Os dilemas do Syriza
História de uma decepção?
Nueva Sociedad Agosto 2016
A vitória eleitoral de Alexis Tsipras na Grécia no início de 2015 gerou muitas expectativas no mundo e no país, que se encontrava submetido às consequências da corrupção das velhas elites políticas, aos planos de austeridade e à pressão da troika. No entanto, sem um plano b diante da pressão de Bruxelas, Tsipras decidiu aceitar as condições do Terceiro Memorando como uma opção melhor do que suportar as consequências da saída da zona do euro. Apesar da decepção de muitos de seus seguidores, as alternativas à esquerda do novo Syriza não conquistaram força eleitoral, e muitos gregos preferiram votar em Tsipras a se arriscar com as velhas elites.
Na quinta-feira 12 de novembro de 2015, as duas principais confederações sindicais gregas – a Confederação Geral de Trabalhadores Gregos (gsee, na sigla em grego), do setor privado, e a Confederação dos Sindicatos de Funcionários Públicos (adedy, na sigla em grego), do setor público – convocaram a primeira greve geral desde que o governo de esquerda de Alexis Tsipras havia chegado ao poder. Seu partido, a Coligação de Esquerda Radical (Syriza, no acrônimo em grego), que defende a necessidade de aplicar o acordo alcançado em 13 de julho do mesmo ano entre o governo da Grécia, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (bce), também apoiou e se uniu às manifestações para «seguir lutando contra as políticas antissociais do neoliberalismo extremo». Esse é somente um exemplo da complexa situação em que se encontra o Syriza desde julho passado.
O Syriza nasceu como partido em 2013 de uma coalizão preexistente de organizações de esquerda radicais que haviam obtido um repentino avanço eleitoral nas eleições legislativas de 2012, e rapidamente se tornou a segunda maior força política do país. Diante de um partido socialista (o Movimento Socialista Pan-Helênico, ou pasok, na sigla em grego1), que se tornou muito impopular desde que submeteu o país à tutela da troika2, e de um Partido Comunista (kke, na sigla em grego) cujo pensamento, retórica e práticas não mudaram desde o fim da União Soviética, o Syriza – que desde 2010 vinha se opondo de maneira inflexível à política de austeridade ditada pelos Memorandos3 – surgiu como a única alternativa política de esquerda digna de crédito.
Das eleições de 2012 à vitória de 2015: o renascimento da esquerda e da esperança na Grécia
Durante os dois anos e meio do governo de Antonis Samarás (de junho de 2012 a dezembro de 2014), o Syriza soube impor sua imagem reformista e radical, pró-europeia mas oposta à hegemonia do governo ordoliberal alemão e capaz de livrar a Grécia dos flagelos da corrupção e do clientelismo, para reconstruir a democracia em um país que nunca a conheceu verdadeiramente desde sua independência em 1830. Enquanto Yannis Dragasakis, economista e grande personagem da ala moderada do partido, se encarregava de organizar comissões para conferir um programa à agrupação, os novos militantes eram convidados a se unir à campanha «Solidariedade», que visava a garantir o acesso a alimentos, medicamentos e habitação de todos os cidadãos afetados pela crise. O Syriza pôde se fundir com as estruturas associativas que floresceram de forma espontânea em todo o país para responder à emergência humanitária e colocar-se em contato com aqueles que a crise havia deslocado, marginalizado e distanciado da política. O partido conseguiu também estabelecer vínculos com os sindicatos, até então controlados pelo pasok, e inserir-se nas lutas, em sua maioria locais, por todo o país. Finalmente, Alexis Tsipras, o jovem líder do partido, mantendo ao mesmo tempo uma clara rejeição aos Memorandos e às políticas de austeridade, foi capaz de colocar a antiga coalizão de extrema esquerda no centro da vida política grega refletindo suas convicções pró-europeias, reunindo todos os atores da vida econômica e social grega – inclusive o clero da Igreja ortodoxa – e aumentando as viagens ao exterior, especialmente a Estados Unidos, Argentina e Brasil.
Além disso, Tsipras conseguiu, em meio à decomposição política do país, reconstruir uma força política de esquerda capaz de chegar ao poder: nas eleições legislativas de janeiro de 2015, seu partido obteve 36% dos votos, mais do que previam todas as pesquisas, e pôde formar um governo graças ao apoio do pequeno partido Gregos Independentes (anel, na sigla em grego), uma força de direita hostil aos Memorandos. «Abrimos um caminho para a esperança» foi o lema da campanha promovida pelo Syriza. E, de fato, o partido logo traria muitas esperanças aos gregos, especialmente àqueles que haviam sido mais afetados pela crise: jovens, trabalhadores, classes populares e mulheres, que votaram majoritariamente na sigla. A esperança de pôr fim à austeridade e colocar a economia a serviço do bem-estar. A esperança do alívio de uma dívida esmagadora (equivalente a quase 180% do pib e ainda em ascensão). A esperança de acabar com a crise humanitária que assola o país: um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza (e quase a metade da população, se tomarmos como referência a renda média de 2009), ao mesmo tempo em que os sistemas de saúde e previdência foram desmantelados pelos Memorandos. Também a esperança de libertar-se de uma oligarquia política em grande parte responsável pela crise, mas que nunca foi obrigada a prestar contas e goza de total impunidade, e de restabelecer a normalidade do funcionamento político, de acordo com a ordem constitucional constantemente violada desde o primeiro Memorando, além de modernizar e tornar mais eficiente o governo. A esperança de ver o país recuperar sua dignidade diante da insolência dos credores, dos quais os governos anteriores só fizeram se esconder, mas ainda assim permanecendo dentro da zona do euro.
Isso era o que prometia o Programa de Salônica4, promovido por novas figuras políticas, sendo a primeira delas o carismático Tsipras, que domina com habilidade a retórica socialista e as referências patrióticas capazes de alcançar um público mais amplo que o eleitorado de esquerda. Esse programa estava organizado em torno de quatro eixos principais: a luta contra a crise humanitária, a reativação da economia, a recuperação do emprego e a restauração dos direitos trabalhistas e, finalmente, a revisão cidadã do Estado e das instituições. Esse plano parecia responder à diversidade de problemas existentes na Grécia5. Além disso, inscrevia-se claramente na tradição das esquerdas herdeiras do marxismo e do socialismo, ao mesmo tempo em que se libertava do jargão e da visão excessivamente economicistas do papel de um governo de esquerda.
A vitória e o exercício do poder
Durante as primeiras semanas do novo governo, milhares de gregos, da direita à esquerda, reuniram-se espontaneamente na Praça Sintagma (ou da Constituição) para expressar seu apoio à nova classe de políticos da Grécia, já que estes aparentemente preferiam defender os interesses de seu povo a servir à oligarquia (grega ou estrangeira). Mas se a estreia estrondosa do governo de Tsipras e as fortes declarações de seu ministro da Economia, Yanis Varoufakis, deram aos gregos a sensação de que finalmente seus líderes defendiam o povo, aos poucos o governo começou a parecer arrastado a uma espiral de concessões.
Em um primeiro acordo firmado em 20 de fevereiro, o governo se comprometeu a pagar a dívida completamente e dentro do prazo, renunciou a qualquer ação unilateral em matéria econômica e aceitou a devolução de dez bilhões de euros deixados pela troika nos cofres do Fundo Grego de Estabilidade Financeira após a recapitalização anterior dos bancos gregos, tudo isso sem conseguir mais que «ambiguidades criativas», segundo o próprio Varoufakis. Durante os meses seguintes, as negociações ocorreram sob certa obscuridade para o povo grego, que viu, contudo, o governo afastando cada vez mais suas exigências do Programa de Salônica, que não foi aplicado. No final de junho, o resultado dos quatro meses de negociações surgiu com nitidez: o Syriza cedeu em todas as suas exigências, enquanto as «instituições» europeias permaneceram inflexíveis. O anúncio de um referendo reanimou as esperanças do povo grego, como demonstraram os impressionantes resultados anunciados na noite de 5 de julho: 63% dos eleitores rejeitaram as propostas de acordo das «instituições». Mas esse resultado acabou não promovendo nenhuma mudança e, em 13 de julho, Tsipras assinou um acordo ainda mais duro que o rejeitado pela população uma semana antes.
O governo não queria correr o risco de uma ruptura com os credores, para a qual os próprios gregos talvez não estivessem realmente preparados. Negou-se unilateralmente a deixar de pagar a dívida e, para isso, esvaziou todos os cofres do setor público, inclusive de administrações locais e diversos organismos públicos, de forma a seguir pagando suas obrigações até o início de junho, quando os credores haviam, por sua vez, suspendido os últimos pagamentos previstos pelo segundo Memorando. É significativo que os trabalhos da comissão batizada de «Verdade sobre a Dívida Pública Grega»6, iniciados pela muito combativa presidenta do Parlamento, Zoe Konstantopoulou, nunca tenham sido utilizados pelo governo. Os trabalhos apontavam o caráter ilegal e ilegítimo da dívida, e propunham vários meios de anulá-la. Ao refletir sobre as causas da explosão da dívida pública, davam especial destaque ao papel da recapitalização dos bancos privados pelo Estado: a crise da dívida pública é, na verdade, uma crise bancária.
Portanto, ao se negar a enfrentar os credores, o governo de Tsipras tratou de agir contra os bancos. Alguns, como Konstantopoulou7 e Stathis Kouvelakis8 assinalam a responsabilidade do vice-primeiro-ministro Yannis Dragasakis. Ao mesmo tempo em que a fuga de capitais se acelerava, o governo grego mostrava uma estranha passividade. Os trabalhos preparatórios da Comissão sobre Bancos e Sistema Financeiro do Syriza foram abandonados. Previam a tomada do controle público sobre os bancos que haviam sido recapitalizados pelos governos anteriores, já que estes tinham renunciado aos assentos nos conselhos de administração aos quais o Estado deveria ter direito após essas operações de salvamento. No final de novembro de 2015, quase cinco meses depois da assinatura do acordo sobre o novo Memorando, a questão dos bancos continuava sendo um dos temas mais calorosos da atualidade grega; longe de reformar em profundidade o sistema financeiro, o governo preparou uma nova recapitalização de dez bilhões de euros por meio da privatização de bens públicos e uma transferência de créditos duvidosos através de fundos igualmente públicos, que ainda não se sabe quais serão.
Se não puder enfrentar o inimigo, ganhe sua benevolência
Só é possível compreender essa estratégia como uma recusa a correr o risco de abandonar o euro. Tsipras sempre disse que não tinha um plano b caso o bce decidisse eliminar todo o financiamento aos bancos gregos. A saída da eurozona não seria uma mera transação econômica, mas provavelmente um processo complexo que envolveria todo o Estado: este deve ser capaz de redefinir novas políticas monetárias e econômicas, mas também de assegurar suas importações de energia, medicamentos e alimentos, já que a Grécia não é autossuficiente nessas áreas e, sendo assim, deve ser capaz de organizar um eventual racionamento. Além disso, o Estado precisa ter a capacidade de resistir às tentativas de desestabilização internas ou externas que não serão poucas e, portanto, deve poder controlar perfeitamente a polícia e o Exército. No entanto, o governo temia um golpe de Estado se tal cenário chegasse a se constituir, já que, sem experiência no poder, ele nunca havia controlado mais que uma pequena parte do aparato estatal: as demoras iniciais em todos os ministérios refletem a falta de altos funcionários disponíveis para ajudar a conduzir sua política. «Uma coisa é ser um bom militante em um partido, outra é saber dirigir uma equipe ministerial», declarou em agosto o assessor de um ministro que preferiu manter o anonimato. Nessas condições, Tsipras considerava pouco realista para o Syriza levar a Grécia a um enfrentamento global com seus credores e se concentrou no objetivo de obter um «compromisso honroso», convencendo-os de que seu interesse era também permitir que a economia se recupere, já que isso possibilitará o pagamento da dívida em última análise. Ao mostrar constantemente aos interlocutores sua boa vontade para o cumprimento das normas existentes e a respeitabilidade do Syriza, o líder grego esperava chegar a um acordo mutuamente vantajoso.
Por isso, a equipe do governo entrou em negociações intermináveis, cujo caminho é assim descrito por Varoufakis:
As discussões passavam de um tema a outro sem que fosse possível chegar a nenhum acordo nem negociar seriamente. Durante meses, os representantes da «troika» trabalharam para obstruir o andamento dos debates, insistindo que abordássemos todos os temas, o que terminava fazendo com que nada fosse concretamente resolvido (...). Enquanto isso, sem terem formulado uma única sugestão e ameaçando interromper as discussões se tivéssemos a audácia de publicar nossos próprios documentos, eles vazavam suas confidências à imprensa, afirmando que nossas propostas eram «frágeis», «mal formuladas» e «pouco verossímeis».9
O governo foi levado a uma total capitulação por seus credores, que não hesitaram em utilizar todas as armas à sua disposição. A partir de 4 de fevereiro, o bce deixou de reconhecer os bônus soberanos gregos, o que provocou a interrupção de um dos canais pelos quais os bancos gregos poderiam se refinanciar, gerando assim uma asfixia do sistema financeiro da Grécia. O segundo canal, o refinanciamento de emergência (emergency liquidity assistance, ela), mais caro, segue funcionando, mas a cada semana o bce deve elevar seu teto devido à fuga de capitais do país. Quando, em 28 de junho, Tsipras convocou a população a votar pelo «Não» no referendo, o bce anunciou que não aumentaria o teto do ela, demonstrando estar pronto para permitir que um país insubmisso desmoronasse e obrigando o governo a estabelecer controles de capitais que asfixiam toda a economia. Durante essa campanha, todos os líderes políticos e meios de comunicação europeus promoveram uma cruzada contra o governo de Tsipras, e um político alemão chegou a declarar no Times que seu governo estava preparando um plano para derrubá-lo10.
Parece que os credores conduziram uma luta política contra o governo grego que não levava em conta a destruição do país. Conforme declarou em abril de 2015 no site de informações francês Mediapart Euclides Tsakalotos, então integrante da equipe de negociação do governo com as «instituições» europeias, «para mim, trata-se de nos levar, com o esgotamento da liquidez de que dispõe o Estado grego, a um ponto em que teremos de fazer novas concessões»11. Buscava-se fraturar por completo a única força política da Europa que havia ousado se opor ao dogma neoliberal gravado no mármore dos tratados europeus e defendido ferozmente pela Alemanha e seus satélites, sem considerar os argumentos econômicos do governo grego. «Devo admitir que fiquei muito decepcionado ao descobrir o nível das negociações com Bruxelas. Como acadêmico, quando apresento um argumento em uma discussão, espero que quem esteja diante de mim apresente um contra-argumento. Mas o que nos propuseram foram regras»12.
Vae victis
Para aqueles que, dentro ou fora do partido, tinham acreditado que o Syriza daria fim a uma política econômica que já demonstrou claramente seu caráter nocivo à maioria da população, a assinatura do acordo de 13 de julho foi um verdadeiro baque. Alta de impostos indiretos, queda nos valores de aposentadorias, supressão dos acordos coletivos, autorização de demissões em massa, restabelecimento da tarifação no sistema de saúde pública que o governo havia inicialmente abolido, privatizações em massa cuja arrecadação destina-se principalmente a pagar a dívida e o programa de recapitalização dos bancos, reconhecimento em sua totalidade da dívida que um comitê parlamentar havia considerado ilegítima, abandono da promessa de elevar gradualmente o salário mínimo ao nível de janeiro de 2012 e possibilidade de embargar as moradias dos gregos endividados; tudo isso sem nenhuma providência sequer a favor do emprego13. As medidas contidas no Terceiro Memorando condenam um país já golpeado a novos anos de recessão. Mas esse acordo também está destinado a ficar para a história europeia como um episódio decisivo em que um de seus países-membros foi privado de toda a sua soberania, já que qualquer projeto de lei deve ser anteriormente aprovado pelos credores para que possa ser apreciado pelo Parlamento; além disso, o acordo prevê um sistema de cortes orçamentários quase automáticos em caso de desvio dos objetivos de superávit primário. Porém, a meta de superávit primário foi fixada em 0,5% para 2016, 1,75% para 2017 e 3,5% para 2018, o que parece ser muito difícil de cumprir. Por outro lado, as primeiras medidas exigidas no verão se concretizaram seguindo os mesmos métodos aplicados a governos anteriores: procedimentos de emergência, textos de várias centenas de páginas enviados em inglês na véspera dos debates, os quais deveriam terminar em um horário determinado pelos credores, para que se votasse em bloco, em um só artigo; em poucas palavras, foi uma negação total da democracia e da Constituição.
Do Syriza dos militantes ao Syriza de Tsipras
Agora, entendemos que a vitória do Syriza nas eleições de 20 de setembro teve um significado muito diferente da conquista de 25 de janeiro. Em 15 de julho, Tsipras enfrentou uma forte oposição de sua própria maioria parlamentar e não teve outra saída a não ser apoiar-se na oposição. Entre 30 e 40 deputados se negaram a votar favoravelmente a esse acordo e às medidas exigidas pelos credores. O anúncio de novas eleições legislativas feito em 20 de agosto precipitou a ruptura um mês depois, pois era evidente que aqueles que rejeitaram o novo acordo não seriam incluídos nas listas do partido. O primeiro-ministro considerava que não tinha outra opção além de aplicar o novo Memorando para que, como insistiu durante toda a campanha, «este governo não seja um mero parêntese na história do país». Uma parte considerável dos gregos o seguiu nessas eleições, já que seu partido obteve mais de 36% dos votos e pôde reafirmar seu mandato. No entanto, por trás dessa cifra, o aumento da abstenção (de 36,1% para 43,4%) representou para o partido a perda de 320.000 votos de uma eleição a outra, isto é, 15% de seus eleitores. Longe de encarnar a esperança de um futuro melhor, o Syriza se transformou no mal menor e na garantia de que os velhos personagens odiados não retornassem ao poder.
O programa de Tsipras passou a se reduzir à luta contra a corrupção e a fraude fiscal, juntamente com a promessa de continuar resistindo ao Memorando. Mas os credores utilizam todos os meios de pressão a seu alcance para obter a implementação das medidas no prazo mais curto possível. Desde agosto, o desembolso de cada uma das parcelas da ajuda para honrar os prazos de pagamento da dívida requer a adoção de dezenas de medidas de austeridade previstas pelo Memorando. O vice-primeiro-ministro Dragasakis e o ministro da Economia, Giorgos Stathakis, explicaram, contudo, que ao haver sido descartada a ameaça da «Grexit» (a saída da Grécia da zona do euro) e ao ter estabilizado o sistema bancário, o país poderá recuperar seu crescimento por meio da utilização de fundos estruturais europeus e da atração de investidores estrangeiros – por exemplo, mediante a transformação de uma ilha grega na «nova Davos», como propôs Dimitris Mardas, ministro do Interior. Imobilização do país, espera de investidores estrangeiros e fundos europeus: a receita evidentemente neoliberal não parece ser diferente da proposta do pasok e revela-se insuficiente para responder à queda da economia do país.
Tsipras e as esquerdas europeias na encruzilhada
A experiência do governo do Syriza poderia ter graves consequências para todos os demais partidos de esquerda da Europa. A assinatura de 13 de julho provocou uma verdadeira crise dentro do Syriza. As renúncias de militantes – às vezes de comitês inteiros ou de funcionários locais ou nacionais, inclusive da ministra adjunta da Economia, Nadia Valavani, e do secretário-geral do Syriza, Tasos Koronakis – multiplicaram-se durante o verão. «A escolha socialmente cruel e politicamente inviável de aplicar o produto de um golpe de Estado, assim como o método pelo qual foram tomadas as decisões mais determinantes, geraram um ambiente político e uma estratégia que fazem com que eu me afaste», explicou Andreas Karitzis em sua carta de renúncia ao Comitê Central do Syriza, na qual menciona o isolamento em que a equipe do partido trabalha14. A ruptura é total, e a violência das interações entre antigos camaradas impressiona observadores externos.
Apesar das acusações por partidários de Tsipras de uma traição já há muito tempo preparada, as deserções ocorreram sem muita premeditação, como demonstra a dispersão de seus membros. Embora não haja números oficiais, o partido parece ter perdido a metade de seus integrantes. Havia no Syriza uma tendência minoritária desde o congresso fundacional de 2013: a Plataforma de Esquerda, formada em torno de Panagiotis Lafazanis, ministro do Meio Ambiente que, desde 2012, era favorável a desenvolver um plano de saída do euro com o objetivo de poder resistir à «chantagem das instituições». Depois de se manterem dentro do Syriza para colocar Tsipras em minoria, esses militantes decidiram formar um novo movimento – a Unidade Popular – para intervir nas eleições parlamentares de 20 de setembro. Mas ainda que os acontecimentos de julho pareçam confirmar sua análise quanto à necessidade de um plano B, eles não conseguem convencer o eleitorado de que dispõem dessa solução alternativa. Sem estrutura nem um programa de verdade – exceto o projeto de sustentar o «Não» do referendo de 5 de julho –, sem líder carismático, retomando uma retórica que afasta o eleitorado e tampouco convence os eleitores comunistas tradicionais, e tendo apoiado por muito tempo o governo de Tsipras antes de se separar repentinamente, essa nova formação não atingiu o patamar de 3% dos sufrágios nem conseguiu conquistar sequer a metade dos decepcionados com o Syriza.
Por outro lado, esse novo movimento reúne somente uma parte daqueles que rejeitam a «capitulação» de 13 de julho. Outras figuras importantes do Syriza, como Varoufakis ou Konstantopoulou, romperam com o partido de Tsipras e colaboram com a Unidade Popular, mas sem se unir a ela. Os desentendimentos continuam, especialmente com relação ao euro. Enquanto Lafazanis e o economista Costas Lapavitsas, também integrante da Unidade Popular, são partidários de um retorno à moeda nacional, Varoufakis fez várias declarações contraditórias sobre o tema e Konstantopoulou prefere uma mudança na Europa a «entregá-la aos que desejam transformá-la em uma prisão para as populações e sociedades»15. Finalmente, a frágil mobilização durante a greve geral de 12 de novembro, da qual participaram cerca de 25.000 pessoas, mostra a debilidade do movimento social e a resignação que se seguiu ao entusiasmo pelo «Não» no referendo. Portanto, o renascimento de uma verdadeira força de esquerda capaz de mobilizar novamente a esperança surgida com a vitória de 25 de janeiro ainda parece distante na Grécia.
A divisão do Syriza teve consequências em escala continental, especialmente nos desentendimentos estratégicos entre os membros do Partido da Esquerda Europeia. Alguns, como o espanhol Pablo Iglesias, líder do Podemos, e Pierre Laurent, secretário-geral do Partido Comunista Francês, seguiram Tsipras, apoiando a assinatura do acordo de 13 de julho e a campanha do Syriza em setembro. Considerando que qualquer projeto de saída do euro geraria uma inevitável marginalização política, eles preferem denunciar a violência do bce antes que a estratégia do primeiro-ministro grego. Outros, como Jean-Luc Mélenchon e o Partido de Esquerda da França, sem acusar Tsipras, preferem aprender com esse fracasso apoiando a Unidade Popular e organizando uma Cúpula Internacionalista para um Plano b na Europa, cuja primeira reunião seria realizada em Paris nos dias 14 e 15 de novembro, sendo reprogramada para o final de janeiro de 2016 devido aos atentados na capital francesa.
Embora a experiência do primeiro governo de Tsipras tenha sido capaz de reativar o debate sobre o euro e a Europa em uma parcela muito politizada da população grega, a maioria dos cidadãos, devido à cobertura midiática, não extraiu ensinamentos desse episódio16. Agora, parece que o nó górdio da esquerda europeia pode ser formulado da seguinte maneira: em primeiro lugar, o apego à ideia europeia e ao euro continua tendo força, inclusive na Grécia depois de seis anos de crise, e a população não parece estar preparada para enfrentar as dificuldades que implica uma saída da eurozona; ao contrário, devido à sua independência, o poder coercitivo do bce é tanto que qualquer governo que quiser hoje desobedecer aos princípios neoliberais dos tratados europeus e conduzir uma política que defenda emprego, salários, pensões, seguridade social, serviços públicos, normas ambientais e soberania popular só poderá fazê-lo razoavelmente preparando-se e assumindo uma eventual saída desse tipo. A experiência do novo governo socialista em Portugal – com o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português, que defendem a retirada da zona do euro – certamente acrescentará novos elementos a essa «crise da consciência europeia de esquerda» aberta pela Grécia.
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1.
O pasok foi criado após a queda da ditadura militar em 1974 por Andreas Papandreou, primeiro-ministro da Grécia de 1981 a 1989 e, posteriormente, de 1993 a 1996, e pai de Giorgos Papandreou, que atuou como primeiro-ministro de 2009 a 2011.
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2.
Refere-se ao Fundo Monetário Internacional (fmi), ao bce e à Comissão Europeia, esta representante dos Estados-membros que concederam empréstimos à Grécia.
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3.
Os Memorandos são acordos entre o governo grego e a União Europeia, o bce e o fmi, que concedem empréstimos à Grécia para saldar suas necessidades financeiras (que o país não pode honrar nem nos mercados financeiros nem monetizando sua dívida, por pertencer à zona do euro) em troca de medidas de austeridade. Na prática, uma parcela inferior a 10% desses empréstimos é utilizada para cobrir os gastos governamentais; a maior parte se destina a pagar os credores. O primeiro Memorando foi assinado em 2010, e o segundo, em 2012.
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4.
Assim chamado por ter sido apresentado pela primeira vez nessa cidade grega, em 13 de setembro de 2014. As propostas desse discurso foram retomadas como referência na campanha de janeiro de 2015.
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5.
Programa de Salônica, disponível em www.syriza.gr (em grego e inglês).
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6.
Disponível em grego e inglês no portal de Zoe Konstantopoulou na internet: www.zoikonstantopoulou.gr/porismata.
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7.
«Zoe Konstantopoulou: ‘Le gouvernement grec a sacrifié la démocratie’» em Ballast, 11/11/2015, disponível em www.revue-ballast.fr/zoe-konstantopoulou/.
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8.
S. Kouvelakis: «Turning ‘No’ Into a Political Front» em Jacobin, 8/2015.
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9.
Y. Varoufakis: «Leur seul objectif était de nous humilier» em Le Monde diplomatique, 8/2015.
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10.
Bruno Waterfield: «No New Bailout unless Tsipras Goes» em The Times, 1/7/2015.
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11.
Amélie Poinssot: «Grèce: ‘Nous présentons nos arguments, on nous répond par des règles’», entrevista com Euclide Tsakalotos em Mediapart, 27/4/2015.
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12.
Ibid.
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13.
O «plano de reativação» de 35 bilhões de euros anunciado por Jean-Claude Juncker é apenas uma realocação de fundos estruturais já alocados a Atenas para o período 2014-2020.
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14.
«συνεχιζεται το κυμα αποχωρησεων στελεχων του συριζα» em Iskra, 30/8/2015.
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15.
«Zoe Konstantopoulou: ‘Le gouvernement grec a sacrifié la démocratie’», cit.
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16.
Ver Julien Salingue: «Couverture médiatique du référendum en Grèce: le meilleur du pire» em Acrimed, 6/7/2015.