Tema central
NUSO Nº 306 / Julio - Agosto 2023

A eliminação global da energia fóssil

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Nos debates sobre política climática, costuma-se omitir que, neste momento, não se espera uma completa eliminação dos combustíveis fósseis. Na maioria dos países não existe vontade política para realizar essa eliminação, que tampouco está prevista nos planos de longo prazo. A narrativa dos combustíveis fósseis limpos e de «baixas emissões» coloca obstáculos em uma discussão crucial para a agenda climática global.

La eliminación global de la energía fósil

O mundo aguarda com expectativa a próxima Presidência dos Emirados Árabes Unidos na Conferência das Partes (COP) de 2023 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Até agora, este produtor de petróleo não se destacou por seus esforços para proteger o clima, e Sultan Al Jaber, presidente da COP deste ano, é o diretor da Abu Dhabi National Oil Company, uma das maiores empresas petrolíferas do mundo. Para limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais, conforme estipulado pelo Acordo Climático de Paris, a comunidade internacional pretende alcançar a neutralidade climática na segunda metade do século. Para isso, de acordo com os cenários previstos nos sistemas energéticos globais, seria necessário abandonar gradualmente os combustíveis fósseis onde estes continuam predominando. Mas não se vislumbra uma mudança de tendência. Nos debates sobre política climática, costuma-se omitir que, neste momento, não se espera uma eliminação completa dos combustíveis fósseis. Na maioria dos países não existe vontade política para realizar essa eliminação, que tampouco está prevista nos planos de longo prazo. No entanto, um abandono ordenado dessas energias teria grandes vantagens. Poderia proporcionar os incentivos adequados ao investimento e promover a transformação socioeconômica. Mas os instrumentos políticos e de governança correspondentes devem ser aperfeiçoados, porque o tempo é escasso.

Ainda assim, o mais recente relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que, se a comunidade internacional quiser atingir os seus objetivos declarados de limitar o aumento da temperatura global a menos de 2 ºC e alcançar a neutralidade climática na segunda metade do século, as emissões globais de gases do efeito estufa devem cair drasticamente antes de 20301. Mas está acontecendo o contrário: as emissões continuam aumentando. O uso de combustíveis fósseis é o principal responsável. O petróleo bruto, o gás natural e o carvão fornecem atualmente cerca de 80% de toda a energia consumida no mundo.
Portanto, a solução óbvia é prescindir em grande medida dos combustíveis fósseis, tanto na produção como no consumo de energia, e abrir caminho para as energias renováveis. O cenário «net zero» [valor líquido zero] do “Panorama Mundial de Energia” publicado todos os anos pela Agência Internacional de Energia (AIE) mostra que, até 2050, a proporção de combustíveis fósseis teria que cair para menos de um quinto para ser compatível com o objetivo de neutralidade climática2. Apenas uma fração pode ser «não reduzida», ou seja, não combinada com medidas para capturar e armazenar ou reutilizar dióxido de carbono (CO2) (captura e armazenamento de carbono, CCS, ou captura e utilização de carbono, CCU, nas siglas em inglês3). Para equilibrar as emissões de CO2 restantes, que são difíceis de evitar conforme o cenário net zero da AIE, devem ser adotadas medidas adicionais para eliminar CO2 da atmosfera (extração de CO2, CDR) que resultem em emissões negativas.

Portanto, a produção e o consumo de recursos fósseis devem diminuir rapidamente. O relatório especial do IPCC indica que não deveriam ser desenvolvidas hoje novas unidades de produção. É que os gases de efeito estufa não são produzidos apenas com a combustão de combustíveis fósseis, mas também durante o processo de produção. Mas também nesse aspecto acontece o contrário. Nos anos da pandemia de covid-19, a produção global de petróleo, gás natural e carvão caiu de forma substancial pela primeira vez. Com a recuperação econômica, porém, a produção desses três combustíveis voltou a aumentar. A AIE prevê, em seu «Panorama Mundial de Energia» de 2022, que a demanda de petróleo atingirá seu ponto máximo nos próximos dez anos4. No caso do gás, poderá atingir o seu máximo em 2030; ao contrário do petróleo, porém, não se espera uma redução até 2050. É que, por um lado, muitos países que querem substituir o carvão no mix elétrico, por ser especialmente prejudicial para o clima, não apostam apenas nas energias renováveis, mas também no gás natural. Por outro lado, a produção de gás natural está sendo promovida porque existe uma demanda mundial de hidrogênio azul baseado nele. É por isso que o Fórum dos Países Exportadores de Gás (GECF) prevê que a demanda e a produção de gás natural continuem crescendo até 20505.

Os combustíveis fósseis e a agenda política climática mundial

Devido à falta de consenso, a eliminação dos combustíveis fósseis esteve durante muito tempo ausente das negociações internacionais sobre o clima e de outras iniciativas de governança global. Nos últimos tempos, tem havido pelo menos certo movimento. Nas duas últimas COP, os Estados signatários não conseguiram chegar a um acordo sobre uma declaração conjunta para a eliminação de todos os combustíveis fósseis, mas concordaram em reduzir gradualmente (phase-down) a produção de eletricidade a partir do carvão.

Os especialistas temem que a presidência da COP, este ano nas mãos de um produtor de petróleo como os Emirados Árabes Unidos, envie um sinal para que o uso de combustíveis fósseis em relação a tecnologias como a captura e o armazenamento de carbono (CCS) seja classificado no futuro como não problemático para a proteção do clima. No Diálogo de Transição Energética de Berlim realizado este ano, o presidente da COP, Al Jaber, afirmou que «o petróleo e o gás de emissões de CO2 tão baixas quanto for possível» fazem parte das soluções de política climática concebíveis. Ele acrescentou que a tecnologia de captura e armazenamento de carbono deve ser expandida substancialmente e que a política deve proporcionar os incentivos corretos, porque até agora esta tecnologia tem sido associada a custos muito elevados.

A narrativa dos combustíveis fósseis limpos e de «baixas emissões»

Embora, do ponto de vista da proteção do clima, seja positivo que os combustíveis fósseis estejam agora na agenda das negociações climáticas internacionais, é preocupante a difusão da narrativa dos combustíveis fósseis supostamente limpos porque são de «baixas emissões». Segundo essa visão, em combinação com a captura e armazenamento de carbono, a captura e utilização de carbono e as emissões negativas, a promoção e o consumo de combustíveis fósseis são perfeitamente compatíveis com a neutralidade climática até 2050. Desse ponto de vista de optimismo tecnológico, não parece imperativo eliminar os combustíveis fósseis em grande escala. E essa postura é vista não apenas em países como os Emirados Árabes Unidos, mas também nas estratégias de longo prazo apresentadas à Convenção-Quadro por importantes países industrializados produtores de combustíveis fósseis e grandes consumidores.

Segundo sua estratégia para 2050, o Canadá só planeja revogar os subsídios aos combustíveis fósseis e promover a captura e armazenamento de carbono e a captura e utilização de carbono por meio de privilégios fiscais. Nas suas mais recentes conclusões sobre a diplomacia climática e energética, o Conselho da União Europeia formulou o objetivo de trabalhar nos âmbitos interno e internacional para alcançar sistemas energéticos livres de combustíveis fósseis antes de 2050. O Conselho observa que, embora deva-se terminar com a geração de energia elétrica a partir do carvão no caminho rumo à neutralidade climática, isto não se aplica ao gás natural. O Conselho nunca menciona o papel do petróleo. Os Estados Unidos, por sua vez, planejam uma transformação para passar do consumo de petróleo e do gás de altas emissões para o petróleo e o gás de baixas emissões. No entanto, essa visão dos combustíveis fósseis de baixas emissões deve ser considerada de maneira crítica, já que a captura e o armazenamento de carbono não conseguem separar completamente o CO2. As porcentagens de separação atuais são, em alguns casos, muito inferiores a 100%. O processo consome muita energia, continua sendo extremamente caro e depende de uma tecnologia altamente especializada. Aproveitar isso pode ser uma opção em muitos países industrializados, inclusive em alguns países produtores de petróleo e gás. Mas esse enfoque de baixas emissões baseado na tecnologia ignora a realidade dos países em desenvolvimento. Além disso, a captura e o armazenamento de carbono não podem ser utilizados em todos os lugares. São necessárias opções adequadas de armazenamento geológico. Portanto, não é realista pensar que essa tecnologia será utilizada em larga escala e antes de 2030.

A produção limpa de combustíveis fósseis

Do lado da produção, também estão sendo feitos esforços para tornar o petróleo bruto e o gás natural mais limpos. Uma estratégia é frear as emissões de metano provenientes da produção de petróleo e gás. O Compromisso Global do Metano conta agora com 150 países e instituições participantes, que se comprometeram a reduzir até 2030 as emissões deste poderoso gás do efeito estufa em 30% abaixo do nível de 20206. Por exemplo, a UE e os EUA estão trabalhando em regulações para ajudar a detectar e reparar mais rapidamente fugas de metano na infraestrutura da indústria do petróleo e do gás. Contudo, do ponto de vista global, não é de esperar que os gases do efeito estufa possam ser completamente evitados. Também existe o risco de efeito rebote. O Fórum dos Países Exportadores de Gás estima que a produção mundial de gás natural também terá um impulso devido à esperada implementação do Compromisso Global do Metano.

Em geral, pode-se dizer que os combustíveis fósseis de baixas emissões e produzidos de forma «limpa» contribuem para a proteção do clima, mas não para a neutralidade climática. Na prática, a narrativa dos combustíveis fósseis de baixas emissões desvia a atenção das conclusões dos cenários de neutralidade climática como o da AIE. Consequentemente, mesmo com apoio tecnológico, deverá ser alcançada a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Num prazo máximo de 25 anos, a proporção de combustíveis fósseis deve ser reduzida dos atuais 80% para um máximo de 20%. As emissões negativas só devem ser utilizadas para emissões residuais absolutamente inevitáveis, como as provenientes da indústria e da agricultura. A imagem de um uso «limpo» dos combustíveis fósseis, que não entra em contradição com as políticas climáticas, acaba criando incentivos de investimento para continuar produzindo esses combustíveis. Ao contrário, há poucos incentivos para reduzir a produção de petróleo e de gás natural, apesar das imensas reduções de custos que acompanham as energias renováveis.

Enfoques de política e governança internacionais

Mesmo além da COP, a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis ainda avança de forma hesitante no plano internacional. Existem alguns primeiros compromissos e fusões. No entanto, muitas vezes faltam a implementação, a participação de países importantes e o nível que se deseja alcançar.

Subsídios para combustíveis fósseis 

Com o objetivo de criar incentivos para reduzir o uso de combustíveis fósseis, os fóruns do G-20 e do G-7 e o Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) colocaram na agenda desde 2009 o fim dos subsídios «ineficientes» aos combustíveis fósseis que levam a um «comportamento de desperdício do consumidor». Na COP26 de Glasgow, em 2021, a comunidade multilateral adotou essa formulação pela primeira vez com o Pacto Climático de Glasgow7

O IPCC prevê que a eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis poderia reduzir em até 10% as emissões de gases do efeito estufa8. O enfoque adotado pelos fóruns internacionais, embora promissor, é também polêmico. Por um lado, não existe uma definição clara do que se entende por subsídios ineficientes. Por outro, ainda não há uma conquista mensurável: em 2020, os subsídios aos combustíveis fósseis do G-20 foram nominalmente iguais aos de 20109. Tal como indicam os números da AIE, os subsídios aos combustíveis fósseis inclusive atingiram um pico global em 202210. Finalmente, existe a preocupação de que os setores mais pobres da população sejam os mais afetados se os subsídios forem eliminados sem mecanismos compensatórios.

Fim do financiamento público para projetos fósseis

Outro enfoque é a cooperação com o objetivo de acabar com o financiamento público de projetos fósseis no exterior. No âmbito da COP26, 39 instituições e países signatários comprometeram-se, na Declaração de Glasgow, a pôr fim, no prazo de um ano, ao apoio público direto a projetos internacionais no campo dos combustíveis fósseis que não sejam de baixas emissões. Mas a prioridade deveria ser a energia limpa. Os ministros do Meio Ambiente dos países do G-7 aderiram ao projeto sob a Presidência alemã deste fórum em 2022. No entanto, o comunicado final da Presidência alemã voltou a enfraquecer o compromisso. Ao menos em casos excepcionais, será permitido o financiamento de novos projetos de produção de gás no exterior. Em sua reunião de abril de 2023, sob a Presidência japonesa, os ministros do Meio Ambiente do G-7 concordaram com a formulação de que a eliminação gradual dos combustíveis fósseis que não sejam de baixas emissões deve ser acelerada para alcançar a neutralidade climática até 2050.

Cooperação no campo da produção de petróleo e gás

As iniciativas individuais buscam reduzir os incentivos à produção de petróleo e gás natural. Os países do G-7 planejam desenvolver uma abordagem internacional para medir, monitorar, informar e verificar as emissões de metano geradas no processo de produção de combustíveis fósseis. As emissões devem ser reduzidas ao longo de todas as cadeias de valor, e as fugas devem ser identificadas e reparadas rapidamente.
A Costa Rica e a Dinamarca deram origem, durante a COP26, a uma nova iniciativa, a Beyond Oil and Gas Alliance (BOGA)11. Seu objetivo é uma saída ordenada da produção de petróleo e gás. A questão deve ser colocada na agenda internacional para que possam ser lançadas atividades apropriadas. Os governos que se esforçam em abandonar os combustíveis fósseis serão apoiados pela aliança. A BOGA tem agora outros 17 membros nacionais e subnacionais, mas não há nenhum grande produtor de petróleo e gás entre eles. Para se tornarem membros principais, os participantes devem se comprometer a não emitir novas licenças para exploração de campos de petróleo e gás.

Um tratado de não proliferação de combustíveis fósseis

Em 2019, surgiu um movimento transnacional promovendo a criação de um tratado de não proliferação de combustíveis fósseis12. Os cientistas Peter Newell e Andrew Simms explicaram essa ideia num artigo publicado na revista especializada Climate Policy13. Segundo o artigo, o objetivo é conseguir uma saída ordenada da produção de carvão, petróleo e gás, com foco em questões de justiça (just transition). A iniciativa ainda está dando seus primeiros passos, mas conta com o apoio não só dos Estados insulares, mas também de atores como o Parlamento Europeu, governos subnacionais, organizações internacionais e empresas.

Cooperação na eliminação do carvão

Diferentemente do petróleo e do gás, já existem datas concretas acordadas internacionalmente e parcerias de governança para a eliminação do carvão, que incluem objetivos como ajudar a financiar esse processo. Com o Pacto Climático de Glasgow, o objetivo de reduzir gradualmente a geração de energia elétrica a partir do carvão com baixas emissões se transformou pela primeira vez num documento final da COP. No âmbito da Powering Past Coal Alliance, alguns membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas comprometeram-se, já desde 2017, com o objetivo mais ambicioso de eliminar completamente a geração de energia elétrica a partir de carvão sem restrições até 2030. No entanto, o único país carbonífero importante que encontramos entre eles é a Alemanha.
Em 2021, foi criado um novo instrumento de orientação para a eliminação do carbono, incorporado nas Parcerias de Transição Energética Justa (JETP). A primeira cooperação nesse contexto é entre a África do Sul, por um lado, e a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha, os EUA e a UE, por outro. O objetivo é apoiar a África do Sul na sua descarbonização. O foco está na eliminação do carbono. Para isso, serão destinados 8,5 bilhões de dólares numa primeira fase de financiamento. Formatos semelhantes estão atualmente sendo desenvolvidos com Índia, Indonésia, Vietnã e Senegal. Como a queima de carvão para gerar eletricidade é extremamente prejudicial para o clima, estas iniciativas são um primeiro passo importante.

Comparação entre medidas políticas de diversos países

Além das alianças globais, existem também vários enfoques em âmbito nacional para reduzir, do lado da oferta, a produção de combustíveis fósseis. Um elemento são as moratórias sobre a exploração de novos campos petrolíferos. Entre os países que aplicam medidas desse tipo estão Belize, Costa Rica, Dinamarca, França e Nova Zelândia. Sob a presidência de Joe Biden, os EUA, maior produtor mundial de petróleo e gás, também buscaram proibir novas escavações em terrenos públicos. Mas um tribunal distrital derrubou a moratória.
Além disso, alguns países implementaram o que é conhecido como estratégias de desinvestimento. A Suécia e a Irlanda abriram mão de participar de projetos de combustíveis fósseis, enquanto o Fundo Soberano da Noruega desistiu das ações do carvão. A Índia, por sua vez, criou um imposto sobre a produção desse mineral. A Dinamarca, atualmente o segundo maior produtor de petróleo da UE, estabeleceu 2050 como a data para o fim da exploração de petróleo e gás. A Estônia decidiu interromper a produção de petróleo de xisto até 2040.
Outro instrumento são as restrições aos projetos de infraestruturas de combustíveis fósseis. Em 2021, por exemplo, o governo Biden suspendeu as obras do oleoduto Keystone XL, que havia sido concebido para transportar petróleo do Canadá para os EUA. Em reação à guerra de agressão russa contra a Ucrânia, o chanceler Olaf Scholz proibiu o lançamento do gasoduto Nord Stream 2, através do qual o gás natural seria transportado da Rússia para a Alemanha.

A eliminação dos combustíveis fósseis como um dilema para os países produtores de petróleo e gás

A eliminação dos combustíveis fósseis é um desafio difícil e complexo para os países produtores de carvão, mas especialmente para os grandes produtores de petróleo e gás natural, porque tem implicações geopolíticas, de segurança e sociopolíticas. Muitos países e regiões têm uma grande dependência econômica da produção e exportação desses combustíveis. Isto não afeta apenas os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). As receitas fiscais provenientes dos combustíveis fósseis também desempenham um papel importante nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, Indonésia, China e África do Sul)14. Se estas receitas desaparecerem – algo que, de acordo com o cenário do petróleo e do gás, deverá ocorrer em grande parte entre 2034 e 2050 – isso terá graves consequências sociais e econômicas. Os países precisam de explorar novas fontes de receita para continuarem perseguindo objetivos como a redução da pobreza e o desenvolvimento de sistemas energéticos sustentáveis. À escala internacional, um país reduz a sua dependência da energia importada quando produz combustíveis fósseis; consequentemente, sua segurança energética aumenta. A atual guerra na Ucrânia demonstra de forma impressionante a importância deste fator de poder. No entanto, eliminar os combustíveis fósseis também virá a ser do interesse dos países produtores, e não apenas do ponto de vista da política climática. À medida que a transição energética global e os esforços internacionais para proteger o clima avançarem, os mercados de combustíveis fósseis se reduzirão e o comércio com eles diminuirá significativamente. Tendo em conta os objetivos climáticos internacionais, os investimentos em projetos fósseis estão associados a um elevado risco de acabarem como ativos encalhados (stranded assets). Isso porque as novas capacidades e infraestruturas foram concebidas para serem utilizadas durante várias décadas. O IPCC prevê que os ativos do carvão poderão ser perdidos antes de 203015. No caso dos ativos em petróleo e gás, isso ocorreria em meados do século. Por outro lado, a eliminação dos combustíveis fósseis acarreta o risco de desestabilizar sociedades e regiões inteiras. A necessária transformação econômica levará à criação de novos setores e empregos, bem como à perda dos empregos existentes e, portanto, provocará conflitos de distribuição. Ao mesmo tempo, os especialistas acreditam que as próprias alterações do clima também terão um efeito desestabilizador. Assim, essas dinâmicas poderão se reforçar mutuamente se a transformação econômica e a luta contra a mudança climática falharem.

O papel dos países industrializados e de outros grandes importadores de energia

Finalmente, os países industrializados e os principais importadores de energia também enfrentam grandes desafios com o abandono dos combustíveis fósseis. Por um lado, esses países determinam em boa medida a velocidade real do abandono dos combustíveis fósseis por meio da sua demanda.

Entre os principais importadores, estão os países industrializados da UE e o Japão, mas também países emergentes como a China e a Índia. Portanto, a promoção da transformação dos sistemas energéticos e das vias de crescimento sustentável nesses países desempenhará um papel decisivo. 

São justamente os países industrializados que poderiam ter uma obrigação ainda maior de abandonar rapidamente os combustíveis fósseis. De acordo com estimativas científicas, a eliminação do carvão nos países emergentes e em desenvolvimento não está ocorrendo com a velocidade suficiente para cumprir os objetivos climáticos globais16. Pode-se pedir aos países desenvolvidos que compensem isso, dada a sua responsabilidade histórica pelas mudanças climáticas e o seu atual acesso a tecnologias energéticas limpas. Portanto, eles não só teriam de abandonar rapidamente o carvão; também pode ser necessário um afastamento muito mais rápido do petróleo e do gás. Hoje, contudo, não há sinais de que isso vá acontecer.

Conclusão: aperfeiçoar a política climática para a eliminação de combustíveis fósseis

O debate sobre a energia proveniente de combustíveis fósseis de baixas emissões não deve ignorar o fato de que a luta contra as mudanças climáticas só terá sucesso se a produção e o consumo de combustíveis fósseis forem drasticamente reduzidos nas próximas duas décadas. Para isso, são necessários enfoques feitos à medida para cada país. A cooperação internacional desempenha aqui um papel igualmente importante. Os combustíveis fósseis são comercializados em todo o mundo, e os sinais para os investimentos são mais eficazes quando vêm de coalizões de Estados. Já existem enfoques políticos e de governança, mas precisam ser implementados, aperfeiçoados e dotados de maior ambição. A falta de planejamento estratégico poderia ter consequências fatais para a proteção do clima, assim como para a economia e a segurança mundiais.

Cumprimento das promessas existentes. O G-7, o G-20 e a APEC decidiram eliminar gradualmente os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis. Os signatários do Pacto Climático de Glasgow se comprometeram a acabar rapidamente com o financiamento público internacional de projetos desses combustíveis. É um passo importante para que a política climática internacional cumpra realmente essas promessas, que não devem desaparecer da agenda, mesmo que a implementação seja atrasada.

Premiar as reduções na exportação de combustíveis fósseis. Os países que também produzem combustíveis fósseis para exportação enfrentam um desafio particular. Seu balanço de gases do efeito estufa reflete as emissões provenientes da produção e combustão doméstica de combustíveis fósseis. No entanto, também contribuem significativamente para as mudanças climáticas ao exportarem combustíveis fósseis que são queimados em outros países. Isto é especialmente verdadeiro para os países destinatários que não têm elevadas metas em política climática. Entretanto, a redução das exportações de combustíveis fósseis não é reconhecida como uma medida para mitigar as emissões de gases do efeito estufa, já que não tem uma dimensão nacional. Portanto, um enfoque científico17 consiste em complementar a medição das emissões no contexto da Convenção-Quadro, de tal forma que também sejam refletidas aquelas causadas pela exportação de combustíveis fósseis e as que são evitadas pelas restrições à exportação. Isto permitiria vincular de forma mais clara o fornecimento de energia fóssil e os objetivos climáticos, e haveria mais transparência e possibilidade de comparar as emissões dos diferentes países em geral.

Ancorar a eliminação dos combustíveis fósseis no contexto da Convenção-Quadro. Entre os produtores de petróleo e gás com objetivos climáticos relativamente ambiciosos, como os EUA, e em países como a Alemanha, não houve até agora qualquer referência à eliminação – ou redução gradual – dos combustíveis fósseis nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) ou nas estratégias de longo prazo para 205018. Até agora, as únicas medidas têm sido a esperada redução dos subsídios ineficientes e diversos enfoques baseados na demanda, tais como a conversão de sistemas de calefação e a mudança para a eletromobilidade. No entanto, os países pioneiros deveriam dar o exemplo, mencionando a eliminação gradual da produção de gás natural e de petróleo bruto nos seus planos no contexto da Convenção-Quadro.

Aproveitar as parcerias bilaterais e multilaterais existentes. Os países do G-7 e do G-20 estão entre os maiores importadores mundiais de petróleo e gás. O governo alemão mantém intensas relações bilaterais com países como China, Índia, EUA, Japão e Coreia do Sul, além dos fóruns multilaterais. As parcerias climáticas e energéticas fazem parte dessas relações. A agenda dos grupos de trabalho das associações bilaterais e multilaterais inclui, além da expansão das energias renováveis, a intenção de reduzir a demanda por combustíveis fósseis. Afinal, a expansão das energias renováveis não conduz de forma automática nem, sobretudo, de forma estruturada, à redução do uso de combustíveis fósseis.

Continuar desenvolvendo formatos de associações. As decisões da Convenção-Quadro da ONU representam sempre um consenso entre todos os Estados signatários. Apostar num progresso rápido aqui não é realista em termos de futuro próximo. Os produtores de combustíveis fósseis estão muito interessados em manter estes combustíveis. As «coalizões de voluntários» menores que concordarem em eliminar gradualmente a produção de combustíveis fósseis são agora mais promissoras do que a busca de consensos. Ao avançarem nessa direção, elas enviam um sinal importante ao mundo financeiro e a outros produtores de fósseis. Isto poderia acontecer dentro do contexto da UE. Aqui, a Itália, a Dinamarca e a Romênia são os maiores produtores de petróleo, enquanto os Países Baixos, a Romênia e a Alemanha são os produtores de gás mais importantes.

No contexto do G-7, os principais produtores de combustíveis fósseis, EUA e Canadá, comprometeram-se com a neutralidade climática. Seria um sinal importante para a comunidade internacional se esta aspiração se tornasse realidade e dela fossem traçados objetivos para a eliminação gradual da produção de combustíveis fósseis ou, pelo menos, para uma redução claramente definida. Isto também daria a ambos os países tempo suficiente para planejar e implementar as mudanças estruturais necessárias.

Nesse contexto, deveriam ser mais amplamente divulgados os formatos de associações existentes, como Powering Past Coal Alliance, BOGA e JETP. No caso do JETP com a África do Sul, um dos maiores produtores de carvão do mundo, o foco da cooperação é neste combustível fóssil. Porém, todos os países parceiros do JETP e as futuras parcerias devem aspirar a eliminar gradualmente a produção e o consumo de petróleo e gás. Se as licenças de petróleo e gás não forem utilizadas ou os combustíveis fósseis permanecerem sob a terra, a compensação financeira também seria um enfoque a ser considerado, como recomendaram Martí Orta-Martínez et al. num artigo publicado em 2022 na Global Environmental Politics19. Isto reduziria o risco de ativos encalhados, permitiria aos países criar sistemas econômicos e energéticos sustentáveis e aumentaria a sua segurança energética.

Fortalecer a política exterior climática, tornando-a mais coerente. Embora a Alemanha seja um dos maiores financiadores internacionais de energias renováveis, continua canalizando mais recursos públicos para projetos de combustíveis fósseis do que para energias renováveis em países parceiros20. Além disso, hoje o governo não descarta a possibilidade de que no futuro a Alemanha produza gás natural a partir de fontes não convencionais, como o gás de xisto. Esses são apenas dois exemplos de certa incoerência na política em relação aos objetivos climáticos declarados. Para países como a Alemanha, com uma política exterior climática ambiciosa, é particularmente importante resolver os desacordos para poder manter sua própria credibilidade. Existem grandes expectativas para os países industrializados, já que eles podem absorver as consequências socioeconômicas da eliminação gradual da produção de combustíveis fósseis mais facilmente do que os países em desenvolvimento.

  • 1.

    IPCC: «Climate Change 2023: Synthesis Report: Summary for Policymakers», IPCC, Genebra, 2023; Gerrit Hansen e Oliver Geden: «Knowledge Politics in the Context of International Climate Negotiations», SWP, 9/5/2023.

  • 2.

    IEA: «World Energy Outlook 2022», 10/2022.

  • 3.

    Felix Schenuit, Miranda Böttcher e O. Geden: «‘Carbon Management’: Chancen und Risiken für ambitionierte Klimapolitik», SWP, 5/5/2023.

  • 4.

    AIE: «World Energy Outlook 2022», cit.

  • 5.

    GECF: «Global Gas Outlook Synopsis: 2022 Edition», GECF, Doha, 2022.

  • 6.

    Ver Global Methane Pledge,

    www.globalmethanepledge.org/ .

  • 7.

    ONU: «The Glasgow Climate Pact – Key Outcomes from COP26», disponível em unfccc.int/process-and-meetings/the-paris-agreement/the-glasgow-climate-pact-key-outcomes-from-cop2

  • 8.

    IPCC: «Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change: Summary for Policymakers», 2022.

  • 9.

    Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE): «Update on Recent Progress in Reform of Inefficient Fossil-Fuel Subsidies that Encourage Wasteful Consumption 2021», OCDE / AIE, Nápoles, 23/7/2021.

  • 10.

    AIE: «Fossil Fuels Consumption Subsidies 2022», relatório de políticas, 2/2023.

  • 11.

    BOGA: «Redefining Climate Leadership», beyondoilandgasalliance.org

  • 12.

    V. Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, fossilfueltreaty.org/esp

  • 13.

    P. Newell e A. Simms: «Towards a Fossil Fuel Non-Proliferation Treaty» em Climate Policy vol. 20 N° 8, 2020.

  • 14.

    Tara Laan e Andréa Giulio Maino: «Boom and Bust: The Fiscal Implications of Fossil Fuel Phase-Out in Six Large Emerging Economies: GSI Report», IISD, 7/2022.

  • 15.

    IPCC: «Climate Change 2022», cit.

  • 16.

    James Price y Steve Pye: «For Developing World to Quit Coal, Rich Countries Must Eliminate Oil and Gas Faster – New Study» em The Conversation, 17/2/2023.

  • 17.

    Georgia Piggot, Peter Erickson, Harro van Asselt e Michael Lazarus: «Swimming Upstream: Addressing Fossil Fuel Supply under the UNFCCC» em Climate Policy vol. 18 N° 9, 2018.

  • 18.

    Ibid.

  • 19.

    M. Orta-Martínez, Lorenzo Pellegrini, Murat Arsel, Carlos Mena y Gorka Muñoa: «Unburnable Fossil Fuels and Climate Finance: Compensation for Rights Holders» em Global Environmental Politics vol. 22 N° 4, 2022.

  • 20.

    Oilchange International y Friends of the Earth: «At a Crossroads: Assessing G20 and mdb International Energy Finance Ahead of Stop Funding Fossils Pledge Deadline», 11/2022.

Este artículo es copia fiel del publicado en la revista Nueva Sociedad 306, Julio - Agosto 2023, ISSN: 0251-3552


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