Opinión
enero 2024

Como o Equador mergulhou no inferno homicida?

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A invasão ao vivo de um canal de TV por grupos criminosos foi apenas a versão espetacular da espiral de violência em que o Equador mergulhou. Como o país chegou a essa situação e quais são as perspectivas da resposta do novo presidente, Daniel Noboa?

<p>¿Cómo Ecuador descendió al infierno homicida?</p>

O Equador voltou novamente às manchetes da imprensa internacional, e outra vez da pior forma. Em agosto de 2023, o motivo foi o assassinato do candidato a presidente Fernando Villavicencio Valencia; agora, uma sequência de atos criminosos com táticas terroristas, que incluiu o ataque armado a uma emissora de televisão na cidade de Guayaquil. O dia que deixou o país em estado de choque terminou com a declaração de «conflito armado interno» por parte do presidente da República, Daniel Noboa, e a identificação de 22 organizações criminosas como «terroristas». Mas como o Equador chegou a essa situação crítica? E quais podem ser suas consequências?

2023 foi o ano mais violento da história do país: 7.878 crimes, dos quais apenas 584 foram resolvidos pela Justiça. Com uma taxa de homicídios que atingiu a assustadora marca de 46 mortes por 100.000 habitantes, o Equador foi classificado como o país mais violento da América Latina. Diante de uma situação tão crítica, esperava-se que o novo governo – que iniciou seu mandato em 23 de novembro de 2023 – chegasse com um plano debaixo do braço. Mas não foi assim. Embora Noboa tenha prometido durante a campanha eleitoral implementar um «Plano Fênix» para garantir a segurança, desde a posse ele não explicou como nem quando o tornará realidade.

Superado pelas circunstâncias, Noboa optou por uma conduta evasiva. Após a vitória eleitoral, decidiu deixar a cena pública e realizar uma viagem à Europa com a família, o que permitiu que todos os holofotes permanecessem voltados para Guillermo Lasso e sua campanha propagandística de saída do poder. 

Visto em perspectiva, Noboa, um jovem de 36 anos sem experiência prévia de gestão, precisava ganhar tempo para resolver três urgências: conseguir dinheiro para cobrir o déficit fiscal, formar seu gabinete e definir sua política de segurança. Mas, em retrospectiva, ele não conseguiu nada disso. Basta rever  seu discurso de posse, ao qual chegou sem propostas, sem um gabinete completo e sem um horizonte em termos de segurança. Sete minutos foram suficientes para confirmar que um político inexperiente – filho de um empresário que tentou repetidas vezes ser presidente, sem sucesso – começava a governar um país que se tornou o mais violento da região.

Noboa nomeou Mónica Palencia, sua advogada pessoal, como ministra do Interior. Em seguida, designou para o Ministério da Defesa Giancarlo Loffredo, um cidadão cuja única credencial é ser instrutor de defesa pessoal e Tiktoker. Para dirigir o Sistema Nacional de Atenção Integral às Pessoas Adultas Privadas de Liberdade e Adolescentes Infratores (SNAI), órgão responsável pela administração do sistema penitenciário, Noboa optou por general reformado do Exército, e em 11 províncias designou policiais e militares em serviço passivo

Para dois cargos de grande sensibilidade em matéria de segurança, o presidente escolheu dois amigos empresários. Arturo Félix Wong, que já era secretário da Administração, foi designado para a Secretaria Nacional de Segurança Pública e do Estado; e Miguel Sensi Contugi foi nomeado diretor do Centro de Inteligência Estratégica do Estado (CIES). Mas Noboa fez isso apenas em 2 de janeiro, ou seja, 41 dias após assumir o mandato.

Em suma, o jovem magnata chegou à Presidência da República sem um plano de segurança nem equipe para implementá-lo, mas com uma obsessiva ambição: vencer a reeleição em 2025 a todo o custo (seu mandato é curto, pois assumiu o cargo para completar o mandato do presidente cessante após a «morte cruzada» decretada por Lasso para evitar um julgamento político)1.

Apesar desses tropeços na integração de sua frente de segurança, Noboa pareceu resistir à tempestade, basicamente por duas razões. Em primeiro lugar, antes de tomar posse, ele formou uma coalizão legislativa com o Partido Social Cristão e a Revolução Cidadã (movimento do antigo presidente Rafael Correa). Em troca de ceder a esses partidos o controle da Assembleia Nacional, incluindo as principais comissões legislativas, o mandatário conseguiu que seu primeiro projeto de lei econômica urgente fosse aprovado na velocidade da luz. Em segundo lugar, na madrugada de 14 de dezembro, a procuradora-geral do Estado, Diana Salazar, liderou uma operação denominada «Metástase» para prender mais de 30 pessoas acusadas de fazerem parte de uma rede de crime organizado e narcotráfico. Entre os detidos encontravam-se um juiz que exercia as funções de presidente do Conselho da Magistratura e um general da Polícia Nacional que era diretor do SNAI (ou seja, responsável pelas prisões do país) e depois chefe antinarcóticos (isto é, responsável pelas operações antidrogas e principal elo com a Embaixada dos Estados Unidos). Este «narcogeneral», como o chamou a procuradora-geral Salazar, ocupou ambos os cargos durante o governo de Lasso.

Foi nesse contexto que ocorreu a notória fuga de Fito, líder de Los Choneros e provavelmente o criminoso vivo mais famoso do país. Detido desde 2009 por assassinar a diretora da Penitenciária do Litoral (a prisão mais conflituosa do Equador), Fito fugiu em 2013, quando foi transferido para La Roca, um presídio de segurança máxima inaugurado pelo ex-presidente Correa, e foi recapturado meses mais tarde.

Seu nome adquiriu relevância após a morte de Jorge Luis Zambrano, conhecido como JL ou Rasquiña, em dezembro de 2020. Fito tornou-se líder de Los Choneros, mas esta organização se fragmentou e começaram os massacres nos presídios. Desde o primeiro massacre, em fevereiro de 2021, até o último, em julho de 2023, Fito e Los Choneros apareceram como protagonistas da onda de violência que começou a sacudir o país.

Em 12 de agosto de 2023, para desviar a atenção do assassinato do candidato a presidente Fernando Villavicencio ocorrido três dias antes, o governo de Lasso decidiu transferir Fito de volta para La Roca. Mas ele não demorou nem dez dias para retornar ao Presídio Regional de Guayaquil graças a uma ordem judicial. Foi quando divulgou um videoclipe com um narcocorrido2 composto em sua homenagem. Uma vez mais, Fito mostrou ao país seu poder de dentro da prisão. Por isso, quando a notícia de sua fuga se tornou pública – em 6 de janeiro – o governo ficou nu diante de um país estupefato. Nenhuma autoridade se atreveu a reconhecer a evasão do experiente criminoso, enquanto mais de 3.500 militares entravam nas prisões de Guayaquil para encenar diante das câmeras de TV o Estado «recuperando o controle» dos presídios.

O ciclo de violência criminal, incompetência estatal e militarização foi reativado. No início de 2024, os motins recomeçaram em diversas prisões do país. A exigência era que seus líderes não fossem transferidos para outras prisões. Nas redes sociais, circulou um vídeo ameaçando que haveria uma guerra caso suas demandas não fossem aceitas.

Decidido a avançar, na tarde de segunda-feira, 8 de janeiro, o presidente decretou estado de exceção em todo o território nacional, e à noite estourou o turbilhão: carros queimados na via pública, agentes penitenciários sequestrados, incêndios dentro e fora dos presídios.

Com a luz do dia, o espetáculo criminoso ganhou mais visibilidade e, ao mesmo tempo, ficou evidente a incompetência do Estado: Fabricio Colón Pico, um dos líderes de Los Lobos, também havia fugido, com dezenas de outras pessoas, da prisão de Riobamba. Colón Pico havia sido capturado 48 horas antes de sua fuga, depois que a procuradora-geral do Estado o identificou como o executor do assassinato de Villavicencio e organizador de um ataque contra ele. Tudo isso ocorreu sob o estado de exceção.

Na terça-feira, durante o noticiário do meio-dia, o canal TC Televisión sofreu uma invasão criminosa que foi transmitida ao vivo. A equipe jornalística foi submetida e ameaçada por criminosos armados diante da comoção geral. Como aconteceu com o assassinato de Villavicencio, as imagens correram o mundo. À tarde, o governo emitiu outro decreto executivo declarando «conflito armado interno» e identificando 22 grupos criminosos em «alvo militar». Assim, Noboa começou a sentir o calor abrasivo do inferno homicida em que o país andino se transformou.

Para tentar entender o que está acontecendo, proponho diferenciar analiticamente três variáveis dependentes: violência letal (sua frequência e visibilidade), economias ilícitas (entre as quais se destaca o narcotráfico) e grupos de crime organizado (facções de presídios, gangues de rua e estruturas mafiosas inseridas no Estado que operam também na economia formal). Para explicar a interação entre elas, usarei como evidência materiais jornalísticos e judiciais. Anos atrás, Richard Snyder e Angélica Durán Martínez se perguntaram sobre a relação entre mercados ilícitos e violência. Argumentaram que, quando são configuradas redes de proteção extorsiva patrocinadas pelo Estado, os níveis de violência letal nos mercados ilícitos são baixos. Por outro lado, quando estas redes são quebradas, a violência letal aumenta.

Ocorreu algo assim no Equador? As evidências indicam que sim. Vejamos alguns dados: em 6 de junho de 2016, em Washington, DC, a Agência para o Controle de Drogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) condecorou o ministro do Interior do então presidente Correa, José Serrano, pelos «extraordinários resultados» obtidos pela política antinarcóticos do Equador. O comunicado oficial mencionava 332 toneladas de drogas capturadas desde 2010 e 305 organizações de tráfico desarticuladas. A propaganda governamental não poupou esforços para comemorar o evento.

Dez meses depois, em abril de 2017, a Polícia colombiana capturou Washington Prado Álava, o Gerald, conhecido no país vizinho como o «Pablo Escobar equatoriano». Então sua história se tornou pública. Gerald havia começado como barqueiro a serviço da gangue Los Rastrojos, em 2004. Em 2010, a maioria dos líderes do grupo tinha sido capturada, e Gerald assumiu o controle das rotas marítimas partindo de Manabí e Esmeraldas. Aliou-se a Los Choneros e conseguiu traficar mais de 250 toneladas de drogas da costa equatoriana para os Estados Unidos entre 2013 e 2017, através de um sofisticado sistema de transbordo marítimo.

Em outras palavras, no mesmo período em que o governo de Correa e o vice-presidente Jorge Glas Espinel alcançavam os «melhores resultados» em sua luta antinarcóticos – segundo a DEA –, a organização criminosa de Los Choneros também conseguia se expandir e se consolidar até se tornar a maior organização de narcotráfico equatoriana. O governo e o crime organizado saíram ganhando.

Um dos melhores pesquisadores sobre o problema carcerário no Equador, o antropólogo Jorge Núñez, argumenta na mesma linha. Segundo suas pesquisas, Los Choneros se fortaleceram dentro das prisões porque a inteligência policial trocava informações com membros de gangues em troca de vantagens. A Unidade de Inteligência Penitenciária, criada em 2014, tornou-se uma peça-chave da inteligência antinarcóticos da Polícia Nacional. Seus agentes recrutaram líderes de organizações criminosas como informantes, e Fito foi um deles.

Isto não diminui o fato de que durante o governo Correa também foram implementadas políticas de segurança cidadã que combinaram estratégias punitivas com medidas de prevenção social para reduzir a violência. Mas o aumento ou a diminuição da frequência ou da visibilização da violência letal não é o mesmo que a expansão ou contração de economias ilícitas tão rentáveis como o narcotráfico.

A evolução da taxa de homicídios no Equador mostra uma diminuição excepcional entre 2009 e 2016, passando de 18,7 para 5,8 mortes por 100.000 habitantes, respectivamente. Mas desde 2019 a tendência se inverteu. Portanto, entre 2017 e 2018 há um ponto de ruptura que exige explicação. O que aconteceu nesse período? Seguindo a tese de Snyder e Durán Martínez, a rede de proteção extorsiva patrocinada pelo Estado foi quebrada, desencadeando a violência criminal.

A Revolução Ciudadã voltou a triunfar com a dupla formada por Lenín Moreno e Jorge Glas Espinel, cujo mandato se iniciou em janeiro de 2017. Moreno rompeu com o correísmo em meados daquele ano, e em novembro teve início o processo criminal contra o ex-vice-presidente Glas, acusado de organização criminosa no caso Odebrecht. Em dezembro, Glas foi condenado a seis anos de prisão (posteriormente ele teria outras duas sentenças por crimes mais graves, mas em 2022 recuperaria sua liberdade graças a uma operação judicial financiada pelo narcotraficante Leandro Norero). Em janeiro de 2018, com Glas na prisão, irrompeu uma violência criminosa inédita no país.

Guacho, líder da Frente Oliver Sinisterra, um grupo residual das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que operava na fronteira norte do Equador, colocou um carro-bomba no quartel policial de San Lorenzo, província de Esmeraldas, em 27 de janeiro de 2018. Dois meses depois, fontes oficiais colombianas informaram ao Equador que o mesmo grupo criminoso havia sequestrado uma equipe do jornal El Comercio. Em meio à opacidade absoluta do governo equatoriano, os três jornalistas foram assassinados.

Até então, esses fatos eram incompreensíveis para a sociedade, que os olhava com espanto. Em outubro de 2018, porém, a Polícia e o Ministério Público realizaram a operação «Camaleão», na qual realizaram sete buscas em quatro províncias, incluindo os escritórios do Comando do Exército Equatoriano. Assim, as autoridades desmantelaram uma rede de militares da ativa e civis que traficavam armas, munições e explosivos para grupos criminosos da fronteira Norte, entre eles a Frente Oliver Sinisterra

Com esses atos de terror, a organização de Guacho exigia às suas contrapartes estatais que cumprissem seus compromissos, algo que já não podiam fazer com impunidade, já que Glas e vários de seus sequazes perderam o poder político. Sabe-se agora, por exemplo, que Rasquiña (líder histórico de Los Choneros) e Glas tinham o mesmo advogado: Harrison Salcedo, morto em abril de 2021 por um pistoleiro.

O nexo crime-Estado no contexto latino-americano tem sido bem estudado por Alejandro Trejo e Sandra Ley. Esses cientistas políticos reexaminam tal relação sob o conceito de «zona cinzenta de criminalidade»: uma área que surge na interseção de dois conjuntos, o dos criminosos e o dos agentes do Estado. Trejo e Ley argumentam que, à medida que um regime político se torna autoritário, essa zona cinzenta de criminalidade cresce e se consolida justamente para garantir a estabilidade do regime.

Durante o governo de Correa-Glas (2013-2017) essa «zona cinzenta de criminalidade» se expandiu. O livro Después olvidarán nuestros nombres, de Juan Carlos Calderón, mostra até que ponto os aparatos de segurança foram instrumentalizados para fins criminosos. E, durante os governos Moreno e Lasso, nada foi feito para mitigar essa situação. Mudam-se os nomes dos funcionários e dos criminosos envolvidos, mas não as regras informais desses pactos mafiosos que são lubrificados com dinheiro sujo proveniente do narcotráfico.

Um exemplo concreto disso é a indústria criminosa da «narcobanana». A revista digital Plan V documentou o caso de narcobanana mais emblemático, em dezembro de 2019. Este se vincula com Arbër Çekaj, um albanês dedicado à exportação de bananas do Equador e da Colômbia para a Europa. Embora em 2015 tenha sido acusado de contaminar caixas de bananas com cocaína, ele continuou exportando a fruta até 2018 pela mesma rota do Equador. O artigo afirma que «Çekaj registou a empresa Arbri Garden em maio de 2012 e rapidamente começou a enviar bananas do Equador para a Albânia. Segundo os registros de exportação da Arbri Garden, o albanês enviou bananas a seu país por meio de 18 empresas equatorianas exportadoras dessa fruta». E acrescenta que o albanês «era um homem discreto até 28 de fevereiro de 2018. Nesse dia, a Polícia albanesa emitiu uma ordem de prisão para Çekaj, depois de terem sido encontrados 613 quilos de cocaína num dos seus carregamentos».

Em 31 de março de 2022, o portal digital La Posta publicou um vídeo em que o cargo de vice-ministro da Agricultura era negociado por 2.800.000 dólares. Em 21 de julho de 2022, a Polícia realizou operações em quatro províncias para prender oito pessoas que integravam uma rede criminosa dedicada à venda de cargos em entidades públicas como o Serviço Nacional de Alfândega do Equador (SENAE). Uma das casas inspecionadas foi a do político Juan José Pons, que atuava como conselheiro ad honorem de Lasso na Presidência da República. O comunicado do Ministério Público indica que ofereceram cerca de três milhões de dólares pela Subdireção de Operações Aduaneiras. Esse montante seria financiado pelos exportadores em troca de poderem cobrar favores no futuro, concluiu o Ministério Público. O principal setor exportador equatoriano foi assim dominado pelos tentáculos do crime organizado.

Esse é outro fator que alimenta a espiral homicida, e nenhum governo consegue enfrentá-la de forma eficaz. Menos ainda o de Noboa, cuja família é dona da maior empresa exportadora de banana do Equador.

Recentemente, Andreas Feldmann e Juan Pablo Luna acertaram em cheio ao sugerir a importância de repensar a relação entre as instituições e o modelo de desenvolvimento dos países latino-americanos, uma vez que os períodos de crescimento econômico podem ocultar uma «armadilha do desenvolvimento da economia ilícita», como aconteceu no caso equatoriano. Como se pode observar, nem o desmantelamento institucional no setor da segurança nem as políticas de ajuste fiscal explicam completamente a onda de violência homicida que consome o país. A violência letal e a grave criminalidade que assola o Equador são um fenómeno social complexo, dinâmico e entrópico, que exige mais pesquisa empírica e desapego ideológico.

A declaração de «conflito armado interno» por parte do presidente Noboa se encaixa como uma luva na estratégia que o Pentágono preparou desde que Lasso propôs à Casa Branca a necessidade de um «Plano Equador» em 8 de junho de 2022. Em dezembro do mesmo ano, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a «Lei de Associação Equador-Estados Unidos» para que, no prazo de 180 dias, o Departamento de Estado pudesse formular uma estratégia de intervenção para o país sul-americano. Nesse contexto, em meados de 2023 foi estabelecido um Grupo de Trabalho Bilateral de Defesa entre os dois países, que deu origem a um acordo para investir mais de 3,1 bilhões de dólares no fortalecimento das Forças Armadas equatorianas. O acordo será implementado num prazo de sete anos, até 2030. Finalmente, em outubro de 2023, o ministro das Relações Exteriores do Equador e o embaixador dos Estados Unidos assinaram o «Acordo relativo ao Estatuto das Forças», que estabelece os privilégios, subsídios e condições que os funcionários do Departamento de Defesa e seus contratistas estrangeiros terão em território equatoriano.

Assim, o último ciclo de violência criminal abriu uma janela de oportunidade para que o alto comando das Forças Armadas e a Embaixada dos Estados Unidos modificassem o cenário estratégico a seu favor. Com a declaração de «conflito armado interno», as Forças Armadas assumem a direção do Estado, subordinam a Polícia Nacional e bloqueiam os questionamentos sobre seus membros pela infiltração do crime organizado. Em 11 de janeiro, o Tribunal Constitucional aprovou o parecer favorável ao acordo, enquanto o Departamento de Estado anunciou a chegada a Quito de uma delegação de alto nível para coordenar a sua implementação.

Nessas circunstâncias, a declaração de «conflito armado interno» está gerando o efeito desejado pelas elites econômicas e pela direita neoliberal de ancorar a governabilidade numa total liberalização da economia, no contexto de uma militarização progressiva da sociedade.

Se esses planos funcionarem, Noboa poderá se tornar uma espécie de «Bukele sul-americano» e prolongar seu mandato como desejar. Por enquanto, ele ofereceu duas prisões ao estilo salvadorenho e pretende se impor com todo rigor sob os aplausos de uma sociedade atemorizada pela «ameaça terrorista». Com as forças de segurança contaminadas pelo crime organizado, no entanto, resta apenas uma certeza: a violência criminal será seguida da violência política. E o Equador não sairá da espiral de violência que o assola.

Tradução: Eduardo Szklarz

  • 1.

    Morte cruzada é o mecanismo que permite ao chefe de Estado do Equador dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições gerais [N. do T.].

  • 2.

    Subgênero musical que reflete histórias e experiências vinculadas ao tráfico de drogas [N. do T.].



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