigantes socialistas, uma vez que o Brasil e a Índia se situavam nos limites de um capitalismo marcado pela presença avassaladora do Estado. Estes dois últimos foram membros fundadores do GATT e estiveram presentes, desde cedo, nas instituições de Bretton Woods, sem necessariamente acatar de bom grado as prescrições de política econômica formuladas pelas duas entidades de Washington.
A China e a Rússia ingressaram no FMI e no BM tão logo superaram suas restrições ideológicas às duas entidades-símbolo do mundo capitalista, mas o processo foi mais complicado na esfera comercial. A China levou 14 anos para ser admitida no GATT, fazendo-o apenas às vésperas do início da Rodada Doha (2001), mantendo ainda várias práticas não conformes ao padrão normal de relacionamento comercial. A Rússia, a despeito de politicamente admitida no G-7 desde os anos 1990 e de ter sido reconhecida como economia de mercado desde o G-7 de Kananaskis (2002), não conseguiu cumprir os requisitos para ingressar no sistema multilateral de comércio, nem parece perto de ingressar na OCDE. O recente retorno a uma política externa musculosa pode deixá-la ainda mais longe dessas organizações.
Brasil e Índia mantiveram, durante várias décadas, o padrão típico da política desenvolvimentista preconizada por economistas keynesianos como Raúl Prebisch ou Gunnar Myrdal, com muitas restrições cambiais, protecionismo comercial e medidas discriminatórias contra o capital estrangeiro, políticas que começaram a ser mudadas no final dos anos 80 e início dos 90. Eles ainda mantêm uma política comercial defensiva no plano industrial, mas, graças à sua qualificação em tecnologias da informação, a Índia tem operado abertura no setor de serviços, ao passo que o Brasil se mostra mais ofensivo no combate às políticas subvencionistas na área agrícola (o que deveria incluir, além dos protecionistas desenvolvidos, também os aliados do Brasil no G-20: China e Índia, precisamente).
As políticas cambial, comercial e do capital estrangeiro mantidas pelos BRIC são, portanto, tão variadas quanto suas formas de inserção internacional. No entanto, os resultados acabam se refletindo no balanço de transações correntes, cujos saldos, deficitários ou superávitários, são então corrigidos pelos movimentos de capitais voluntários e pelos financiamentos compensatórios. O Brasil saiu de uma situação bastante frágil, na segunda metade dos anos 1990 e início dos 2000, o que o levou a buscar financiamento preventivo por meio de três acordos concluídos com o FMI (1998, 2001 e 2002), para uma posição de relativo conforto no plano externo, com reservas internacionais superiores à dívida externa. Com seus enormes saldos comerciais, a China caminha para novos recordes de reservas em divisas, superiores a US$ 1,2 trilhões, e deve se manter como grande exportadora pelo futuro previsível. Os saldos da Rússia são também crescentes ou confortáveis, mas sua posição estrutural apresenta fragilidades, dada a dependência do petróleo e do gás. Os déficits da Índia, por sua vez, a despeito de crescentes, têm apresentado proporção administrável para sua economia também em expansão.
Qual o impacto dos BRIC, como grupo e individualmente, na economia mundial? E com qual dimensão e extensão esse impacto se exerce?
A justificativa para a existência da sigla BRIC, segundo seu propositor original, é a dimensão do impacto dessas economias na economia mundial e sua capacidade de moldar o futuro de outros países em desenvolvimento. De fato, à exceção do Brasil, os três outros BRIC vêm ganhando peso e importância no contexto global e setorial.
Teoricamente, os BRIC representarão, em poucos anos, um quinto da economia mundial, caminhando para ultrapassar o G-7 em duas décadas. Essa agregação de volumes individuais pode fazer sentido nesse tipo de exercício intelectual, no qual a aritmética parece predominar sobre a política. Mas é pouco provável que ela indique tendências de desenvolvimento da economia mundial, cujos vetores são dados por transformações tecnológicas, fluxos de capitais e informação de tipo científico e estratégico, como aliás sempre foi na história do capitalismo.
De fato, por sua crescente importância demográfica, assim como através da disseminação crescente da tecnologia e de capitais de investimento, pode-se prever com toda segurança que a participação dos países em desenvolvimento – entre os quais o último relatório do BM coloca os BRIC – nas exportações mundiais de bens e serviços e no PIB total tenderá a se expandir a partir dos valores atuais.
Trata-se de uma constatação elementar, que nada diz sobre os demais aspectos, sobretudo institucionais e políticos, que atuam de modo interativo com as forças estruturais que estão moldando o sistema mundial. Ou seja, o impacto econômico dos BRIC é decisivo, mas ele sozinho nada diz sobre os demais condicionantes de um complexo relacionamento que não se resume à contabilidade de PIB e exportações; tem a ver com fatores de interdependência recíproca, não dos BRIC entre si, mas entre eles, individualmente, e seus múltiplos parceiros na economia mundial. Desse ponto de vista, os BRIC não possuem existência econômica de fato, sendo puramente uma criação do «espírito econômico».
Qual o impacto do resto do mundo sobre os BRIC e quão independentes podem ser eles do resto da economia mundial?
A despeito de teses sobre o descolamento dos principais emergentes do ciclo econômico dos países do G-7 e dos demais avançados, o fato é que esse impacto é muito mais decisivo do que admitido normalmente. Não se trata, tão somente, de mercados de consumo e de fontes de investimento direto. A economia mundial não se apresenta apenas como um conjunto de espaços de intercâmbio de bens e serviços, com os quais cada unidade nacional pode ter maior ou menor interação física. Ela é, no seu aspecto mais essencial, basicamente um espaço para o intercâmbio de idéias, e nesse sentido a dominação intelectual do chamado Ocidente desenvolvido deve continuar a se exercer durante o futuro previsível e imaginável.
Quando se observa o panorama geral da economia mundial, uma conclusão parece inevitável: as mesmas forças que transformaram o mundo desde o século XVI continuam a moldar o mundo contemporâneo e aquele previsível no horizonte, não só pelos fluxos de bens e serviços, mas também pelas formas de organização econômica e, sobretudo, pela produção de idéias e conceitos que sustentam os fluxos reais. Desse ponto de vista, não se pode ainda conceber uma suposta independência dos países em desenvolvimento do núcleo central da economia mundial. Aliás, o próprio conceito de países em desenvolvimento, ou de economias centrais e periféricas, pode ser posto em dúvida para fins de uma análise isenta de supostos ideológicos.
Não caberia, nos limites deste ensaio, discutir os preconceitos filosóficos e de organização mental que presidiram à construção política do mundo contemporâneo, tanto porque essa construção tem sólidos fundamentos na realidade: existem, sim, países centrais e periféricos; existem, sim, economias dominantes e outras que são dominadas ou dependentes. Mas essas dicotomias redutoras não esgotam a realidade formada a partir das navegações dos séculos XIV e XV e constituída pela unificação econômica do mundo a partir do século XIX.
O que cabe, neste momento, é reafirmar o entendimento de que os BRIC e os demais países emergentes não têm um itinerário e um destino econômico distintos dos que seria possível conceber para os pólos mais avançados da economia mundial. São estes os que dão os parâmetros fundamentais pelos quais se organiza essa economia, num processo dinâmico que não é dominado exclusivamente por nenhum centro específico, mas que possui vários centros de produção e de disseminação de idéias e de conhecimento prático.
O que esse conjunto de economias emergentes significa em termos geoeconômicos ou geoestratégicos no médio e no longo prazos?
Economistas, como outros cientistas sociais, tendem a simplificar a realidade a pretexto de racionalizar processos que necessitam de uma explicação mais complexa. O conceito BRIC, em sua aparente novidade, é uma dessas trouvailles interessantes que passam a ocupar espaços informativos e a mente dos jornalistas, excitando a imaginação de líderes políticos em busca de alguma idéia nova. O conceito BRIC pode ter essa função. Mas o conceito também tem a capacidade de induzir espíritos preocupados com a realidade de uma «velha hegemonia» a alimentar a idéia de uma ruptura de sistema, ou seja, a substituição dessa antiga hegemonia.
Esta é, talvez, a conseqüência mais visível da proposta de transposição de um conceito virtual da análise econômica para a realidade tangível da vida político-diplomática, sob a forma de uma proposta tendente a converter o BRIC num grupo efetivo de coordenação de políticas no plano mundial. Estimulados pela honrosa distinção que lhes foi oferecida por um «aprendiz de feiticeiro» econômico, que viu neles os substitutos designados dos velhos hegemons, líderes políticos dos BRIC começam a se encantar com a idéia de encarnar uma nova realidade política que, bafejada pela propaganda também gratuita dos meios de comunicação, esperava tão somente por sua formalização adequada.
Esse institucionalização, concebida informalmente num primeiro momento entre alguns protagonistas dos BRIC, assumiu, em maio de 2008, um formato mais estruturado, quase parecido a um grupo, termo que, entretanto, não é utilizado no comunicado liberado em nome dos quatro BRIC countries em 16 de maio, em Ecaterimburgo, Rússia. Na declaração, os ministros de relações exteriores dos BRIC sublinham, em primeiro lugar, seus «interesses comuns» e a «coincidência ou similaridade de abordagens em relação aos problemas urgentes do desenvolvimento global», para depois concordar com a tarefa de construir «um sistema internacional fundado no predomínio do direito (rule of law) e na diplomacia multilateral». O resto do texto é ocupado pelo diplomatês habitual, mas no ponto que mais interessavam ao Brasil e à Índia, qual seja, seu eventual acesso ao Conselho de Segurança da ONU, a linguagem é mais cuidadosamente formulada: «Os Ministros da Rússia e da China reiteraram que seus países dão importância ao status da Índia e do Brasil nos assuntos internacionais, e compreendem e apóiam as aspirações da Índia e do Brasil em desempenhar um maior papel nas Nações Unidas». Ou seja, nada além de compreensão e apoio, sem que no entanto esse apoio se traduza em votos efetivos no processo de reforma da Carta da ONU.
Independentemente, porém, do grau efetivo de coincidência ou similaridade dos BRIC quanto a seus interesses comuns, o fato é que esse exercício intelectual deslanchou um processo de coordenação entre quatro emergentes que prometem exercer o seu quantum de poder econômico a serviço de causas políticas ainda não de todo claras, mas que poderiam significar a conformação de uma nova geografia econômica internacional, talvez até uma mudança no eixo do poder mundial. Com efeito, o que pode estar subjacente à formalização do BRIC seria o não tão secreto desejo de alterar a balança de poder, em termos de influência econômica e política mundial por certo, mas talvez também no plano do equilíbrio militar, o definidor de última instância do poder mundial.
Historicamente, são raras as tentativas de alteração pacífica do equilíbrio do poder mundial, na medida em que os beneficiários do status quo tendem a resistir às demandas dos contestadores por novos espaços no quadro dessa mesma ordem. Caso as expectativas não sejam atendidas, os contestadores podem se decidir pela mudança dessa ordem, se possível por meios pacíficos, se necessário por métodos violentos.
Contidos, derrotados e radicalmente transformados os contestadores fascistas do período entre-guerras, a geopolítica do poder mundial passou a ser dominada, a partir de 1947, pelo expansionismo soviético, sem contudo chegar-se ao enfrentamento direto com a superpotência americana. Os conflitos se deram por procuração, cada lado contabilizando avanços e recuos nos teatros periféricos que passaram a concentrar o essencial do grande jogo. Essa terceira guerra mundial terminou sem que o hegemon conservador tivesse logrado vitória; a derrota do lado economicamente mais débil se deu, na verdade, por auto-implosão de um socialismo esclerosado e incapaz de competir no plano da eficiência produtiva. Depois da derrocada espetacular da URSS e do momento unipolar, no qual os EUA emergiram como única superpotência efetiva, o mundo parece caminhar para uma nova fase de transição, na qual se assiste a um declínio dos EUA e a ascensão (China), reafirmação (Rússia) ou emergência de novos atores (Índia, Brasil, União Européia), que poderão redistribuir as cartas nos novos cenários estratégicos. Como o Brasil vem se comportando nesse novo contexto internacional e que impacto ou oportunidades tem o país no mundo à sua volta?
Qualquer que seja a evolução futura da geopolítica mundial no século XXI, é evidente que problemas desse tipo – ou seja, nova Guerra Fria, ou uma Paz Fria – não têm nada a ver com a condição de membro de algum grupo inventado na prancheta de um economista, ainda que conflitos prováveis possam surgir da condição de alguns candidatos a emergente global. A situação de BRIC é acidental e fortuita, ao passo que a condição de emergente econômico mundial foi adquirida ao longo de um lento processo de qualificação produtiva e tecnológica que deve se converter em poder político e militar na seqüência natural das coisas. Em outros termos, a construção do futuro geopolítico não será determinada pela introdução fortuita do grupo BRIC.
O empenho em sua criação pode ser explicado por motivos nacionais, nenhum deles coincidentes com os dos demais «membros». Dos quatro integrantes, os dois ex-socialistas apresentam características autoritárias, consolidando o legado de séculos de Estados totalitários. Os outros dois apresentam trajetórias democráticas, embora com deficiências de funcionamento e de justiça social, mas que também são as economias de mercados que mais se aproximam do padrão capitalista de organização.
Mesmo essa divisão não permite aproximar os quatro países para fins dessa entidade artificial que se cogita introduzir no cenário internacional. De todos eles, o Brasil é o que possui estruturas capitalistas mais avançadas e ostenta a mais moderna dentre as três sociedades. Dos quatro, é a sociedade mais integrada – nos planos lingüístico, cultural, étnico e, talvez, religioso – o que permite, em princípio, melhores formas de administração política, sem rupturas institucionais, e condições mais favoráveis para a modernização econômica e social. O grau de democratização social pode tornar mais lento o ritmo de crescimento e os processos de adaptação aos novos ambientes, mas isso contribui para maior coesão em torno de objetivos nacionais.
A busca de um papel mais ativo nos cenários regional e internacional levou a diplomacia brasileira a desenvolver uma série de articulações no eixo Sul-Sul e com «parceiros estratégicos», cujos exemplos mais evidentes são o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), o G-20 (no contexto da Rodada Doha), as cúpulas interregionais (com países africanos e do Oriente Médio), diversas iniciativas no âmbito da América do Sul (reforço e ampliação do Mercosul, criação da União Sul-Americana de Nações – Unasul, Conselho de Defesa no âmbito da Unasul, etc.), além de vários outros foros de diálogo e de cooperação com atores relevantes da agenda internacional (UE e seus mais importantes países, os próprios EUA), para culminar agora na proposta do BRIC, que coloca o patamar de articulação mundial da diplomacia brasileira em um nível mais elevado de interação com a agenda internacional.
As iniciativas adotadas pela diplomacia brasileira no período recente não se encontram em descompasso ou em ruptura com linhas tradicionais de atuação dessa diplomacia no passado, uma vez que ela sempre buscou aquilo que foi identificado com a «desconcentração do poder mundial» – supondo-se que os atores dominantes estavam interessados no «congelamento» desse poder –, ou seja, uma democratização do sistema internacional. Essa idéia encontra-se potencialmente em contradição com o projeto de ascender ao inner circle do poder mundial – na Liga das Nações ou, agora, a candidatura a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU –, mas não convém enfatizar este ponto neste momento. O fato é que o projeto do BRIC, como grupo institucionalizado, pode chocar-se com o outro grande princípio de atuação da diplomacia brasileira, que é o do pragmatismo democrático, aliás respaldado em orientações gerais de política externa que figuram na própria Constituição.
A atuação do Brasil no BRIC pode ser pautada pela prevalência dos direitos humanos e pelo apoio ao Estado democrático de direito, que constituem princípios constitucionais brasileiros, embora não se possa garantir que a ação coordenada dos membros do BRIC o seja. Como a agenda externa, individual, de cada um dos BRIC, deve diferir de uma agenda conjunta, esta teria de se ater a um mínimo denominador comum, que não necessariamente incorporará aqueles princípios. Por exemplo, uma das possíveis iniciativas dos BRIC poderá ser em apoio à proposta brasileira explicitada no comunicado: «Os ministros da Rússia, da Índia e da China saudaram a iniciativa do Brasil de organizar um encontro dos ministros de economia e/ou finanças dos países BRIC para discutir questões econômicas e financeiras globais». Em face desse tipo de proposição, pode-se perguntar: essa ação conjunta seria no sentido de reforçar as instituições que, para todos os efeitos práticos, criaram algumas décadas de prosperidade para os povos dos países que a elas aderiram desde a sua criação? Tratar-se-ia, presumivelmente, de redistribuir a estrutura do processo decisório e de aumentar sua participação nos órgãos de direção, como é legitimamente seu direito? Ou se trata, alternativamente, de transformar seu modo de funcionamento para que ele passe a refletir outra orientação de política econômica que não a que vem sendo seguida tradicionalmente?
Muitas outras questões podem e devem ser colocadas no tocante às propostas dos BRIC em pontos sensíveis da agenda mundial: não-proliferação (e o que fazer com proliferadores rebeldes); meio ambiente (e a questão das responsabilidades atuais, não apenas passadas); terrorismo (e a assunção de tarefas concretas para combatê-lo, além da letra das convenções da ONU); desarmamento (e a necessária negociação de um código de conduta para os principais mercadores); a questão do desenvolvimento dos países pobres e Estados falidos (com um comprometimento preferencial pelo lado dos mercados e do comércio, mais do que pela assistência tradicional). Estarão os BRIC em condições de se colocar de acordo sobre todas essas frentes de trabalho e manter uma postura não confrontacionista – com o G-7, em primeiro lugar – no encaminhamento de soluções consensuais a problemas que afligem a grande maioria da humanidade?
Alguma conclusão preventiva, neste momento de criação?
Não há conclusões a serem tiradas nesta fase constitutiva, equivalente ao conjunto de testes iniciais que fazem os competidores antes de empreender uma corrida. Os BRIC estão ainda flexionando seus músculos e polindo seus discursos antes de se lançarem na arena de um mundo em rápida transformação.
Pode ser que a própria idéia dos BRIC acabe sendo, finalmente, o que ela de fato representa enquanto exercício intelectual: um conceito destinado mais a organizar dados e a alinhar indicadores numa tela de computador – e com isso excitar a imaginação de jornalistas – do que uma realidade operacional no plano político e diplomático. As principais questões que dividem o mundo não são mais de natureza ideológica, como ocorria menos de três décadas atrás, quando projetos concorrentes se mobilizavam para conquistar os corações e mentes dos cidadãos. Elas nem são de ordem técnica, uma vez que parece haver razoável consenso e colaboração entre cientistas e pesquisadores de todo o mundo em torno das principais fronteiras a desafiar o conhecimento humano nos campos da medicina, da física, da biologia. Os principais dilemas se dão em torno das prioridades políticas e das políticas econômicas alternativas que se colocam, sob a forma de escolhas, aos estadistas, na busca de soluções a velhos problemas que afligem a humanidade: fome, desemprego, saúde, educação, segurança e bem-estar.
A experiência do passado – aliás, ainda recente – em torno de algumas dessas escolhas e sobre as tentativas de impô-las de modo autoritário a sociedades inteiras, não nos traz ensinamentos muito otimistas sobre algumas das soluções propostas por desafiantes radicais do status quo. Não é preciso rememorar a história terrível da Alemanha nazista e do Japão militarista para constatar que poderes emergentes podem ser competidores apressados, aptos a contestar, pela violência em alguns casos, o poder estabelecido de hegemons mais antigos. A lição, em todo caso, deve ter sido aprendida. Esperemos que desta vez seja diferente...