Artículo
NUSO Nº Setembro 2013

A crise global: brechas que se reduzem. O desafio dos países emergentes

Enquanto a maior parte das economias avançadas sofre os efeitos da crise econômica e financeira, os países emergentes têm preenchido algumas brechas em relação a elas, pelo menos no que se refere ao produto bruto. Sem dúvida, as lacunas associadas com outras variáveis, como renda per capita, investimento em tecnologia e níveis médios de nutrição, continuam abertas a favor do Norte. O conceito de «década perdida», utilizado no contexto da periferia, é cada vez mais aplicável para os países desenvolvidos. Frente a uma crise sem perspectiva de solução, o g-7 repete uma série de expressões de desejos, ao mesmo tempo em que as políticas de ajuste ameaçam provocar efeitos contrários aos buscados para superar as incertezas.

A crise global: brechas que se reduzem. O desafio dos países emergentes

Em meados do verão boreal de 2011, a revista The Economist chamou a atenção para o seguinte fato:

O PIB real da maioria das economias opulentas ainda se encontra abaixo do nível alcançado no final de 2007. Em contraste, o produto das economias emergentes cresceu ao redor de 20% no mesmo período. As calamidades do mundo dos ricos têm acelerado, de maneira muito clara, a transferência do poderio econômico global para as economias emergentes.1

De fato, a partir de 1998, a contribuição destas últimas economias para o produto bruto global em paridade do poder de compra (PGB/PPC) é maior que a das economias avançadas. Em outras palavras, modificou-se a brecha de produção entre os dois grandes segmentos da economia mundial: atualmente, o aporte do Sul ao produto mundial é maior que o do Norte2.

A Grande Recessão (2007-2009) precipitou essa transferência, na medida em que se manifestou em reduções do PIB de distinta gravidade em praticamente todas as 23 economias avançadas, ao mesmo tempo em que o crescimento de algumas das maiores economias emergentes apenas desacelerou. Se forem examinadas as taxas de crescimento econômico real em 2010 calculadas em paridade do poder de compra pelo Banco Mundial (BM)3, o produto total das 23 economias avançadas naquele ano foi equivalente a 47,2% do produto global, o que supõe uma diferença a favor das economias do Sul de 2,5% da produção mundial medida dessa forma.

No entanto, essa transferência – segundo a formulação do Fundo Monetário Internacional (FMI) – do poderio econômico global para as economias emergentes está longe de ser um fenômeno recente. Ao menos desde 1980, quando o BM começou a calcular as cifras nacionais do PIB em paridade do poder de compra, o crescimento tem sido em geral mais acelerado nas economias do Sul que nas avançadas, e a diferença a favor das primeiras tem aumentado de maneira bastante consistente.

As projeções de crescimento para 2013 feitas pelo BM mostram-se congruentes com a tendência observada nos últimos anos. Nos próximos dois, o crescimento médio das economias do Sul será cerca de quatro pontos maior que o das avançadas. Em suma, como resultado de uma longa tendência, nos últimos anos da primeira década deste século a brecha de produto total foi invertida a favor dos países em desenvolvimento. Outras brechas – como a renda per capita, o investimento em ciência e tecnologia ou níveis médios de nutrição, para mencionar algumas – continuam abertas a favor dos países avançados, embora, em muitos casos, a tendência seja de redução. Assim, na primeira metade do presente século, as diversas distâncias entre o Norte e o Sul serão, cada vez mais, brechas que diminuem.

Uma visão em meados de 2011: atividade e emprego

Por outro lado, o verão boreal de 2011 trouxe consigo uma série de acontecimentos extremamente negativos e desanimadores. Atores-chave do segmento avançado da economia mundial, em particular os Estados Unidos e a União Europeia, entraram em espirais perversas que prejudicaram de diversas maneiras, e com diferentes graus de intensidade, tanto suas perspectivas econômicas e financeiras como a funcionalidade de seus sistemas políticos e condições de governabilidade presentes e imediatas. A crise da dívida, os programas de ajuste da recessão e as manifestações agudas de tensão social – que nas décadas de 1970 e 1980 assolaram diversas regiões do mundo em desenvolvimento, especialmente a América Latina e o Caribe – parecem ter se localizado em alguns países avançados, sobretudo, mas não exclusivamente, na denominada «periferia europeia». O próprio termo «década perdida», utilizado para ressaltar o impacto mais amplo daquelas crises, ajustes e tensões na América Latina, começou a ser empregado em alusão a uma consequência não totalmente descartável, três ou quatro décadas depois, em algumas economias avançadas. A crise da dívida e suas sequelas parecem ter-se trasladado ao mundo desenvolvido4.

O panorama do mundo em desenvolvimento oferecia, em contraste, uma visão geral mais favorável. No começo de 2011, esperava-se que os países em desenvolvimento continuassem empurrando a recuperação econômica global, embora com uma força bastante menor do que a observada em 2010. A expansão esperada nas economias em desenvolvimento – 6% real, um ponto inferior à registrada em 2010 – seria afetada pelo enfraquecimento previsto no setor avançado da economia mundial e pela própria resistência de muitos países em desenvolvimento a reforçar, ou inclusive manter, os estímulos fiscais, a expansão do crédito e as demais políticas anticíclicas empregadas para combater a recessão5. Mais especificamente:

- As perspectivas de crescimento para a África em 2011 permaneciam otimistas, apesar de alguns perigos, e se esperava um crescimento da ordem de 5% real. Entre os fatores positivos, destacavam-se a recuperação da demanda pelas exportações e dos preços dos produtos básicos; maiores entradas de recursos por investimento direto em indústrias extrativas e ajuda ao desenvolvimento; maior atividade no setor de serviços, especialmente em telecomunicações; e uma demanda mais robusta dos consumidores. Essa recuperação ainda precisava se trasladar ao mercado de trabalho na forma de reduções sensíveis do desemprego, sobretudo entre os jovens e os grupos vulneráveis6.- Na América Latina e no Caribe, esperava-se que a recuperação iniciada na segunda metade de 2009, após a crise internacional, fosse mantida em 2001, e que a região crescesse 4,7% graças ao impulso da demanda interna, o que significava um aumento de 3,6% do PIB por habitante e uma redução da taxa de desemprego de 7,3% em 2010 para entre 6,7% e 7% em 2011. Para 2012, em virtude de um contexto internacional menos favorável, previa-se que a região cresceria apenas 4,1%7.

- Para as economias em desenvolvimento da Ásia e do Pacífico, como reflexo da consolidação do processo de reativação econômica, o crescimento previsto era de 7,3% em 2011, ao redor de 1,5 pontos porcentuais menos que no ano anterior, devido à queda das políticas de estímulo fiscal, à adoção de políticas monetárias restritivas e ao fraco crescimento das economias avançadas. A recuperação foi sentida nos mercados de trabalho através da criação de novos empregos, mas ainda havia preocupação com a qualidade dos postos criados e com a vulnerabilidade dos trabalhadores8.

- Em relação à Ásia ocidental, a perspectiva de crescimento para 2011 era relativamente robusta, com taxas de crescimento do PIB em torno de 4,2% nos países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e de 5,7% nas economias mais diversificadas, previstas antes dos episódios de instabilidade sociopolítica. Apesar da perspectiva positiva para a economia e o crescimento, o panorama social mostrava-se negativo, e era provável que se registrassem maiores quedas em quase todos os indicadores de desenvolvimento social (pobreza, emprego e igualdade de gênero) e humano (saúde e educação). A região parecia ter enfrentado bem a crise econômica global, mas era de se esperar que o desenvolvimento social fosse afetado negativamente nos anos seguintes9.

Recuperação em duas velocidades

Como resultado de dois acontecimentos quase simultâneos, ocorridos no começo de agosto de 2011 – o primeiro rebaixamento da qualificação do crédito soberano de longo prazo dos EUA por uma das principais agências qualificadoras e o risco iminente de que os membros centrais da UE sofressem uma insustentabilidade em matéria de crédito –, foram observadas quedas de alcance global nas bolsas de valores, que recordaram as registradas em 2008 e 2009 no auge da Grande Recessão. Ficou claro o risco iminente de que a economia global entrasse numa segunda fase recessiva ou, dito de outro modo, que a Grande Recessão voltasse a se manifestar: o risco de double-dip.

O setor avançado: crescimento instável e desemprego persistente. A recuperação econômica, que foi sentida a partir da segunda metade de 2009, nunca chegou a se consolidar e a se manter por si só. Numerosos analistas registraram esse fato na imprensa financeira internacional. Um deles, Nouriel Roubini, o fez nestes termos, no começo de agosto:

- a primeira metade de 2011 presenciou uma desaceleração do crescimento – ou até mesmo uma contração aberta – na maioria das economias avançadas;- os dados recentes dos EUA têm sido deploráveis: criação de emprego muito limitada, depressão persistente do setor de moradias, queda na confiança das empresas e dos investidores, com perspectiva de cair ainda mais; - do outro lado do Atlântico, a periferia europeia está passando por uma contração, ou, no melhor dos casos, apenas crescendo um pouco. É muito elevado o risco de que a Itália, a Espanha, ou ambas, percam acesso aos mercados de dívida;- o Reino Unido teve um crescimento achatado em virtude da austeridade e um Japão estruturalmente estagnado crescerá alguns trimestres, após a recaída resultante do terremoto, para depois estancar de novo quando não houver mais estímulos10.

De fato, como se adverte no gráfico 2, após o período recessivo, que ocorreu em geral do quarto trimestre de 2008 ao quatro trimestre de 2009 – com a exceção da Espanha e do Reino Unido, onde a recessão prosseguiu até os primeiros trimestres de 2010 –, houve uma recuperação inicial mais ou menos vigorosa na maioria das economias avançadas do G-20. No entanto, a reativação tem se esfriado, em alguns casos de maneira muito significativa, desde o último trimestre de 2010 e, de forma ainda mais generalizada, no primeiro semestre de 2011. Em geral, a contração aumentou no segundo trimestre em relação ao primeiro.

As previsões de crescimento para 2011 e os dois anos seguintes têm sido revisadas para baixo, e vem sendo imposta a convicção de que o setor avançado enfrenta uma perspectiva de estagnação ou crescimento sumamente baixo, se é que conseguirá evitar uma nova recessão. Como advertiu o economista Paul Krugman, «cabe esperar uma prolongada era de desastroso funcionamento econômico», que, em contraste com a histórica Grande Depressão, é chamada de «Depressão Menor»11.

Além da queda do produto, a Grande Recessão se manifestou na explosão do desemprego. Nesse campo, a frágil recuperação não trouxe consigo nenhum alívio importante. Como mostra o gráfico 3, as economias avançadas do G-20 (com a exceção da Alemanha) registraram, no fechamento do segundo trimestre de 2011 e após vários trimestres de atividade econômica crescente, taxas de desemprego substancialmente iguais ou apenas marginalmente menores que as mais altas observadas durante a contração econômica. A outra exceção é a Espanha, onde a retração da atividade se estendeu até meados

de 2010 e o desemprego continuou aumentando de maneira irrefreável até meados do ano seguinte.

Com relação à persistência do desemprego, um estudo recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que, depois de transcorridos dois anos desde o início da recuperação da atividade econômica, em fins de 2010 a taxa média de desemprego entre seus membros «se encontrava ainda próxima do máximo histórico alcançado durante a crise: dois pontos percentuais ou mais acima do nível pré-crise em 12 deles»12. Além disso, entre o terceiro trimestre de 2007 e o quarto de 2010, o desemprego havia aumentado em 28 dos 30 países da organização.

«Uma preocupacao central – prossegue o estudo – é que nos países mais grave e persistentemente afetados por altos níveis de desemprego, com um número crescente de trabalhadores desocupados por longos períodos, será verificada uma extensa deterioração do capital humano, desalento e abandono do mercado de trabalho»13.

O segmento emergente: reativação sem emprego suficiente. Em sete das dez economias emergentes do G-20 para as quais existem cifras trimestrais de evolução do PIB14, a reativação econômica teve início desde o último trimestre de 2009. As exceções foram México, Rússia e África do Sul, que continuaram registrando contração no período. Em geral, a velocidade da reativação, medida em taxas trimestrais de crescimento do PIB observadas entre o primeiro

ou o segundo trimestre de 2010 e, novamente, o primeiro ou o segundo de 2011, superou o crescimento prévio à recessão, ou seja, ao observado nos três primeiros trimestres de 2008. As exceções foram Índia, Indonésia, Rússia e África do Sul, cuja reativação não superou a dinâmica anterior à crise. Vale notar que a Índia e a Indonésia não registraram nenhuma contração, embora seu crescimento tenha desacelerado.

Por outro lado, a recuperação das economias emergentes do G-20 em geral tem sido mais vigorosa que a do segmento avançado. Sete dos dez países que integram o primeiro grupo registraram, em média, taxas trimestrais de crescimento acima de 5% entre o começo de 2010 e o primeiro ou segundo trimestres de 2011. As exceções foram novamente México, Rússia e África do Sul, cuja reativação se manteve a taxas medias inferiores a 5%. Além disso, no segundo trimestre se observa um enfraquecimento generalizado. A reativação tampouco trouxe consigo uma melhora considerável do desemprego nos países emergentes do G-20.Os níveis de desemprego observados nos trimestres de contração mais aguda durante a crise não sofreram reduções significativas. As exceções, neste caso, foram China, Rússia e Turquia. Na África do Sul, ao contrário, observa-se uma deterioração.

Índice de solidez da recuperação. Em um trabalho realizado em 201015, elaborei um índice básico de gravidade da crise no G-20 que refletia, em um só número, o grau de diminuição da atividade econômica (medido pela queda trimestral do PIB), a duração do período recessivo (medida pelo número de trimestres com taxa negativa de crescimento) e a destruição ou ausência de criação de emprego (medida pelo aumento das taxas de desemprego). Um índice mais alto significa maior gravidade em termos de perda de dinamismo econômico, duração da recessão e aumento do desemprego. O resultado do exercício é mostrado no gráfico 7.

Da mesma maneira, pode-se elaborar um índice de solidez da recuperação. Para isso, a taxa trimestral média de aumento real do PIB no período de reativação – em geral, desde o terceiro ou o quarto trimestre de 2009 até o segundo de 2011 – é somada à redução da taxa de desemprego entre o máximo alcançado durante a crise e o nível observado no segundo trimestre ou no fechamento de junho de 2011. O resultado é multiplicado pelo número de trimestres com taxa positiva de crescimento do PIB a partir do início da recuperação. Quanto maior for a cifra resultante, mais sólida terá sido a recuperação. Ou seja: uma reativação mais vigorosa e continuada soma-se a uma maior queda no desemprego. Os resultados desse exercício são mostrados no gráfico 8.

Em geral, o índice coincide com a visão intuitiva que se desprende da informação pública sobre a evolução das economias do G-20. A seguir, enumeram-se algumas precisões:

- A China e a Índia se encontram no topo e as demais economias emergentes do G-20 ocupam a parte superior da tabela, com índices mais altos, o que não é motivo de surpresa;

- A exceção em relação à África do Sul se deve aos aumentos do desemprego simultâneos a uma leve recuperação do produto. O índice alto da Turquia, que registrou a maior gravidade da crise, reflete as taxas de crescimento de dois dígitos alcançadas em vários trimestres e a continuidade da recuperação por sete trimestres consecutivos, embora sua taxa de desemprego se mantenha elevada;

- Não surpreende que a recuperação mais sólida dos países avançados do G-20 seja a da Alemanha, nem que as mais frágeis sejam a italiana e a britânica.

- O índice negativo da Espanha mostra a persistência da contração econômica até o segundo trimestre de 2010, a fraca reativação posterior e, sobretudo, o aumento irrefreável do desemprego, que registrou apenas uma melhora marginal no primeiro trimestre de 2010 e piorou no resto do período considerado.Em seu blog Daily Chart, The Economist se pergunta, em 18 de agosto de 2011, quais economias têm se comportado melhor ou pior desde o início da crise. A resposta lança mão de apenas um indicador: o PIB per capita de 29 países (entre os quais se incluem os avaliados nos índices de gravidade da crise e de solidez da recuperação) entre o último trimestre de 2007 e o segundo de 2011. A conclusão: «com essa medição, o Canadá ainda está 1% abaixo de seu nível antes da crise e os EUA, 3,5% abaixo. Entre os países do G-7, somente a Alemanha ultrapassou o nível pré-crise»16.Chama a atenção a coincidência de resultados entre as duas medições: os oito países com melhor índice de solidez são também os oito com melhor evolução do PIB per capita e, no outro extremo, com uma exceção, os oito países com índice mais baixo coincidem com os de menor crescimento do PIB per capita no período considerado, como mostra o gráfico 9.

O fim-de-semana euro-estadunidense

De mesmo jeito que o termo «mexican weekend» foi usado para denominar o momento inicial da crise da dívida na América Latina, em agosto de 1982, e que desembocou na década perdida e outras calamidades, poderia-se chamar o período de 6 e 7 de agosto de 2011 como o «fim-de-semana euro-estadunidense», que pode marcar a recaída da Grande Recessão. Na véspera, a agência Standard & Poor’s rebaixou para AA plus a qualificação da dívida soberana de longo prazo dos EUA, e na mesma semana muitos índices de cotização das bolsas de valores do mundo registraram as quedas mais pronunciadas desde os piores momentos da crise financeira que desembocou na Grande Recessão.

Como enfatizou um jornalista:

Enquanto as preocupações financeiras da Europa se estendiam a novos países, os EUA e outros mercados globais viviam uma das semanas mais tumultuadas de que se tem notícia na bolsa de valores. Os mercados amanheceram na segunda-feira 8 com persistentes preocupações sobre a Europa, ansiedade pela perspectiva de uma recaída recessiva e desanimadoras sequelas do histórico rebaixamento da nota dos EUA em sua qualificação por parte da agência Standard & Poor’s dias antes17.

Nos dias prévios e posteriores ao fim-de-semana euro-estadunidense, circularam muitas informações sobre os riscos de ampliação e contágio da crise, mas praticamente nenhuma a respeito de tentativas coordenadas para enfrentá-la. Comentou-se também a respeito de consultas telefônicas entre altos funcionários de ambos os lados do Atlântico. O que acabou sendo anunciado, contudo, foram iniciativas nacionais por parte dos EUA e decisões europeias. Os mecanismos de coordenação, especialmente os do G-20, parecem ter ficado à margem de qualquer ação significativa.

Durante o fim-de-semana ou nos dias imediatamente posteriores, tanto o G-7 como o G-20 emitiram declarações. A primeira, divulgada no domingo 7, esteve a cargo do G-718. Tratou-se de um texto cheio de retórica e pobre em elementos de credibilidade. Com 350 palavras distribuídas em seis parágrafos, o documento só fez, uma vez mais, reiterar os objetivos mais gerais sobre os quais ninguém pode estar em desacordo, ante a impossibilidade de anunciar ações específicas sobre as quais seus integrantes não conseguem estabelecer acordo algum.

O G-7 começa celebrando «as ações decisivas adotadas nos EUA e na Europa». Das primeiras, isto é, do acordo para elevar o teto de endividamento público e cortar os gastos, o grupo espera, «no médio prazo, uma redução substancial do déficit». Já das segundas ações, relacionadas com a aquisição de bônus espanhois e italianos pelo Banco Central Europeu (BCE), o G-7 espera a estabilização dos mercados financeiros. Prefere não se referir às suas consequências sobre o crescimento e o emprego, que em ambos os casos podem ser negativas.

Já com relação aos cortes de gastos adicionais anunciados pela Espanha e a Itália, o G-7 espera que «fortaleçam a recuperação da atividade econômica e a criação de empregos». Mas se esquece de que o ajuste recessivo em ambos os países já enfraqueceu a reativação e a expansão do desemprego. Nos dois países a recuperação foi freada e o desemprego disparou no primeiro semestre de 2011, como parte do panorama de estagnação com desemprego que a Europa viveu no período.

O documento do G-7 reitera seu compromisso de «adotar ações coordenadas, quando for necessário, a fim de garantir a liquidez e apoiar a operação dos mercados financeiros, a estabilidade financeira e o crescimento econômico». Não menciona as políticas, ações ou medidas específicas que permitiriam satisfazer esses propósitos, pois não há acordo suficiente a esse respeito, nem na Europa nem no G-7. Quando se refere a ações já adotadas, o faz para ressaltar suas limitações e condicionantes: «a participação do setor privado na Grécia é uma medida extraordinária, em virtude de circunstâncias únicas, que não será aplicada em nenhum outro estado-membro da zona do euro». Cabe questionar por que, na conjuntura crítica do fim-de-semana euro-estadunidense, julgou-se necessário tranquilizar os donos de bônus italianos, espanhois e franceses, reiterando-lhes que qualquer acordo não implicará um «hair-cut». Talvez tivesse sido preferível tentar acalmar os jovens desempregados que, entre outros grupos, manifestaram seu descontentamento em diversas cidades europeias naquele fatídico agosto.

Um dia depois do pronunciamento do G-7, os ministros de Finanças e os presidentes de bancos centrais do G-20 divulgaram sua própria declaração19. Não devem ter realizado debate algum para adotá-la, já que se limitaram a copiar o primeiro e o último parágrafos da declaração do G-7, acrescentando apenas uma referência ao chamado «Framework for Growth» aprovado em alguma de suas reuniões anteriores.

Essa triste prova de subordinação do G-20 em relação ao G-7 deve ser deplorada. Na circunstância mais delicada e arriscada que a economia global atravessa desde os momentos mais tensos da Grande Recessão, o G-20 – auto-proclamado foro por excelência para a cooperação econômica e financeira internacional – não foi capaz de agregar uma única ideia original a respeito do que foi ressaltado pelos representantes das sete economias dominantes, algo que já nem sequer elas são de fato.

O perigo de cair numa recessão generalizada, cuja probabilidade tem aumentado, não levou a uma reformulação profunda das estratégias para enfrentar a crise – nem as nacionais nem a até agora inexistente estratégia conjunta do G-20. Diante dessa situação, faz-se imperioso definir os termos desse debate. É preciso abandonar as políticas de ajuste recessivo que estão sendo impostas ao endividados como condição para ações de resgate financeiro. Deve-se reconhecer que, em condições de estagnação prolongada e desemprego agudo, será impossível restabelecer a estabilidade e a viabilidade dos sistemas financeiros. A verdadeira resposta à crise da dívida é a restauração do crescimento econômico e a redução do desemprego. É possível que o custo das ações para conseguir essas metas agrave temporariamente os desequilíbrios financeiros e provoque alguma pressão inflacionária, mas vai proporcionar também os parâmetros para restabelecer, no médio prazo, condições sustentáveis de estabilidade financeira e de preços, em um clima de crescimento continuado e emprego suficiente20.

Economias avançadas e emergentes: uma visão de longo prazo

A tarefa de analisar a prospectiva de longo prazo tem sido assumida, sobretudo, por corporações financeiras privadas a fim de orientar seus clientes sobre as oportunidades de investimento em horizontes muito amplos. Os estudos de prospectiva da Goldman Sachs (GS) e da PricewaterhouseCoopers (PWC) são os mais amplamente citados. Não encontrei estudos de prospectiva posteriores à crise, pois esta não terminou e suas repercussões reais ainda estão por ver-se21. A análise de prospectiva mais recente da PWC foi feita no princípio de 2008, tem o ano 2050 como horizonte e se concentra nas dez economias emergentes que, em sua visão, oferecem as melhores perspectivas de avanço econômico22. Por sua vez, a GS, depois de explorar a ideia dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), maneja agora um conjunto de oito economias (os BRIC mais México, Coreia do Sul, Indonésia e Turquia), que denomina «mercados em expansão». A conclusão é feita a partir de projeções de crescimento e outras variáveis econômicas que datam de fins de 200523. Tanto a GS como a PWC comparam as economias selecionadas com os EUA, a economia líder, e com os restantes países do G-724.

De acordo com as projeções da GS e, com leves diferenças numéricas, da PWC, na primeira metade do século as economias emergentes – ou mercados em expansão – ganham terreno em relação à economia dos EUA e, portanto, em relação às demais economias avançadas e dentro da economia mundial. Em alguns casos, o avanço é imperceptível (Coreia, Turquia); noutros, relativamente modesto (Indonésia, Rússia). Já em outros, mais importante (Brasil, México). E nos dois casos conhecidos por todos (Índia e China), espetacular. Em 2050, a China terá ultrapassado com folga os EUA, e é preciso lembrar que a Índia, o Brasil e o México terão superado o Japão e as demais economias avançadas que integram o G-7.

Entre as suposições básicas das projeções, algumas são relativas a políticas econômicas que permitiriam o comportamento virtuoso das economias emergentes: - altas taxas de investimento, que permitam o crescimento do capital físico acumulado da sociedade, em infra-estrutura e instalações produtivas;

- crescimento da força de trabalho, de forma que sua disponibilidade não se transforme em uma restrição ao crescimento econômico, como ocorrerá nas economias avançadas;

- melhora da qualidade da força de trabalho, como resultado de altos níveis de cobertura do sistema de educação em todos os níveis e de uma oferta suficiente de educação de qualidade; e

- avanço tecnológico continuado, produto de uma atividade dinâmica no setor de pesquisa e desenvolvimento técnico-científico, que potencialize o aumento da produtividade total dos fatores.

Como se nota à primeira vista, para satisfazer esses quatro requisitos essenciais que tornariam real a promessa das projeções apresentadas, os países emergentes precisam, para além da crise, acentuar e manter o ritmo de crescimento continuado e sustentável.

Dessa forma, as brechas continuarão se estreitando a favor das economias emergentes na primeira metade do século.

  • 1. «Economic Focus – Why the Tail Wags the Dog – Emerging Economies Now Have Greater Heft on Many Measures than Developed Ones» em The Economist on line, 6/8/2011, www.economist.com/node/21525373.
  • 2. É preciso lembrar que, para essa análise, a revista britânica recorreu à formulação mais tradicional desses conjuntos: a antiga fronteira Norte-Sul que caracterizou os debates econômicos multilaterais nos anos 70 e 80 do século passado, quando o Sul propunha uma nova ordem econômica internacional. Esse conceito reapareceu agora em outros debates: 23 economias avançadas, de um lado, e o resto das economias do mundo, de outro.
  • 3. bm: Global Economic Prospects June 2011: Maintaining Progress amid Turmoil, bm, Washington, dc, 2011, p. 2, quadro 1.
  • 4. V., por exemplo, «Are the Advanced Economies Facing a Lost Decade?», Oxford Economics, Special Report, 7/2011.
  • 5. V. Organização das Nações Unidas (onu): World Economic Situation and Prospects 2011, 18/1/2011, disponível em www.unctad.org/templates/webflyer.asp?docid=14329&intItemID=2068&lang=1. Trata-se de um estudo realizado em conjunto pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (desa), a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (unctad) e as comissões econômicas regionais das Nações Unidas.
  • 6. Comissão Econômica para a África (cepa): Economic Report on Africa 2011, cepa, Addis Abeba, 2011, cap. 2, disponível em www.uneca.org/era2011/.
  • 7. Comissão Econômica Europeia para a América Latina e o Caribe (Cepal): Estudio económico de América Latina y el Caribe 2010-2011, apresentação à imprensa, 13 de julho de 2011.
  • 8. Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico: Economic and Social Survey of Asia and the Pacific 2011, resumo executivo, maio de 2011, disponível em www.unescap.org/pdd/publications/survey2011/download/survey2011-summary.pdf.
  • 9. Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental: Survey of Economic and Social Developments for the escwa Region 2009-2010, prefácio, fevereiro de 2011.
  • 10. N. Roubini: «Mission Impossible: Stop Another Recession» em Financial Times, 7/8/2011, www.ft.com/intl/cms/s/0/f443f640-c115-11e0-b8c2-00144feabdc0.html#axzz1iJPdBWgw.
  • 11. «The Political Economy of the Lesser Depression» en The Conscience of a Liberal, blog do The New York Times, 16/7/2011, http://krugman.blogs.nytimes.com/2011/07/16/the-political-economy-of-the-lesser-depression/.
  • 12. ocde: «Persistence of High Unemployment – What Risks? What Policies?», oecd Economics Department Policy Notes Nº 5, 2011.
  • 13. Ibid.
  • 14. Como é bem sabido, The Economist publica semanalmente, dentro da seção «Economic and Financial Indicators», uma utilíssima tabela com cifras atualizadas sobre produto, preços e emprego onde se adverte que a Arábia Saudita, a décima economia não avançada do g-20, só divulga dados anuais de crescimento econômico, o que impede a inclusão do país no tipo de análise aqui apresentado. No que tange ao desemprego, as cifras da China e da Índia também são anuais e as da Indonésia, semestrais (fevereiro e agosto).
  • 15. J.E. Navarrete: «Crisis y reactivación: rumbos y desvíos» em Economía unam Nº 21, 9-12/2010, pp. 57-79.
  • 16. «gdp Recovery since the Recession: Deep Freeze» em Daily Chart Blog, The Economist online, 18/8/2011, www.economist.com/blogs/dailychart/2011/08/gdp-recovery-recession.
  • 17. Zachary A. Goldfarb y Neil Irwin: «Geithner, Bernake Have Little in Arsenal to Fight the Crisis» em The Washington Post, 14/8/2011.
  • 18. A declaração do g-7 foi reproduzida, inter alia, pelo Financial Times, 8/8/2011.
  • 19. V. «Statement of g-20 Finance Ministers and Central Bank Governors – August 8, 2011» em www.g20.org/Documents2011/08.
  • 20. Uma visão de conteúdo muito semelhante foi apresentada pela recém-designada diretora-gerente do fmi nas páginas de opinião do Financial Times em 15 de agosto. In nuce, Christine Lagarde propõe que se priorizem a consolidação fiscal a médio prazo e os estímulos imediatos ao crescimento e ao emprego, pois «quem vai acreditar que os compromissos de corte [de gastos] vão sobreviver a uma longa estagnação com alto desemprego e insatisfação social prolongados?» Ch. Lagarde: «Don’t Let Fiscal Brakes Stall Global Recovery» em Financial Times, 15/8/2011, disponível em www.ft.com/intl/cms/s/0/315ed340-c72b-11e0-a9ef-00144feabdc0.html#axzz1iJPdBWgw.
  • 21. É preciso levar em conta que os estudos de prospectiva disponíveis foram elaborados antes da Grande Recessão. Além disso, em geral, suas projeções e modelos não incorporam possíveis acontecimentos catastróficos – como a própria Grande Recessão para a economia mundial ou o terremoto, o tsunami e o acidente nuclear de 2011 para a economia do Japão – considerados imprevisíveis.
  • 22. John Hawksworth e Gordon Cookson: The World in 2050 – Beyond the brics: A Broader Look at Emerging Markets Growth Prospects, PricewaterhouseCoopers, Nova York, 2008, disponível em www.pwc.com/en_GX/gx/world-2050/pdf/world_2050_brics.pdf.
  • 23. Jim O’Neill et al.: «How Solid are the brics», Global Economics Paper Nº 134, Goldman Sachs, Nova York, 1º de dezembro de 2005, revisado em maio de 2011 no vídeo de Jim O’Neill: «Introducing ‘Growth Markets’», www2.goldmansachs.com/ideas/.
  • 24. Tanto o México como a Coreia do Sul representam 1,6% do pib mundial em termos nominais; Turquia e Indonésia, 1,2% y 1,1%, respectivamente; China é a segunda economia mundial, com 9,3% do pib global (eua tem 23,6%), ao passo que o Brasil, a Índia e a Rússia têm, em conjunto, 8%.
Este artículo es copia fiel del publicado en la revista Nueva Sociedad , Setembro 2013, ISSN: 0251-3552


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