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América Latina: nem tudo que brilha é um «ciclo»


Nueva Sociedad Outubro 2022

A vitória de forças progressistas em diversos países impediu a consolidação de uma «guinada à direita» na região. Mas até que ponto é produtivo pensar a política latino-americana em termos de ciclos? Quais as características desses novos progressismos?

América Latina: nem tudo que brilha é um «ciclo»

É uma condição necessária para podermos falar de um ciclo político progressista que as forças situadas à esquerda do espectro político ganhem eleições e cheguem ao governo em uma quantidade significativa de países, mas de nenhum modo essa é uma condição suficiente. Alguns setores progressistas afirmam há algum tempo que a América Latina vive uma «segunda guinada à esquerda», e o primeiro elemento que tendem a apresentar como prova é a lista das últimas vitórias eleitorais. Sem dúvida, é verdade que a esquerda obteve conquistas eleitorais importantes nos últimos dois anos: o retorno do Movimento para o Socialismo (mas) na Bolívia ao poder após o golpe de Estado contra Evo Morales, a eleição de Gabriel Boric no Chile, o triunfo de um peronismo de centro-esquerda na Argentina e a vitória de Andrés Manuel López Obrador no México. Mas convém considerar esses dados com cautela e realizar uma análise mais minuciosa antes de fazer afirmações ideológicas excessivamente apressadas.

Tanto na esquerda como na direita, há na região vários exemplos recentes de que o resultado de uma eleição não determina um rumo ideológico predeterminado e que, de fato, esse rumo pode até mesmo ser bem diferente do inicialmente esperado. Certamente, dois dos casos mais paradigmáticos são os do colombiano Juan Manuel Santos e do equatoriano Lenín Moreno. Por isso, as análises em termos de ciclos podem conduzir a percepções que exageram tendências e perdem a capacidade de olhar as tensões presentes na política latino-americana. Tanto na esquerda como na direita, as sucessões ocorridas nesses anos interromperam em vários países as continuidades lineares de políticas e lideranças «naturais» de cada setor.

Ovinhos quebrados

Quando Álvaro Uribe passou o comando a Juan Manuel Santos em 2010, também lhe transmitiu seu legado representado em seus famosos «três ovinhos»: segurança democrática, confiança dos investidores e coesão social. Além de representar sua herança, essa entrega significava uma incumbência a seu sucessor e ex-ministro da Defesa: as fronteiras do que Santos poderia fazer eram demarcadas por esses «ovinhos», os quais escreviam em tinta invisível os eixos da hegemonia uribista, que havia anos dava sinais de força e que a vitória eleitoral de Santos parecia corroborar. No entanto, o roteiro e a tutela imaginados por Uribe não foram seguidos por muito tempo depois desse ato simbólico. Um dos maiores desafios apresentados a Uribe veio precisamente de Santos, que, apesar de fazer parte do núcleo duro de seu governo, não demorou a confrontar política e publicamente seu antecessor, com quem acabou rompendo ruidosamente a relação para se tornar um declarado inimigo político. No início de 2014, em um evento repleto de teatralidade, Uribe perguntou aos presentes se o governo de Santos tinha sabido cuidar de três ovos quebrados que exibia em um cesto. Obviamente, o público gritava «não», e Uribe confirmava: «Eles quebraram. Não sobrou nem para [fazer uma] tortilha». Santos tinha suas próprias ideias e objetivos – muito distantes dos da direita dura colombiana à qual havia aderido –, entre eles, avançar seriamente no processo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (farc) e restabelecer relações com governos e figuras da esquerda nacional e regional contra os quais Uribe havia declarado guerra. O novo presidente promoveu e realizou o referendo sobre a paz, decisão que o uribismo combateu com intensidade, participando ativamente de uma beligerante campanha pelo «Não», tendo Iván Duque como porta-voz de destaque. O «Não» acabou vencendo, e Uribe pôde celebrar ter imposto uma derrota a seu grande rival sem se importar muito com a perda de oportunidade para o país que essa vitória representava. Mas Santos tinha consciência de que, mesmo perdida, essa oportunidade não podia ser desperdiçada e se empenhou em avançar de todas as maneiras em um processo complexo que acabou dando resultados positivos e que, entre outras coisas, conferiu-lhe um Nobel da Paz e significou um importante passo rumo à interrupção da violência na Colômbia.

Lenín Moreno foi vice-presidente de Rafael Correa, além de um dos dirigentes de primeira linha da Aliança País desde o início dessa organização política. A chapa governista para as eleições de 2017 foi completada com Jorge Glas, que havia sido o outro vice-presidente dos anos de Correa, além de seu amigo íntimo. A dupla foi interpretada como uma combinação de um perfil político popular que podia chegar a determinados setores incomodados com os últimos anos do correísmo, mas com um desejo de autonomia crescente e que incluía alguém totalmente leal ao então presidente. De qualquer forma, não restavam muitas dúvidas de que ambos concordavam em linhas gerais com o que foi feito por seu partido e líder histórico. Afinal, os dois haviam sido protagonistas daquela década, e a direita equatoriana e regional fazia poucas distinções entre eles. Tanto o primeiro turno como o segundo foram realizados em um clima tenso e, de fato, houve uma forte campanha para denunciar uma suposta fraude que teria favorecido Moreno. A ofensiva da direita parecia amalgamar as diferenças internas que, de qualquer forma, não pareciam indicar a ruptura ocorrida logo depois. Era dado como certo que uma vitória de Moreno seria também uma vitória de Correa e, portanto, uma continuidade do ciclo progressista no Equador e uma sinalização para a região. De fato, no encontro de apresentação oficial da chapa eleitoral – com Correa, Moreno e Glas no palco –, o então candidato presidencial disse à multidão reunida o quanto considerava importante estar acompanhado de Glas. Moreno explicou que, quando um jovem familiar seu lhe perguntou como poderia fazer frente ao desafio complexo de dirigir o Equador, havia respondido várias vezes que o enfrentava mais seguro e confiante porque sabia que Jorge Glas o acompanhava. No entanto, a ruptura e a mudança radical de roteiro de Moreno não demoraram a acontecer, e aqueles que o consideravam um reforço progressista na região ficaram rapidamente decepcionados. Glas foi destituído e preso, em um processo que teve múltiplas observações. Moreno acompanhou sua guinada neoliberal com uma forte ofensiva contra Correa e seus quadros principais, e questionou várias das decisões mais importantes da última década, na qual não havia sido um ator secundário. Em política regional, ele confrontou os governos de esquerda e desacreditou a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), chegando a fechar a própria sede do organismo em Quito, voltou a estabelecer uma relação próxima com os Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional (fmi), etc. O saldo de seu governo, diferentemente do de Santos, tem pouco de positivo ou relevante se nos guiamos por diversas pesquisas de opinião sobre sua grande e permanente desaprovação, e pela impossibilidade de Moreno e seu espaço político de apresentarem uma candidatura própria minimamente competitiva para as eleições de 2021. Entretanto, o dano gerado ao correísmo foi relevante, e, embora sua chapa tenha liderado o primeiro turno eleitoral em 2021, acabou derrotada por Guillermo Lasso no segundo. Por diferentes motivos, o espaço não foi recuperado o suficiente para retornar ao poder, como fizeram o peronismo na Argentina e o Movimiento al Socialismo (mas) na Bolívia.

No Peru, há o antecedente recente de Ollanta Humala, que também deu uma guinada de envergadura semelhante aos casos mencionados. Com uma vitória que pareceu um movimento do país rumo à esquerda, seu governo teve um primeiro gabinete de ministros com peso importante de figuras relevantes da esquerda peruana, mas não demorou muito para seguir outro caminho. Ultimamente, boa parte da esquerda peruana assiste com perplexidade e temor ao rumo tomado pelo governo de Pedro Castillo. Para alguns, ele já é um tipo de déjà vu do que foi Humala, mas com uma perspectiva mais incerta. O escritor Juan Manuel Robles se lamentou no Twitter: «Temíamos que Castillo fosse um Ollanta 2.0, mas ele é um Ollanta 0.2 ruim».

A vitória de Castillo foi apertada, por escassos 44.000 votos à frente de Keiko Fujimori, e isso reduziu a força que faltava ao histórico acontecimento que supunha sua chegada ao governo do Peru: um professor rural desconhecido para a maioria do país poucos meses antes das eleições, com um discurso de recuperação da soberania sobre os recursos naturais, defensor de um processo constituinte, apoiado pela esquerda nacional e regional. De Luiz Inácio Lula da Silva a Evo Morales, as figuras e os partidos políticos mais importantes da região lhe deram as boas-vindas e comemoraram sua vitória como um marco do segundo ciclo progressista na região. Mas, nove meses depois de sua posse, Castillo já acumula quatro gabinetes diferentes, várias de suas bandeiras iniciais de mudanças profundas foram ficando para trás, e ele rompeu com boa parte da esquerda e referências como Verónika Mendoza e Avelino Guillén. Para muitos deles, já é impossível falar de Castillo como um projeto nitidamente progressista. Até mesmo a esquerda que ainda o apoia ou participa de sua administração afirma que o sentido do governo de Castillo está em disputa e que é melhor realizar essa luta a partir de dentro. Seja como for, já não existem as definições que havia no princípio. Algumas de suas últimas nomeações, como Óscar Graham em lugar de Pedro Francke como ministro de Economia e Finanças, atestam um deslocamento progressivo rumo a posicionamentos muito mais moderados ou inclusive conservadores. No campo internacional, o Peru – diferentemente de Bolívia, México e Argentina – tem mantido uma boa relação com Luis Almagro e a Organização dos Estados Americanos (oea). Ele também vem respaldando claramente a participação de seu país na Aliança do Pacífico e no Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (tpp-11). Embora seja certo que também retirou o Peru do Grupo de Lima, o governo atual marcou distância em relação ao governo de Nicolás Maduro. E, no campo interno, têm crescido os protestos diante da falta de capacidade oficial para canalizá-los para algum tipo de negociação.

Governos e hegemonia?

Esse último ponto – a relação entre alguns dos projetos de esquerda que ganharam eleições recentemente ou que apresentam possibilidades concretas de vitória – é um dos mais importantes a analisar para identificar se é possível ou não incluir todas essas esquerdas dentro da mesma onda progressista, ou se já não há alguns eixos nos quais existam posicionamentos com diferenças maiores aos matizes e que tornam muito mais difícil e complexo agrupá-las dentro de um mesmo bloco.Muito antes de ser eleito presidente do Chile, Gabriel Boric já tinha sido crítico ao governo de Maduro. Nesse sentido, os posicionamentos que ele tem assumido desde que foi eleito não surpreendem, mas a mudança é muito relevante. Alguém poderia ter esperado que, como presidente e ao se situar claramente na esquerda política, Boric fosse tentado a suavizar o conteúdo de suas críticas, além do fato de a Venezuela já estar há algum tempo em relativa estabilidade e recuperação. Há pouco, foram realizadas as eleições regionais com diversos observadores internacionais, nas quais o chavismo perdeu – e aceitou imediatamente o resultado, contra a previsão de alguns – em históricos feudos como o estado de Barinas. Até mesmo o governo estadunidense enviou à Venezuela alguns sinais e interlocutores pelo tema do petróleo, no contexto das consequências da guerra na Ucrânia. Entretanto, depois de eleito, Boric não mudou a opinião de seus anos como deputado e indicou com bastante clareza que, para ele, a Venezuela não só não é um modelo, como também que o governo de Maduro cometeu sérias violações aos direitos humanos, e não o isenta de responsabilidade no êxodo de mais de cinco milhões de venezuelanos, muitos dos quais migraram precisamente para o Chile (migração que é motivo de tensão política e expressões de xenofobia no norte do país).Como era de esperar, isso foi respondido a partir de diferentes espaços. O ex-presidente equatoriano Rafael Correa, o intelectual argentino e agora dirigente do Partido Comunista Atilio Borón e Jorge Arreaza, ex-chanceler venezuelano e genro de Hugo Chávez, questionaram o jovem mandatário chileno. Borón lhe recomendou frequentar aulas de história1, e Arreaza se manifestou no Twitter: «Há esquerdas tão fora de lugar que não percebem que, sem a resistência e a coragem dos povos mais assediados pelos Estados Unidos, elas seriam pouco menos que nada». A mensagem de Arreaza obteve o apoio de Daniel Jadue, figura importante do Partido Comunista chileno e ex-adversário de Boric nas primárias da aliança Aprovo Dignidade. «Você tem toda a razão, companheiro. Força e coragem para o que está por vir», comentou diante da mensagem do venezuelano.

A massiva migração venezuelana para países como Peru, Colômbia e Chile fez com o que antes podia ser somente uma disputa ideológica entre elites políticas de países diferentes tenha agora um forte componente de política interna. A presença de dezenas e centenas de milhares de venezuelanos modifica aspectos da política interna desses países e, ao mesmo tempo, «populariza» a crise venezuelana entre amplas camadas da população, que escutam testemunhos diretos de seus vizinhos, clientes ou colegas de trabalho venezuelanos.

Em parte, isso pode explicar que até mesmo governos em princípio da mesma órbita que o venezuelano tenham posicionamentos críticos mais duros. Longe de ser algo passageiro, esse fato é uma realidade que deve se prolongar no tempo e, obviamente, um problema de primeira ordem se considerarmos a suposta existência de um novo ciclo progressista na região.Hoje é difícil ver Boric, Castillo ou Alberto Fernández pensarem em muitas ou até mesmo poucas ações conjuntas com o governo de Maduro, mas também de Cuba ou Nicarágua. Como a Colômbia tem uma situação idêntica nessa matéria, não causa estranheza que também Gustavo Petro – talvez com menos rigidez que Boric, mas de forma igualmente clara – tenha marcado suas diferenças com o governo venezuelano.

Quando Maduro criticou Boric e Castillo como representantes da esquerda covarde, o líder do Colômbia Humana – a principal figura da esquerda no país – respondeu no Twitter: «Sugiro que Maduro abandone seus insultos. Covardes [são] os que não abraçam a democracia. Liberte a Venezuela do petróleo. Leve-a à mais profunda democracia. Se for preciso, renuncie».Alguém poderia argumentar que, na primeira «guinada à esquerda», também coexistiram diferentes apostas estratégicas, culturas políticas e sensibilidades. Mas também é verdade que havia um espaço comum e vínculos estreitos entre governos progressistas, apesar de existirem tendências mais «social-democratas» ou mais «populistas», com uma certa divisão de tarefas, no caso sul-americano, entre o Brasil «lulista» e a Venezuela «chavista», tanto no plano da integração regional como no das redes de partidos e movimentos. Precisamente, a sobreposição dessas «duas esquerdas» foi a característica que definiu o ciclo progressista ocorrido de meados dos anos 2000 a meados da década de 2010, com periodizações diferentes segundo cada país. Vemos hoje um entrincheiramento dos discursos mais bolivarianos, com menos capacidade expansiva, e o surgimento de diferentes variações de (centro-)esquerda, muitas vezes em coalizões com divergências internas consideráveis (como se vê na Argentina, Bolívia, Peru e, com menos intensidade no momento, no Chile).

O único aspecto em que parece haver coincidência é a celebração de diferentes vitórias eleitorais como prova da existência do «segundo ciclo», mas fala-se menos sobre o dia seguinte e as gestões concretas de governo. A direita também acumulou várias vitórias eleitorais durante alguns anos – Iván Duque na Colômbia, Mauricio Macri na Argentina, Sebastián Piñera no Chile –, e tais conquistas não foram suficientes para que se verificasse na prática um ciclo conservador na região. Isso ocorreu em boa medida porque esses governos fracassaram internamente, foram pouco ambiciosos externamente, dentro de suas coordenadas ideológicas, e atuaram de modo pouco coordenado.

Diversos fatores impediram que esse ciclo se concretizasse: seu «globalismo» ficou defasado pelos efeitos das políticas de Donald Trump2; as organizações sociais mantiveram um poder de veto, fortalecido no ciclo anterior, sobre medidas excessivamente «neoliberais»; e as forças de esquerda conservaram vigor eleitoral que lhes permitiu seguir sendo competitivas. A tudo isso se somaram mobilizações sociais em vários países, tendo o estopim chileno como a expressão mais significativa.Houve somente uma exceção que não modifica o fundo: o esforço coordenado para a «mudança de regime» na Venezuela e, no plano da integração, o desmonte da Unasul. Não ocorreu mais nada significativo – o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (Prosul) não foi mais que o nome de uma aspiração –, e os governos conviveram com índices de popularidade elevados (Piñera e Duque) e crises econômicas que debilitaram seus desejos de reeleição (Macri).

Os governos de Chávez, Morales, Correa, Lula da Silva e Dilma Rousseff e o kirchnerismo se estenderam por mais de um mandato, além de muitos deles terem conseguido vitórias com claras maiorias em seus Parlamentos. Em síntese: eles conquistaram uma hegemonia significativa sobre a sociedade e capturaram um clima de época «pós-neoliberal». Nada disso parece ocorrer hoje. Já não existem as maiorias parlamentares do passado, alguns dos líderes históricos não exercem o comando formal em seus governos (Cristina Fernández de Kirchner e Evo Morales) e, como menção importante, as tensões internas dos grupos governistas progressistas são hoje públicas. Vemos essa mesma dinâmica até mesmo no caso dos líderes históricos, como Lula. Se vencer as eleições de outubro, o que levaria a esquerda de volta ao comando do maior país da América do Sul, Lula não terá uma maioria clara no Parlamento brasileiro – um Parlamento incontrolável, tomado por uma política «fisiológica», clientelismo e forte fragmentação, que já foi um problema para o Partido dos Trabalhadores (pt) – e, por razões próprias da biologia, é difícil acreditar que o ex-dirigente metalúrgico possa governar por mais de um mandato. Ainda em crise e com forte resistência na sociedade, o pt enfrentará o desafio de saber se aproveita sua passagem por um possível governo para se fortalecer como uma opção de poder que vá além de Lula.

Finalmente, mas não menos importante, cabe apontar que um dos efeitos da pandemia é que os cidadãos elevaram suas exigências em termos nacionais, e as fidelidades dos eleitorados se tornaram mais voláteis. Não são bons tempos para as apostas na integração regional. De fato, as manifestações de xenofobia no Chile, no Peru e na Colômbia com relação aos imigrantes venezuelanos aumentaram substancialmente nos últimos dois anos. É pouco provável que provoque agora muito apoio social o fato de um presidente da região se oferecer para organizar cúpulas e encontros de líderes que não costumam gerar resultados imediatos. Nesse plano de defesa de interesses nacionais, pode-se incluir também a tentativa do presidente uruguaio Luis Lacalle Pou de flexibilizar o Mercado Comum do Sul (Mercosul), um dos poucos organismos sul-americanos estáveis. De fato, é difícil acreditar que a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) poderia sobreviver se sua Presidência não fosse exercida pelo México durante a pandemia. Somente um país do tamanho do México, com sua possibilidade de aplicar recursos e um presidente forte política e institucionalmente, poderia embarcar em uma iniciativa como essa, de clara importância regional. O contexto descrito não apresenta um horizonte fácil para a vigência e a consolidação de um potencial «segundo ciclo progressista». Ele não está totalmente descartado, mas cabe manter certa cautela no momento de fazer qualificações ideológicas.Ainda que a esquerda possa acumular mais governos que no primeiro «ciclo», há um crescente hiato entre governo e hegemonia, em um contexto global incerto marcado por uma sucessão de crises e um enfraquecimento dos imaginários, discursos e lideranças dos progressismos regionais, que buscam diversas formas de recompor seus projetos e encontrar novos relatos com capacidade de mobilização.


Nota: a versão original deste artigo foi publicada em espanhol em Nueva Sociedad No 299, 5-6/2022, disponível em . Tradução de Luiz Barucke.

  • 1.

    A. Borón: «URGENTE: presidente inexperto necesita clases de historia de A. Latina, colonialismo cultural, imperialismo y relaciones internacionales…» no Twitter, 22/1/2022.

  • 2.

    José A. Sanahuja e Jorge D. Rodríguez: «Veinte años de negociaciones Unión Europea-Mercosur. Del interregionalismo a la crisis de la globalización», Documento de Trabajo No 13/2019 (segunda época), Fundación Carolina, Madri, 2019.

Este artículo es copia fiel del publicado en la revista
ISSN: 0251-3552
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