Entre a extrema direita e o conservadorismo radicalizado
septiembre 2023
Em seu livro Radikalisierter Konservatismus. Eine Analyse, a cientista política austríaca Natascha Strobl se debruça sobre a forma como alguns partidos conservadores clássicos adotaram a retórica cultural e social da extrema direita. Nesta entrevista, ela explica como ocorreu essa radicalização do conservadorismo tradicional e analisa, com dados e casos específicos, os rumos que essa mutação pode produzir no futuro.
Desde o segundo pós-guerra, os partidos conservadores clássicos constituíram, na Europa ocidental, um pilar do consenso político construído em conjunto com os social-democratas. Embora esse acordo tenha sido sempre atravessado por diversas tensões e renegociações, o consenso prevaleceu, embora modificado, ao longo do tempo. Hoje a situação é diferente. Há pelo menos uma década, não foram poucos os partidos conservadores que, tendo sido pilares do consenso do pós-guerra, inclinaram-se para os discursos, a retórica e os postulados ideológicos da extrema direita. A radicalização do conservadorismo rompe o pacto e estabelece uma lógica de antagonismos diferente daquela que os mesmos setores da direita propuseram no passado recente. Embora existam posições divergentes entre o conservadorismo radicalizado e a extrema direita, a comunhão entre ambas as tendências políticas tornou-se, em certos casos, indubitável. Como os partidos conservadores chegaram a lançar mão do discurso da extrema-direita? Que papel desempenharam as ideias da Nouvelle Droite [Nova Direita] de Alain de Benoist na radicalização dos conservadores? Como as organizações juvenis da nova direita, como a CasaPound na Itália, operaram na normalização dos discursos radicais e na sua introdução no campo dos conservadores clássicos? Essas questões são abordadas em detalhe pela cientista política austríaca Natascha Strobl em libro, Radikalisierter Konservatismus. Eine Analyse (Suhrkamp, Berlim, 2021), publicado recentemente em espanhol pela Katz Editores com o título La nueva derecha. Un análisis del conservadurismo radicalizado [A nova direita. Uma análise do conservadorismo radicalizado]. A obra lhe valeu um forte reconhecimento internacional.
Natascha Strobl realizou seus estudos na Universidade de Bergen (Noruega) e na Universidade de Viena (Áustria). Nesta entrevista, ela analisa as formas de radicalização política dos conservadores tradicionais, investiga as relações entre a extrema direita e o conservadorismo e destrincha, com argumentos sociológicos e políticos, o novo cenário de direitização política.
Em seu livro, a senhora analisa os movimentos da nova direita na Europa. Por um lado, examina a emergência de novos movimentos de extrema direita, mas ao mesmo tempo observa a transformação que, em vários países, está ocorrendo dentro dos partidos conservadores clássicos. Nesse sentido, a senhora cunha a definição de «conservadorismo radicalizado» para descrever a mutação que a extrema direita produz nas estruturas tradicionais dos conservadores. Quais são suas causas? Por que alguns dos partidos conservadores tradicionais, que foram fundamentais, juntamente com os sociais-democratas, na construção do consenso político e econômico do pós-guerra, adotam posições que os alinham mais estreitamente com os movimentos de extrema direita?
Quando comecei a elaborar o livro, eu observava a mudança radical que se desenvolvia em vários partidos conservadores, especialmente naqueles que poderíamos chamar de tradicionais ou clássicos, que dominaram a esfera europeia desde o segundo pós-guerra. Podia-se constatar que alguns desses partidos históricos, mas também outros formados mais recentemente, começavam a adotar propostas da extrema direita, rompendo assim algumas de suas posições e estabelecendo processos de transição para abordagens mais radicais. Entre os casos mais recentes de partidos conservadores que assumiram postulados de direita radical estava, claro, o Fidesz, nascido no final da década de 1980 na Hungria comunista. Era um partido que originalmente sustentava posições liberais-conservadoras, mas que, sob as várias administrações de Víktor Orban, começou a se inclinar para posições nacional-conservadoras e levou a Hungria a um rumo iliberal. Algo semelhante aconteceu com o Partido Lei e Justiça [PiS, na sigla polonesa], uma formação nascida como uma cisão do Solidarność, a organização de Lech Wałęsa. Inicialmente havia mantido sua vocação de se estabelecer como um partido da direita democrata-cristã, mas rapidamente caminhou para uma direita nacional-conservadora. É claro que este caso foi particular, na medida em que o partido era relativamente novo. Mas o mesmo fenômeno começou a operar em outros partidos conservadores clássicos. Em meu próprio país, o Partido Popular Austríaco [ÖVP, na sigla em alemão], organização característica e tradicional da direita conservadora e democrata-cristã, iniciou uma mutação deste tipo em 2017, quando Sebastian Kurz conseguiu assumir o controle do partido e, poucos meses depois, da Chancelaria do país. Sob o mandato de Kurz, o ÖVP passou por um processo de desdemocratização interna, ao mesmo tempo em que assumiu e importou aspectos substanciais da agenda da extrema direita representada pelo Partido da Liberdade da Áustria [FPÖ, na sigla em alemão]. Entre esses temas estavam a rejeição da imigração e a guerra contra o islã e os estrangeiros, além de muitos outros. Embora com características diferentes, o Partido Republicano dos Estados Unidos também viveu um processo de crescimento dos seus blocos mais radicais, o que se expressou claramente na eleição de Donald Trump como seu candidato – e depois como presidente – em 2016. Em termos de partidos conservadores, há também outros casos. O do Partido Popular Suíço é um deles. Embora não seja um dos partidos centrais no acordo do pós-guerra – o partido foi formado, após uma série de fusões, em 1971 –, ele faz parte daquelas organizações que passaram de um conservadorismo inicial para posições de direita radical.
Em última análise, meu trabalho busca entender um cenário amplo de conservadorismo radical. Por um lado, a radicalização à direita de uma série de partidos conservadores tradicionais. Por outro, o apelo ao conservadorismo por parte de espaços e organizações de extrema direita. E, claro, a radicalização da tradição dos conservadores, que não necessariamente se constitui como parte de partidos, mas é também uma tradição ideológica.
Gostaria de me concentrar, em princípio, no caso dos partidos conservadores que desenvolvem mutações – em maior ou menor grau – para posições mais extremas. Embora afirme que essa transformação não ocorre em todos os casos, a senhora verifica esse processo em diversas organizações e considera que, nesses casos, há uma ruptura com a tradição adotada pelo conservadorismo democrático no pós-guerra. No mesmo sentido, esclarece que muitas das mudanças e radicalizações ocorreram, especialmente no campo econômico, desde a década de 1970. Será este o momento da radicalização cultural?
Claramente, os partidos conservadores têm uma extensa tradição. Uma de suas peculiaridades consiste em terem se apoiado em facções muito diversas da burguesia, mas também em encontrarem apoio entre trabalhadores qualificados ou de colarinho branco e no campesinato. Em grande medida, tal como os sociais-democratas dentro da esquerda, os partidos conservadores conseguiram captar algo mais do que seus eleitores clássicos, desenvolvendo mensagens amplas e abrangentes. Seu papel no acordo do pós-guerra, como você diz, foi fundamental. Este acordo, sempre móvel e sujeito a mudanças, baseava-se no princípio de que os sociais-democratas, mais apoiados nas forças sindicais e operárias, e os conservadores, mais sustentados na comunidade empresarial, reconheciam-se entre si e se validavam. Cada uma das forças, claro, tentou desenvolver suas políticas – que se diferenciavam claramente –, mas assumindo um compromisso com o regime político. Em ambos os casos, considerava-se que, no final, deveria prevalecer uma política de conciliação. Esse processo não modificou as características centrais dos partidos conservadores, nem a sua ideologia.
É completamente certo que o consenso do pós-guerra, alavancado por sociais-democratas e conservadores, sempre foi móvel e teve as respectivas renegociações. De fato, no livro eu menciono sua fragilidade. No Reino Unido, durante os governos de Margaret Thatcher, os conservadores desenvolveram iniciativas de mudança econômica e social profundas, ignorando as propostas da oposição política e evitando a cooperação. Esmagaram os sindicatos e transformaram completamente muitas cidades de classe trabalhadora. O neoliberalismo provém, em grande medida, dessa experiência que progressivamente se espalhou pelo resto dos países.
No entanto, é igualmente certo que o consenso tradicional continuou existindo, mesmo quando já tinha sofrido modificações substanciais. O que acontece agora é diferente. É a ruptura clara e nítida do pacto. Como você sabe, tradicionalmente os partidos conservadores apelavam à manutenção da ordem existente. Quando queriam fazer grandes transformações, pensavam em termos bastante moderados ou cautelosos. Ao adotar, em vez disso, as posições da extrema-direita, que busca uma mudança brusca e rápida da ordem, eles se radicalizaram num âmbito em que não o tinham feito anteriormente. O ponto fundamental é compreender que esse conservadorismo radicalizado rompe o equilíbrio histórico das forças conservadoras. Agora, ao mesmo tempo em que mantêm uma certa radicalidade econômica (fruto da revolução conservadora thatcherista), acrescenta-se uma radicalidade sociocultural (apelar às estratégias de batalha discursivas e culturais da extrema direita). Isto modifica claramente a fisionomia desses partidos conservadores. Nos casos em que o conservadorismo realmente se radicaliza e chega ao governo, como na Áustria, rompem-se regras e acordos que, anteriormente, os conservadores tendiam a respeitar.
No seu livro, a senhora analisa minuciosamente os casos austríaco e estadunidense, mas também menciona outros. Apesar disso, há exemplos, como o francês, em que a força tradicional da direita, Os Republicanos, não desenvolve o mesmo processo e, pelo menos por enquanto, isso também não se aplica à direita tradicional alemã. Em ambos os países, a extrema direita está crescendo, mas as suas propostas não são necessariamente adotadas pelos partidos conservadores tradicionais...
Correto. Essa situação não ocorre em todos os casos, embora em muitos partidos conservadores e da direita tradicional, nos quais estas correntes não se tornaram hegemônicas, existam facções que expressam buscas semelhantes. Há outros casos em que a radicalização conservadora ocorre com cisões, como nos Países Baixos. Geert Wilders, o dirigente político do Partido da Liberdade, situado na extrema direita, vem das fileiras do Partido Popular para a Liberdade e a Democracia, o clássico partido liberal-conservador holandês. Por outro lado, na análise do conservadorismo radicalizado, não apenas é desenvolvido um foco sobre as organizações tradicionais, mas também sobre as camadas sociais de eleitores que se radicalizam (e que podem migrar do conservadorismo clássico para a extrema direita). Trata-se de um fenômeno político, mas também sociológico.
Para explicar esses processos, a senhora recorre, de fato, ao conceito de «burguesia crua», cunhado pelo sociólogo Wilhelm Heitmeyer. O que implica esse conceito e por que ele é importante compreender a radicalização, não apenas em termos políticos e circunscritos às organizações tradicionais do conservadorismo, mas também em torno de clivagens sociológicas e culturais?
É importante destacar que a crueza e a violência atravessam vários estratos sociais e não se circunscrevem apenas à burguesia, como evidenciam numerosos exemplos de crueza contra certas minorias que se expressam transversalmente nas diferentes classes sociais. Mas, certamente, neste caso nós nos ocupamos da crueza burguesa, tal como é definida por Heitmeyer. O conceito sociológico que Heitmeyer desenvolve leva em conta, sobretudo, os processos de radicalização que ocorrem no seio das classes médias em momentos críticos e de desintegração social. Quando Heitmeyer se refere à «crueza burguesa», não apela apenas à burguesia em termos econômicos, mas ao que podemos entender como «modos burgueses», os modos que têm sido tomados como sinônimos de «civilizados». O que Heitmeyer mostra é que, por trás desses modos, existem atitudes fortemente autoritárias que, em contextos menos críticos, não são expressas abertamente. Porém, quando emergem, o fazem de forma violenta, apontando diretamente contra o contrato social e os espaços de solidariedade. Entre as camadas burguesas e as classes médias mais ricas, esta crueza manifesta-se em fortes sentimentos de superioridade cultural que, anteriormente, tinham sido escondidos por uma fachada de suavidade exterior. Quando essa fachada desaparece, a burguesia aparece de forma crua, apelando para uma ideologia que vê os grupos e as pessoas como inerentemente desiguais. Nesse sentido, a burguesia crua posiciona-se claramente contra o Estado de Bem-Estar e contra os benefícios sociais para as pessoas desfavorecidas, ao mesmo tempo que mantém certa posição de darwinismo social. Por outro lado, estabelece tipos ideais de sociedade baseados na meritocracia, desprezando os grupos que considera contrários a ela. A diferença entre esta crueza burguesa e outras cruezas é que ela tende a ser socialmente aceita.
Quando os conservadores fazem uso dessa crueza – que parecia reservada às expressões mais radicais da extrema direita –, fica evidente uma passagem ao conservadorismo radicalizado. Ou, em outras palavras, quando os conservadores clássicos assumem a posição cultural da extrema direita e são movidos pela crueza burguesa – deslizando para um discurso que ataca diretamente os setores socialmente desfavorecidos e os estrangeiros –, realiza-se a operação do conservadorismo radicalizado.
Um dos pontos principais do seu ensaio é introduzir uma diferença entre o conservadorismo radicalizado e a extrema direita. Embora veja tendências semelhantes em termos culturais e sociais, a senhora marca uma distinção em termos económicos: em alguns casos, a extrema direita ainda mantém posições estatistas (embora também esclareça que existem posições neoliberais), enquanto o conservadorismo radicalizado está mais claramente comprometido com a desregulação, a privatização e a flexibilização. Em que medida esse apoio deriva, agora sim, de uma tradição estabelecida desde a década de 1970 com a revolução conservadora de Thatcher e Reagan?
Efetivamente, os conservadores têm se inclinado mais para o neoliberalismo. Isto não significa que não existam partidos ou organizações de extrema direita que também assumam essa posição econômica neoliberal – é claro que isso acontece –, embora nesse campo haja uma maior mistura. Se em alguns casos a extrema direita assume posições neoliberais, em muitos outros se apresenta garantindo o Estado de Bem-Estar. Isto é visível, por exemplo, com os Democratas Suecos, que se tornaram os mais furiosos defensores do Estado do Bem-Estar a partir de uma posição chauvinista: consideram que ele deveria ser apenas para os suecos, não para os imigrantes. Isto é muito diferente no caso dos partidos conservadores que, como você sugere, foram os que mais se adaptaram (e inclusive propagaram) à revolução conservadora de Thatcher e Reagan. Esses partidos não estão, a priori, interessados em apoiar o «bem-estarismo», do qual participaram fortemente durante o consenso do segundo pós-guerra. É muito claro que, ao se radicalizarem, participam das guerras culturais próprias da extrema direita, mas as suas posições neoliberais são sustentadas. Nos dois casos que analiso, o de Trump e o de Kurz, isto é particularmente visível. Ambos, claro, pertencem e participam de partidos conservadores clássicos – o Partido Republicano dos EUA e o Partido Popular da Áustria –, e em ambos verificamos o desenvolvimento de posições de desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social – ou o que quer que haja dele em cada caso. Convém lembrar que Trump se opôs ao seguro de saúde já no primeiro dia de governo, lançando seus dardos contra o Obamacare por meio de uma política que chamou de Repeal and Replace [revogar e substituir]. É claro que a isso ele acrescentou a sua reforma fiscal, claramente benéfica para os mais ricos, e a Lei de Cortes e Empregos, que foi orientada na mesma direção. No caso de Kurz, este tipo de posicionamentos ficou visível com a reforma do Renda Mínima Cidadã, que não só apontou numa direção neoliberal, mas em termos de luta contra os imigrantes e os pobres, ao vincular o benefício a um determinado nível de estudos e competências linguísticas. Não é necessário dizer que a direção neoliberal também se verificou na possibilidade de as empresas estenderem a jornada de trabalho dos seus empregados para 12 horas e na redução do seguro-desemprego.
Um dos aspectos substanciais da extrema direita, mas também do conservadorismo radicalizado, é a sua leitura do que ficou conhecido na década de 1960 como a Nouvelle Droite [Nova Direita], impulsionada, entre outros, por Alain de Benoist. Que implicações esse pensamento tem tido?
Efetivamente, a Nouvelle Droite francesa, promovida na década de 1960 por Alain de Benoist, desempenhou um papel fundamental, tanto para a extrema direita como para o conservadorismo radicalizado. Em primeiro lugar, a Nouvelle Droite recuperou o que o publicitário suíço Armin Mohler chamou, em 1949, de «revolução conservadora». Mohler utilizou essa expressão para designar uma rede informal de pensadores anti-igualitários e reacionários como Oswald Spengler, Edgar Julius Jung, Otto Strasser e Ernst Jünger que, ao contrário de outros pensadores reacionários, buscavam não apenas um «retorno ao passado», mas um avanço na história. Ou seja, eles tinham uma perspectiva de futuro. Em segundo lugar, a Nouvelle Droite foi importante na medida em que a sua abordagem consistiu, fundamentalmente, em escolher como principal campo de batalha não mais o terreno estrito da política, mas o da cultura. Neste sentido, assumiu uma atitude «pré-política», aspirando primeiro a travar uma «batalha cultural». Para isso, baseou-se nas posições teóricas de Antonio Gramsci, aproveitando seu conceito de hegemonia e deslocando-o para a luta da direita. É claro que descartaram todos os aspectos da posição comunista de Gramsci e se concentraram na lógica processual proposta pelo pensador italiano. Assumiram a posição gramsciana de que, para alcançar uma verdadeira transformação política, era necessário cumprir um pré-requisito: alcançar uma ampla aceitação social.
Nesse sentido, eles assumiram que a direita precisava construir uma hegemonia cultural e social, não apenas chegar ao poder. Também tomaram a noção gramsciana de «bloco histórico» e a utilizaram para suas próprias motivações. A principal tendência dessa posição tem se concentrado na linguagem. Embora Gramsci entendesse a hegemonia como um processo amplo e complexo, em que a linguagem era apenas um elemento, a Nova Direita tendeu a vê-la como um aspecto substancial. Em sua lógica, a linguagem constitui uma arma para destruir a discursividade democrática. Um aspecto importante a levar em conta para compreender a relação da Nova Direita com o conservadorismo radicalizado é que, desde o início, tratou-se de um espaço misto ou sobreposto. Por um lado, operava na extrema direita mais claramente neofascista ou neonazista. Por outro, trabalhava intelectualmente sobre membros das elites cultas da direita, principalmente conservadoras. Neste sentido, abrangeu tanto o setor mais claramente radical como o do conservadorismo burguês.
Ao analisar a forma como as ideias da Nouvelle Droite entraram mais fortemente no campo do conservadorismo clássico, que se radicalizou, a senhora enfatiza uma série de organizações que chama de herdeiras daquelas ideias nascidas na década de 1960. Quais são essas organizações e que papel desempenharam na divulgação dessas ideias e em sua «normalização»?
Quando me refiro às «novas organizações da nova direita», penso especificamente em expressões como as que ocorreram na Itália com a CasaPound ou na Alemanha com o Instituto de Política Estatal [IfS, na sigla em alemão]. Essas organizações herdaram e leram em profundidade as propostas da Nouvelle Droite e de Alain de Benoist, mas avançaram mais fortemente nas batalhas culturais. A CasaPound1, uma organização nascida em Roma em 2003, vem tentando, desde o início, misturar a tradição do fascismo e do neofascismo italiano com a cultura pop. A estratégia da CasaPound consiste, fundamentalmente, no desenvolvimento de ações «metapolíticas», desenvolvendo meios de comunicação, mas também atividades esportivas, grupos musicais e exposições artísticas. O ponto fundamental de organizações como a CasaPound é dissipar a imagem antiga e ultrapassada da extrema direita e adaptá-la a um público jovem e moderno. De fato, a maioria dos membros, simpatizantes e ativistas da CasaPound são jovens, geralmente de classe média e universitários. Em grande medida, como analisei com meus colegas Julian Bruns e Kathrin Gloesel, organizações como a CasaPound, mas também a Génération Identitaire na França, pertencem ao que é conhecido como o «movimento identitário». É uma geração jovem dentro da «nova direita». Por que é importante? Porque, desvinculadas de suas posições clássicas neofascistas ou neonazistas e com uma imagem mais adaptada aos novos tempos, essas organizações conseguem se tornar mediadoras entre o extremismo de direita e o conservadorismo tradicional, fortalecendo o conservadorismo radicalizado. Em boa medida, permitem traçar uma zona de transição entre ambas as correntes e desenvolver uma cultura que oculta algumas de suas posições sob argumentos relacionados com a tradição, a liberdade, a identidade e a pátria.
A senhora trabalha em dois casos particulares de conservadorismo radicalizado: o de Donald Trump nos EUA e o de Sebastian Kurz na Áustria. Em seu livro, não apenas os define como expoentes dessa corrente, mas também aponta uma série de traços comuns em seus respectivos governos. Quais são essas características e por que constituem pilares do conservadorismo radicalizado?
Kurz e Trump me interessavam na medida em que encarnam explicitamente o conservadorismo radicalizado. Os dois disputaram eleitoralmente pelas forças clássicas de direita de seus países (o Partido Republicano e o Partido Popular Austríaco), mas se conectando com dinâmicas e lógicas culturais do extremismo de direita. Uma particularidade, que me permitiu ao mesmo tempo uma análise mais situada e concreta, é que ambos chegaram ao poder quase ao mesmo tempo, o que expressava uma corrente de ascensão de conservadores radicalizados. No livro eu detalho claramente uma série de traços comuns entre os conservadores radicalizados que, em alguns casos, podem ser partilhados pela extrema direita. Primeiro, o conservadorismo radicalizado desenvolve uma violação calculada de regras formais e de regras informais. A razão é muito evidente: os conservadores radicalizados pretendem quebrar uma série de consensos estabelecidos na política e assim apagar algumas normas estabelecidas entre o que é bom e o que é mau, entre o que é correto e o que não é. Desobedecer ou forçar as regras contribui para a ideia de uma ruptura, marca uma diferenciação com determinado establishment guiado por uma série de normas, mas também lhes permite expressar, inclusive dentro do governo, uma posição de desacordo com o sistema. Ainda que em suas políticas eles estejam completamente alinhados com o capitalismo, a ruptura das regras formais e informais lhes permite se apresentarem como «incorretos» e assim deixar o resto – aqueles que exigem o cumprimento das normas – na posição do «estabelecido». Tanto no caso de Kurz como no de Trump, isto se evidencia de modo muito nítido, mesmo com suas diferenças de personalidade. Kurz, um homem bastante distante e duro, levou a ruptura das regras informais a um lugar inédito na Áustria quando se negou, em 2021, a participar da celebração oficial pela libertação do campo de concentração de Mauthausen. Essa celebração foi realizada por todos os chanceleres austríacos, e a recusa de Kurz e de sua comitiva em participar de um ato que é a base simbólica da Segunda República implicou uma clara ruptura com uma regra informal que, claro, foi posteriormente usufruída por seu próprio partido. De fato, no dia seguinte, o parlamentar Martin Engelberg, pertencente ao partido de Kurz, declarou que a celebração no antigo campo de Mauthausen estava sendo «utilizada por partidos políticos». Trump, claro, não foi menos que Kurz. Desde o início, ele utilizou as redes sociais, especialmente o Twitter, para menosprezar e insultar os adversários. Sua tentativa foi normalizar este tipo de situação, mas a verdade é que os insultos de Trump constituem uma ruptura de regras informais. São impróprios para um político profissional. O ponto fundamental é que a ruptura dessas regras gera um completo entusiasmo para seus seguidores. Essa ruptura de regras não se limita apenas às tácitas ou não escritas, mas, como disse, também às formais, como demonstra o telefonema de Trump ao Secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, pedindo-lhe que «encontrasse» os 11.779 votos de que precisava para vencer nesse estado – fato que mais tarde levou a investigações sobre manipulação eleitoral.
A senhora afirma que esse conservadorismo radicalizado enfraquece as estruturas dos partidos. Por que e como esse fenômeno acontece?
Embora o conservadorismo radicalizado aposte numa polarização permanente e se apoie em líderes fortes, rompe parte das estruturas partidárias de mudança e renovação permanentes. O conservadorismo radical coloca os partidos a serviço do líder, não o contrário. A figura do líder reflete um «nós» que se apresenta de forma homogênea, enquanto as estruturas partidárias refletem geralmente uma certa diversidade. Quando os partidos conservadores se radicalizam e apostam numa liderança desse tipo, quebram parte do que era a sua tradição durante o segundo pós-guerra. Naquele momento, embora diferentes líderes partidários pudessem ter posições divergentes, assumia-se que eles serviam ao partido, o que conferia uma certa previsibilidade. Quando o conservadorismo se radicaliza, e sempre o faz por meio de uma figura de liderança forte e unificadora, são os partidos que servem ao líder. O caso de Trump, que encontrou resistências no início, é exemplificador: à medida que avançava, ele conseguiu disciplinar os diferentes líderes do Partido Republicano, e só o enfrentaram aqueles que não tinham chances reais de vitória. Em 2021, após a derrota de Trump, Liz Cheney, a terceira pessoa mais poderosa do Partido Republicano, teve que deixar seu cargo por questionar a denúncia trompista de que as eleições haviam sido fraudulentas. Kurz só concordou em ser presidente de seu partido se lhe fossem dados plenos direitos para decidir sobre o pessoal e questões associadas ao orçamento. Isto rompeu completamente a ordem do ÖVP, um partido conservador clássico no qual os governadores provinciais sempre haviam tido uma posição importante nesses assuntos. No caso de Kurz, a transformação do partido atingiu até suas características estéticas e de imagem: a logomarca do partido foi modificada, e sua cor passou do preto para o turquesa. Buscou-se também transformá-lo: de um partido em um movimento. Além de rebatizá-lo popularmente de Novo Partido Popular, Kurz colocou esse título na cédula de votação e, assim, esse «novo ÖVP» foi identificado com o próprio Kurz. Nesse processo, devemos também olhar para a atitude da extrema direita representada pelo FPO, já que muitos dos slogans usados por Kurz e pelo ÖVP começaram a se parecer nitidamente com os desse partido.
Como o conservadorismo radicalizado modifica a posição que o conservadorismo clássico tinha em relação aos seus adversários políticos e ideológicos?
Esse é um ponto importante porque, de fato, o conservadorismo tradicional, ao fazer parte de um consenso e de um acordo sobre o regime político, antagonizava de forma democrática – mesmo quando poderia ser duro com palavras – com seus adversários. Isto mudou com os processos de radicalização dos conservadores. Em primeiro lugar, o conservadorismo radicalizado, ao apoiar posições que tendem a pensar na existência de uma «rede global» de esquerdistas e progressistas que dominam os meios de comunicação e a cultura, construindo um senso comum «politicamente correto», desenvolve um antagonismo contra inimigos que nem sempre são diretamente identificáveis. O conservadorismo radicalizado se coloca, nesse sentido, na posição das «pessoas comuns», das «pessoas trabalhadoras», apelando a um sentido segundo o qual «os outros», aqueles que ficam de fora desse esquema, constituem o inimigo. Há pessoas que fazem «trabalho de verdade» e outras que não. Nesse sentido, o conservadorismo radicalizado apela a uma polarização mais profunda do que o conservadorismo clássico, estimulando excessivamente a sociedade num antagonismo permanente. O ponto substancial é que os conservadores radicalizados pretendem que esse antagonismo permanente se torne uma nova normalidade. Personagens como Kurz e Trump transformam a forma de debate com a oposição política, pois já não procuram chegar a acordos (como acontecia na lógica do conservadorismo tradicional) ou estabelecer mediações. Sua intenção é fidelizar maiorias. Soma-se a isso um segundo elemento: eles já não têm apenas um inimigo político institucional (os partidos da oposição), mas procuram construir um inimigo extraparlamentar. Isto se torna muito evidente na forma como Trump se referia, por exemplo, ao Antifa ou ao movimento Black Lives Matter. Para começar, Antifa não é uma organização, mas apenas um rótulo geral para denominar grupos que se apresentam como antifascistas. Ao lhe dar uma uniformidade e propor que se tratava de uma «organização terrorista», Trump desenvolveu uma imagem de inimigo extraparlamentar que lhe permitiu solidificar seu vínculo com seus próprios adeptos e seguidores.
Kurz fez o mesmo, falando de «ativistas de extrema esquerda» e os conectando com o que chamava de «islã político». Considero que um aspecto fundamental para compreender o conservadorismo radicalizado é ter em conta que sua forma de antagonizar os adversários vem do repertório da extrema direita. Não só os partidos tradicionais de esquerda, mas também os meios de comunicação, os intelectuais, os trabalhadores culturais, são colocados no lugar do «mesmo poder», de um «establishment progressista». Isto constrói um novo tipo de polarização, com adversários políticos identificáveis e grupos mais porosos.
Nisso também vemos o papel que as batalhas culturais têm para os conservadores radicalizados...
Exatamente. Não devemos esquecer que um dos aspectos do conservadorismo radicalizado consiste em participar ativamente das guerras culturais que têm caracterizado a extrema direita. De fato, as chamadas batalhas culturais pareciam, num primeiro momento, limitar-se às extremas direitas, que haviam deslocado seu terreno de ação da política para o campo da cultura. Este deslizamento lhe permitiu entender os partidos de uma nova forma: não mais como organizações que procuram gerir e que discutem entre si as decisões, mas como organizadores culturais que defendem uma espécie de futuro e ordem. É claro que a natureza da guerra cultural tem um sentido moral: ela se apresenta como uma luta antagônica entre um «nós » e um «eles» que corresponde aos «bons» e aos «maus». O que o conservadorismo radicalizado faz não foi importar simplesmente a lógica do antagonismo da extrema direita (os nativos contra os imigrantes ou contra os islâmicos que «destroem a cultura nacional»), mas misturá-la com a perspectiva polarizadora dos neoliberais (separando, por exemplo, os trabalhadores dos preguiçosos). Nesse sentido, o conservadorismo radicalizado funde posições, combinando questões relacionadas à identidade com as de classe.
Como funciona a questão da identidade nacional no conservadorismo radicalizado quando se trata de produzir esse antagonismo? Em que medida os conservadores tradicionais na Europa que fazem parte dos processos de radicalização assumem teorias da conspiração como a da «grande substituição»?
Desde o início, os chamados «identitários» da nova direita vincularam-se à teoria da «grande substituição». Segundo essa posição conspiratória, a Europa está em estado de alerta porque sua população e sua «identidade» serão substituídas devido à imigração, especialmente a de países islâmicos. Na base do movimento identitário está a reivindicação do que eles consideram uma espécie de «identidade autóctone», tanto nacional como continental. Nesse sentido, existe a marca do que ficou conhecido como «etnopluralismo». Segundo o etnopluralismo, cada cultura corresponde a um espaço particular, de modo que as diversas culturas não devem se misturar, e sim, pelo contrário, «manter-se limpas». Esse processo gera a homogeneização nacional e a defesa dos «valores autóctones».
Essa posição, no entanto, já não é patrimônio exclusivo dos identitários; passou a fazer parte do repertório dos conservadores que se radicalizam. No caso de Kurz, essa tese se manifestou de forma muito clara quando seu partido, o ÖVP, afirmou que a esquerda procurava mudar a composição do país através de naturalizações em massa e da concessão do direito de voto aos estrangeiros. Somou-se a isso, muito claramente, a batalha de Kurz contra o que chamou de «islã político», quando ele quis introduzir, em 2020, uma lei na qual considerava os muçulmanos uma população homogênea e lhes imputava posições unívocas.
A extrema direita costumava ter características antissemitas. Agora parece haver um cenário misto: por um lado, manifestam-se posições antissemitas associadas a teorias conspiratórias sobre George Soros – que alguns até retratam com as características faciais que o nazismo atribuiu aos judeus nas suas caricaturas –, mas ao mesmo tempo há uma defesa do Estado de Israel e, sobretudo, do seu líder, Benjamin Netanyahu. A direita radical tem se inclinado para a islamofobia, mesmo mantendo substratos antissemitas?
Efetivamente, é um cenário complexo e há tendências que deslizam do antissemitismo para a islamofobia. Mas, como você diz, há posições antissemitas que permanecem e se verificam, por exemplo, na personificação de Soros. Certo é que parte da extrema direita pode ter um substrato cultural antissemita, mas está ligada ao regime iliberal de Netanyahu. Viktor Orbán é o exemplo perfeito dessa situação: é alguém que não só fez campanha em relação ao tema de Soros, mas também expressou posições antissemitas, e ainda assim afirma que Netanyahu é um «grande líder». Mas, por outro lado, devemos acrescentar algo mais a essa questão: nesta estratégia geral das direitas radicais, Netanyahu não parece se preocupar muito por ter relações estreitas com líderes com conotações antissemitas. Há aí uma aliança estratégica e é preciso pensar nisso.
Deixe-me fazer uma última pergunta. Seu livro começa levantando uma questão essencial: há demasiada discussão sobre a crise da esquerda e da social-democracia, e muito pouca sobre a crise do conservadorismo tradicional. Mas, em termos muito concretos, a senhora relaciona uma situação de crise com outra. A esquerda também teve responsabilidade nesse processo? Qual tem sido o seu problema? Não ter conseguido unificar as demandas materiais e pós-materiais?
Nenhum dos líderes do conservadorismo radicalizado caiu do céu. Em boa medida, e concordo com o que você propõe, eles são também uma resposta ao modelo anterior. Durante muito tempo, conservadores e social-democratas se assemelhavam, e se instalou uma dinâmica em que parecia que nenhum outro tipo de mudança era possível. Essa ideia de impossibilidade de mudanças levou ao que Colin Crouch chamou de «pós-democracia». Ao não produzir mudanças substanciais, os sociais-democratas foram vistos como parte de um sistema que tinha se tornado conservador. A radicalização dos conservadores e o seu apelo a mudanças e transformações modificaram um panorama político paralisado em algo pior. Mas, certamente, há uma responsabilidade das forças da esquerda partidária que, durante anos, ocuparam um lugar no sistema político sem desenvolver uma série de políticas coerentes a partir do próprio poder. A este respeito, contudo, eu gostaria de dizer uma coisa: voltar atrás também não é a solução.
Acredito que uma certa nostalgia do passado pode inclusive produzir posições que não incentivem a transformação. O sistema político mudando significativamente, e o Estado que eu conheci, sobretudo aquele que os meus pais conheceram, já não existe. Já dissemos isso: desde 1945, os social-democratas e os conservadores estabilizaram o sistema político, desenvolveram uma economia social de mercado e procuraram uma conciliação de interesses. Mas os partidos conservadores claramente não estão hoje nessa posição. Os sociais-democratas tentam, de uma forma ou de outra, regressar a essa «velha normalidade». Se a social-democracia não quiser se estabilizar como uma força conservadora, tem que propor um horizonte diferente. Qual é o caminho que ela pode propor daqui para frente? Essa é a grande questão, e ela deve ousar perguntá-la.
Tradução: Eduardo Szklarz
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1.
A organização adotou o nome do poeta estadunidense Ezra Pound, partidário declarado de Benito Mussolini e residente na Itália entre as décadas de 1920 e 1970 [N. do E.].