Opinión
junio 2013

A esquerda não deve temer o povo nas ruas

Nos últimos dias, o Brasil assiste a uma onda de manifestações populares que se alastrou pelas suas principais cidades. Mas a situação não deveria causar tanto espanto. Afinal, a ampliação dos direitos básicos no Brasil a grandes contingentes da população propiciada pelos governos Lula e Dilma liberou uma série de demandas represadas e criou outras. O país está muito melhor, mas ainda é um país profundamente desigual.

<p>A esquerda não deve temer o povo nas ruas</p>

Nos últimos dias, o Brasil assiste a uma onda de manifestações populares que se alastrou pelas suas principais cidades. Inicialmente impulsionada pelo protesto contra aumentos nas tarifas dos transportes públicos, as pautas abraçadas pelos manifestantes foram se multiplicando na mesma medida em que o crescia o número de pessoas nas ruas. A direita e a mídia a seu serviço apressaram-se, claro, em chamar os manifestantes de “baderneiros” e subversivos. Mas no instante seguinte, com o aumento do apoio popular – principalmente após a polícia do estado de São Paulo reprimir violentamente os manifestantes e a população em geral, inclusive jornalistas –, enxergou aí a possibilidade de desestabilizar o país e de incitar os setores conservadores contra o governo de Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. A esquerda organizada – partidos, movimento sindical, entidades estudantis, entre outros –, surpreendida pela imensa movimentação popular que não convocara e não dirigia, hesitou em expressar seu apoio e participar. Muitos ficaram tentados a classificá-la como “armação da oposição” ou como “movimento apolítico”, confundindo as formas institucionalizadas de exercício da política com sua essência, esquecendo-se assim de que o povo nas ruas é a política em seu estado puro. Mas a situação não deveria causar tanto espanto. Afinal, a ampliação dos direitos básicos no Brasil a grandes contingentes da população propiciada pelos governos Lula e Dilma liberou uma série de demandas represadas e criou outras. O país está muito melhor, mas ainda é um país profundamente desigual. Para avançar no atendimento dessas demandas, são necessárias agora reformas estruturais, que efetivamente distribuam a riqueza e o poder. Coisa que nossas elites não estão dispostas a permitir. Para isso, contam com um sistema político-eleitoral totalmente permeável ao poder econômico, no qual a formação de maiorias não se dá em torno de um programa, mas por acordos de interesses. É por isso que a esquerda, que chegou à Presidência da República, é minoritária no parlamento, e tem enorme dificuldade para aprovar suas pautas. Esse contexto, no qual demandas reprimidas associam-se a uma descrença na capacidade institucional de resolvê-las, gerou um verdadeiro mal-estar, principalmente nas maiores cidades, onde os problemas aparecem de forma concentrada. Não deveríamos, pois, estranhar que parcelas do povo em algum momento fossem às ruas querendo ser sujeitos da história. Se observarmos as principais bandeiras desse movimento, veremos que fazem parte de uma agenda de esquerda. E certamente a maioria dos manifestantes não é de direita, ainda que haja representantes de setores conservadores e mesmo provocadores infiltrados, e ainda que uma boa parte não se veja representado por nenhum dos partidos existentes. O problema é que os principais representantes da esquerda organizada demoraram para entender o que se passava. Ainda que muitos da base militante do PT tenham participado do movimento praticamente desde o início, as direções e os membros do governo tardaram a tomar uma posição. Quando o fizeram, foi em geral na direção certa: o PT saudou as mobilizações, identificou-se com as bandeiras por mais direitos e serviços públicos e chamou seus militantes a participar. Mas nesse momento, com o apoio dos grandes meios de comunicação, a direita já disputava com vantagem os rumos e significados do movimento – tanto no país como no resto do mundo onde as notícias foram divulgadas. Analisar um fenômeno tão complexo como o que vivemos em poucas palavras é tarefa quase impossível. Mas a lição geral é que o PT e as demais forças organizadas de esquerda precisam se unir ao povo, convertendo essa expressão de insatisfação e esse clamor por mudanças em ponto de apoio para o enfrentamento vitorioso aos poderes fáticos que ainda se fazem valer de distintas formas, obstruindo o avanço de um projeto democrático e popular capaz de efetivamente atender às demandas históricas de milhões de brasileiros.

* Vice-presidenta de la Fundación Perseu Abramo, Brasil.

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