Opinión
febrero 2024

As «Arcenomics» não escapam da «maldição dos recursos naturais»

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O modelo econômico boliviano, promovido desde 2006, dá sinais de esgotamento no contexto da guerra interna entre «evistas» e «arcistas».

<p>Las <em></em>«Arcenomics» no escapan a la «maldición de los recursos naturales»</p>

A crise que a Bolívia enfrenta hoje não foi prevista pelos construtores do modelo econômico que governa o país: Evo Morales e seu ministro da Economia, o atual presidente Luis Arce. Os pessimistas que a previram apareceram cedo, já em 2006, quando Morales acabava de chegar ao poder. Com o tempo, transformaram-se em Cassandras que antecipavam um futuro catastrófico sem que ninguém lhes desse ouvidos. Morales e Arce pareciam ter resolvido a quadratura do círculo: um modelo baseado na extração de gás, mas que encontrou uma maneira de evitar a «maldição dos recursos naturais» e foi capaz de converter a receita extraordinária do último superciclo das commodities (2000- 2015) numa prosperidade inédita: multiplicou o PIB por cinco (de 8 bilhões para 40 bilhões de dólares), beneficiou todos os setores sociais, reduziu drasticamente a pobreza e encheu o país de novas infra-estruturas (embora também tenha incentivado múltiplos processos de desperdício).

Esse êxito foi particularmente satisfatório para a esquerda, acusada de «não saber gerir a economia» devido à sua associação com a crise hiperinflacionária do início dos anos 80, mal administrada pela Unidade Democrática Popular de Hernán Siles Zuazo. 

No entanto, as «Evonomics» ou as «Arcenomics», como eram chamadas na época do auge as políticas econômicas de nacionalização de recursos e de redistribuição ativa de rendimentos, não contavam com dois fatores que acabariam sendo cruciais: a) uma autêntica aquiescência da elite empresarial, que nunca confiou no caminho estatista e «populista» que esses líderes da esquerda haviam escolhido; e b) quantidades de hidrocarbonetos suficientemente grandes para que o modelo durasse o tempo necessário para remodelar profundamente a sociedade, supondo que este fosse realmente o desejo dos líderes da “Revolução Democrática e Cultural”. Existem dúvidas sobre isso, mas já não poderemos esclarecê-las, pois o certo é que, como costuma acontecer na vida, as duas coisas que poderiam falhar... falharam.

Fuga de capitais

Os empresários bolivianos enriqueceram muito sob os governos de Evo Morales. O auge das exportações marcou o salto do agronegócio. Por exemplo, a área cultivada com soja aumentou 1,5 vezes, de 950.000 para 1.500.000 hectares. Logicamente, isso multiplicou proporcionalmente tanto os ganhos agroindustriais nacionais como os lucros dos estrangeiros que vivem no país. É importante ressaltar aqui que, dos grupos que processam soja para exportação de farinhas e óleos, apenas um é de proprietários bolivianos. Todos os outros foram «transnacionalizados» em diferentes momentos.

Por outro lado, o crescimento do mercado interno, que foi o mais importante da história graças à entrada, até 2015, de 60 bilhões de dólares de receitas do gás e de mais ou menos 40 bilhões de dólares de receita dos minerais, enriqueceu as poucas indústrias manifatureiras existentes, a ponto de atingirem uma dimensão difícil para o capital nacional administrar. Todas essas indústrias foram vendidas a grupos transnacionais. Tomemos o caso da Cervejaria Nacional, que acabou nas mãos da companhía global Anheuser-Busch InBev. Durante o período de bonanças, essa empresa faturou entre 150 e 200 milhões de dólares por ano.

Ao mesmo tempo em que amealhava recursos, o empresariado teve o cuidado de retirar seus lucros do país, drenando as reservas de divisas do Banco Central. Uma comissão parlamentar que em 2017 investigou os efeitos dos «Panama Papers» na Bolívia determinou uma fuga anual para paraísos fiscais de nada menos que um bilhão de dólares. A essas cifras deveria-se acrescentar a remissão legal de lucros, que havia se multiplicado devido à alienação de todas as grandes empresas. O estado maior do «processo de mudança» não tinha visto o problema que poderia ser criado pelo fato de as principais empresas terem de retirar constantemente seus lucros do país.

Pode-se discutir se a fuga de capitais se deve à desconfiança empresarial no modelo da esquerda ou às suas dúvidas sobre o país em si, pois esse já era um problema para a economia antes do aparecimento do Movimento ao Socialismo (MAS). Entretanto, o fluxo cresceu muito durante o período estatista, especialmente depois de 2015, ou seja, justamente quando as receitas provenientes da venda de commodities começaram a cair. Se somarmos a fuga de capitais ocorrida em 2019 (um ano de grave crise política), 2020 (o pior da pandemia) e 2021 (o primeiro ano de um novo governo do MAS), chegaremos à cifra astronômica de 4 bilhões de dólares.

A saída de capitais foi acompanhada da diminuição das exportações, e a combinação desses dois fenômenos dizimou as reservas. A situação se agravou com as dificuldades globais causadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia.

O aumento das taxas de juros no Norte tornou muito mais atrativa a exportação de dólares para os Estados Unidos e a Europa. O acesso ao crédito foi severamente reduzido. Finalmente, em fevereiro de 2023, pouco depois de vir à luz o fato de que as reservas em divisas (sem contar o ouro) tinham caído para apenas 910 milhões de dólares (após terem girado em torno de 15 bilhões de dólares nos melhores anos de Morales), e de que o Banco Central estava disposto a pagar uma taxa de câmbio mais elevada para os exportadores, o pânico se espalhou. As pessoas começaram a retirar seus depósitos em dólares dos bancos, que por sua vez responderam montando uma espécie de «semicorralito» [medida para impedir a retirada em massa dos depósitos] que deixa sair dólares de maneira racionada e, muitas vezes, arbitrária. Como sempre acontece quando faltam dólares, os bancos se arrogaram poderes de arbitragem. Como o «corralito» é poroso, os depósitos nesta moeda caíram dos 4,1 bilhões de 2022 para os atuais 2,9 bilhões.
O desastre dos hidrocarbonetos
A crise foi declarada, então, há um ano. Além da fuga de capitais, ela foi causada pelo segundo fator que o modelo não conseguiu controlar: o esgotamento das jazidas de gás.
Sobre este tema, as opiniões divergem. O discurso da oposição é o seguinte: a nacionalização do gás em 2006 induziu as petroleiras (que continuaram no país como operadoras da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos - YPFB) a extraírem o mais rápido possível o gás que haviam descoberto ou que haviam conseguido concessão a seu favor, dissuadindo-as de explorar novas jazidas. Assim, Morales prosseguiu com o que foi alcançado em tempos de neoliberalismo e viveu disso até que esse tesouro se acabou.

O governo de Arce respaldou parcialmente esse discurso após o rompimento com Morales. Vários ministros afirmaram que os governos anteriores negligenciaram a reposição das fontes de financiamento do modelo. Essa crítica tem sido moderada, no entanto, já que Arce foi o ministro da Economia naquele período. Ao mesmo tempo, Morales critica a gestão econômica do seu ex-ministro, que considera «neoliberal» demais.

O discurso da oposição tem vários pontos de apoio. No entanto, também existem fatos que podem refutá-lo. Há anos funciona um fundo de incentivo à exploração de gás, mas as petroleiras o ignoram. O fundo oferece a elas muito poucas vantagens? Em que medida, então, deverão ser ampliados os benefícios privados para que as empresas transnacionais se interessem pela Bolívia? É preciso considerar que, desde a nacionalização até agora, petroleiras como Repsol e Total receberam cerca de 18 bilhões de dólares em lucros e retorno dos seus investimentos, 30% das receitas que a Bolívia obteve com o gás.

Por outro lado, a YPFB realizou várias perfurações novas por conta própria na área tradicional de produção e não encontrou gás nem petróleo. Vários geólogos acreditam que a razão é simples: a área já está esgotada. Se for este o caso, a ideia que prevaleceu na década de 90 – de que a Bolívia possuía reservas de cerca de 70 trilhões de pés cúbicos (TCF) de gás – teria sido uma mentira inventada por técnicos neoliberais para propiciar e justificar a chegada de capitais estrangeiros. Na prática, apenas pouco mais de 10 TCF foram descobertos e explorados. E hoje existem cerca de 4 TCF, quantidade que pode durar uma década, mas com níveis de produção decrescentes. Em 2015, a produção de gás era de 60 milhões de metros cúbicos por dia, enquanto hoje é de apenas 38 milhões.

Uma atitude mais favorável aos investimentos teria feito alguma diferença? É difícil saber até que se conclua de forma irrefutável que não há mais gás natural do que o pouco que ainda existe. O que não impede que o tema seja tratado como uma bandeira política. Em todo caso, os governos de Morales agiram de forma irresponsável ao não realizar todos os esforços que estavam ao seu alcance para encontrar novas jazidas. Caíram, assim, num comportamento muito bem descrito pela teoria da «maldição dos recursos naturais». Apesar das expectativas que despertaram no passado, Morales e Arce não conseguiram se libertar dessa maldição.

O desastre da indústria boliviana de hidrocarbonetos tem um efeito direto na crise atual. São arrecadados anualmente 2,4 bilhões de dólares com as exportações de gás. Ao mesmo tempo, o país tem de importar 3,2 bilhões de dólares em combustíveis (gasolina e diesel), já que não tem capacidade de produzi-los. Isto significa que a Bolívia se tornou um importador líquido de energia, um bem cujos preços internacionais, como se sabe, estão no topo. Devido às suas compras obrigatórias de combustíveis, em 2023 a Bolívia sofreu um déficit comercial: importou 500 milhões de dólares a mais do que exportou. Por isso, não é estranho que neste momento haja uma aguda «seca» de dólares e que a divisa estadunidense, como qualquer outro produto escasso, continue aumentando de preço. Embora a taxa de câmbio não tenha sido alterada oficialmente, surgiu um mercado paralelo, e em um ano a moeda nacional, o boliviano, foi desvalorizada em 15% – com previsão de que chegue a 30% até ao final do ano.

Com a desvalorização, o boliviano perde poder de compra e isso, em teoria, produz inflação – o que faz com que a moeda volte a perder poder de compra, e assim por diante. Contudo, na prática esse círculo vicioso ainda não foi ativado na Bolívia, que continua com uma inflação baixa (2,12% em 2023). Também é poupado o grosso do sistema financeiro, que opera em 90% com moeda nacional. Portanto, o mal-estar contra o governo, embora crescente, ainda não é crítico. Isto certamente mudaria se a inflação disparasse e se a falta de dólares impedisse importações cruciais, como as dos medicamentos. As autoridades lançaram uma campanha para facilitar a entrega de divisas a determinados sectores importadores, a fim de evitar resultados como este. Mas não contam com dinheiro suficiente. Até mesmo as importações de combustíveis estão em risco constante, como demonstram as longas filas de automóveis que se formam de maneira intermitente diante dos postos de gasolina.

Saídas?

Arce não tem como refinanciar seu modelo. Como o risco-país aumentou muito, recorrer aos mercados de títulos soberanos seria muito oneroso. Os créditos convencionais que obteve recentemente não são desembolsados porque não contam com a aprovação do Parlamento, onde o presidente carece de maioria devido à implosão do MAS. Dias atrás, deputados governistas e opositores travaram uma briga acirrada pela aprovação de um desses créditos. Empréstimos de 800 milhões de dólares aguardam tramitação legislativa. Se eles fossem finalmente aprovados, a crise não diminuiria. Este montante não está disponível de forma gratuita e deve ser gasto durante longos períodos, razão pela qual teria pouco impacto na diferença entre ativos e passivos do país em moeda estrangeira.

Como Arce não pretende bater às portas do Fundo Monetário Internacional (FMI), os únicos dólares aos quais ele pode recorrer são os gerados pelos exportadores. Mas tais divisas estão cada vez mais escassas porque esses empresários preferem mantê-las fora do país. Eles trocam moeda nacional apenas na medida estritamente necessária para financiar suas operações internas. O governo teria a opção de ordenar retenções obrigatórias de divisas, como as que eram comuns na Bolívia num passado já remoto, mas não quer fazer isso. Teme que tal medida gere uma queda na produção e provoque protestos regionais. Em vez disso, o governo tem preferido acordar com os empresários sobre incentivos para encorajá-los a repatriar seus dólares. O governo também está implementando uma medida mais heterodoxa: a compra de ouro dos mineiros locais (a Bolívia produz cerca de 50 toneladas de ouro por ano) por parte do Banco Central. Este paga pelo ouro em bolivianos e, após o processo de certificação, converte seus lingotes em divisas internacionais. Este ano, o Banco Central espera arrecadar 500 milhões de dólares com esse procedimento, que, no entanto, não é fácil de pôr em prática.

As mudanças ideológicas e políticas são um importante efeito da crise. A confiança no modelo estatista diminui, tanto devido às dificuldades econômicas como à guerra interna do MAS. As abordagens liberais estão na moda de novo. Poderia-se dizer que o país está pronto para deixar para trás o ciclo de governos progressistas (para muitos, «populistas»), mas na Bolívia isso nunca se sabe. Em 2020 dizia-se a mesma coisa e, no final daquele ano, Arce triunfou com 55% dos votos.

Tradução: Eduardo Szklarz


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