Entrevista
julio 2023

O que está acontecendo com as extremas direitas na Europa?

Entrevista com Steven Forti

Disponible en español

As extremas direitas já fazem parte do cenário político europeu. Com altos e baixos, buscam maior influência à escala da União Europeia, num contexto de alianças com as direitas tradicionais.

<p>¿Qué pasa con las extremas derechas en Europa?</p>  Entrevista a Steven Forti

Nos últimos tempos, as extremas direitas não apenas entraram nos parlamentos de quase todos os países europeus, mas também nos governos de vários deles. Enquanto isso, os chamados «cordões democráticos» para isolar os ultradireitistas foram enfraquecidos, ou diretamente rompidos, enquanto eles eram normalizados e «desdemonizados». A extrema direita inclusive planeja sua batalha para ganhar espaço no âmbito da UE. Para analisar esse fenômeno, entrevistamos Steven Forti (Trento, Itália, 1981), professor de História Contemporânea na Universidade Autônoma de Barcelona. Forti é o autor de Extrema derecha 2.0. Qué es y cómo combatirla (Siglo XXI, Madri, 2021) e coautor de Patriotas indignados. Sobre la nueva ultraderecha en la Posguerra Fría. Neofascismo, posfascismo y nazbols (Alianza, Madri, 2019). Atualmente, é o coordenador local do projeto europeu Análise e Resposta a Discursos Extremistas (Analysis and Response to Extremist Narratives, ARENAS). 

Meses atrás as extremas direitas pareciam estagnadas, mas hoje vemos um certo renascimento (Finlândia, Alemanha, além de Itália e França). É isso mesmo? Nesse caso, a que o senhor atribui esse fenômeno?

Na verdade, as extremas direitas ainda estão onde estavam há cinco anos. Explico: às vezes elas avançam, às vezes retrocedem. Há razões conjunturais ou de política nacional. Às vezes, elas pagam por seus próprios erros; em outras, beneficiam-se dos erros alheios. Agora estão num momento de avanço generalizado. O que devemos deixar claro é que elas são e continuarão sendo, pelo menos por algum tempo, um importante ator político em praticamente todos os países ocidentais. O caso do Partido da Liberdade Austríaco (FPÖ) parece-me paradigmático para entender esse assunto. Depois de chegar ao governo em 2000, ele sofreu um declínio eleitoral: dizia-se que o FPÖ tinha sido um clarão que se apagou, nada mais. Alguns anos depois, no entanto, o partido voltou a crescer e entrou novamente no Poder Executivo em 2017. Dois anos mais tarde, o governo caiu devido ao chamado Ibizagate, e o FPÖ perdeu metade dos votos. Aí disseram a mesma coisa. Mas agora ele lidera novamente as pesquisas e poderia vencer as próximas eleições gerais.

Indo além do caso austríaco, lembro-me da naïveté  de certas análises feitas ainda em 2020, quando estávamos imersos na crise da pandemia. Líamos com frequência que as extremas direitas estavam em declínio porque as pessoas haviam entendido o valor e a importância da gestão política. Diziam-nos, em suma, que a onda nacional-populista havia terminado e que tudo teria voltado, mais ou menos, às tranquilas vertentes de outrora. Nada mais longe da realidade. E estamos vendo isso neste último ano porque, em primeiro lugar, as causas que explicam o auge dessas formações políticas continuam aí: o aumento das desigualdades, a ruptura da ascensão social, a chamada «reação cultural» às mudanças vividas pelas nossas sociedades, os níveis muito elevados de desconfiança dos cidadãos nas instituições, a crise dos partidos tradicionais, o sentimento de preocupação ou mesmo de medo diante das transformações que vivemos, o impacto das novas tecnologias... E, em segundo lugar, porque a guerra na Ucrânia, com todas as suas consequências –aumento da inflação, crise energética, fortalecimento dos discursos militaristas, etc.–, trouxe um clima favorável para a extrema direita. Quando há medo, a extrema direita ganha consensos porque seu discurso é baseado justamente no medo.

Os cordões democráticos parecem coisas do passado, e inclusive vemos mais alianças entre as direitas conservadoras e as extremas direitas (Itália, Finlândia, Espanha...). Como analisa essas dinâmicas hoje na Europa?

Esta é, aliás, a terceira razão que explica o avanço das extremas direitas. Se olharmos bem, exceto na Hungria e na Polônia, a extrema direita entrou em diferentes governos europeus, sempre de mãos dadas com a direita mainstream. Por um lado, as extremas direitas são conscientes de que não podem chegar ao poder sozinhas e devem selar acordos com a direita tradicional. Por outro, a direita tradicional aceitou que, se quiser governar, na maioria dos casos deve se aliar a essas forças. Por isso, está normalizando-as e legitimando-as ainda mais do que já estavam. Hoje, os cordões democráticos continuam funcionando apenas na Alemanha e, com exceções cada vez maiores, na França e na Bélgica. Além disso, na Alemanha, o líder da União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão), Friedrich Merz, gerou comoção ao abrir a possibilidade de colaboração com a Alternativa para a Alemanha (AfD) em âmbito local. Depois de receber inúmeras críticas, ele se retratou, mas aí permanece.

Em suma, sim, concordo que infelizmente os cordões democráticos são coisa do passado. Quem abriu seu banimento, recordemos, foi Silvio Berlusconi, que em 1994 levou ao governo os neofascistas do Movimento Social Italiano (MSI) e os etnorregionalistas da Liga Norte. O resultado é evidente. Que a história do país transalpino sirva de advertência.

É importante considerar um último elemento: o nível europeu. A partir do verão de 2022, uma operação idealizada por Giorgia Meloni e Manfred Weber foi lançada para selar uma aliança entre o Partido Popular Europeu (PPE), do qual Weber é presidente, e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR). Este partido de dimensão europeia, presidido por Meloni, reúne, entre outros, os Irmãos de Itália, os poloneses do Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês ), o Vox da Espanha, os Democratas da Suécia e o Partido dos Finlandeses. Todas essas são formações, exceto o PiS, que selaram acordos com a direita mainstream em seus respectivos países em diferentes níveis de governo. E essa operação pretende alterar os equilíbrios da UE para as próximas eleições europeias em junho de 2024, forjando uma aliança entre o PPE e o ECR que substitua a grande coligação entre populares, socialistas e liberais que governaram a União até agora. A derrota da direita na Espanha nas recentes eleições de 23 de julho significou um revés para essa operação. Se o PP tivesse vencido as eleições, o Vox teria garantido a entrada no Poder Executivo.

O governo de Meloni já está dando algumas pistas do que as direitas radicais podem e não podem fazer. Que balanço podemos fazer de seu governo?

Nos últimos meses, foi dito que Meloni ficou mais moderada após assumir o governo em Roma. Parece-me uma análise superficial e equivocada, que não capta realmente as transformações ocorridas. Meloni não ficou mais moderada. Ela simplesmente é pragmática. Entendeu que existem duas linhas vermelhas que não pode superar se quiser garantir sua sobrevivência política: o atlantismo e o que poderíamos chamar de eurorrealismo, ou seja, uma espécie de europeísmo de fachada. Consequentemente, sua posição sobre a guerra na Ucrânia tem sido clara: apoiar a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e enviar armas para Kiev.

Isso lhe garante ser vista como uma aliada confiável de Washington. Já com Bruxelas, ela entendeu que precisa de uma relação minimamente cordial: já não cabe pedir a saída da Itália do euro e da UE. O Brexit foi uma vacina para todos. Até porque, não esqueçamos, a Itália é a terceira maior economia da UE, mas, depois da Grécia, é o país com a maior dívida pública do continente e o maior beneficiário de fundos europeus NextGenerationEU. É necessária uma relação cordial com Bruxelas.

Isso obviamente não significa que Meloni seja a favor de uma maior integração política do continente. Ao contrário: exige que se devolvam competências Estados nacionais. Ela sabe que grosserias são contraproducentes porque se trata de uma batalha de longo prazo. O que lhe interessa é alcançar o poder em Bruxelas: daí a operação arquitetada com Weber. Fora esse pragmatismo, no entanto, em todos os outros temas Meloni continua dizendo e fazendo o mesmo que antes. A única diferença é que talvez utilize um tom mais institucional devido ao cargo que ocupa. Nesses primeiros 11 meses, a maioria de extrema direita que governa em Roma levou a cabo políticas identitárias, de redução de direitos e de ocupação manu militari das instituições e da TV pública que lembram os modelos polaco e húngaro, sem contar o projeto de uma reforma semipresidencialista que fortaleceria o Poder Executivo.

Meloni está mostrando também certa audácia política, por exemplo na questão migratória, indo para a África com um discurso quase anticolonial, dizendo que se pode frear a migração apoiando esse continente... O que o senhor pode nos dizer sobre essa estratégia e os argumentos que mobiliza, que vão além do simples discurso xenófobo?

Além de pragmática, não há dúvida de que Meloni é uma política inteligente que sabe se virar. Ela entendeu que não pode resolver a chegada de migrantes apenas com o bloqueio naval e o fechamento das fronteiras. Assim, ela molda seu discurso conforme o momento: às vezes exagera, para a satisfação de seu eleitorado mais radical, às vezes tenta se apresentar como razoável e moderada. Além disso, pode vender esse discurso como a versão prática do lema «Vamos ajudá-los [os migrantes] em sua casa». O objetivo é duplo. Por um lado, ser mais aceitável entre o eleitorado italiano que votou com relutância ou ainda não votou, mas que poderia apreciar uma postura mais institucional a respeito. Por outro, encontrar pontos de contato com as instituições europeias. A viagem à Tunísia com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a fim de chegar a um acordo com o governo do país para impedir a saída de migrantes é exemplar a esse respeito. Se a UE aceita que um governo social-democrata como o da Dinamarca mantém uma política migratória comparável à dos partidos de extrema direita, por que deveria condenar o que Meloni está fazendo? Por fim, a líder dos Irmãos de Itália tenta fechar acordos bilaterais com diversos países africanos, a fim de criar sua própria agenda para ter mais influência na região.

Voltando aos espaços de ação, os governos das extremas direitas correm o risco de mostrar uma certa impotência para fazer mudanças maximalistas, como aconteceu também com o Syriza na Grécia e o Podemos na Itália... Que margens têm essas direitas considerando, por exemplo, que as sociedades da Europa Ocidental não são as da Hungria, um pequeno país com quase nenhuma tradição democrática que aparece hoje como um modelo nacional-conservador e «iliberal» bem-sucedido?

Embora para a UE cada vez seja mais difícil, ela tem funcionado como uma espécie de proteção contra possíveis desvios iliberais. Ou pelo menos tem conseguido impedi-los parcialmente. A superação da regra da unanimidade na tomada de decisões do Conselho Europeu foi um avanço importante porque retirou o poder de veto que um governo tinha, algo que a Hungria costumava usar. Também foi importante a decisão europeia de vincular os fundos estruturais e as ajudas do plano pós-pandemia ao respeito pelo Estado de direito, o que permitiu bloquear, ainda que parcialmente, o desembolso desses fundos aos governos de Budapeste e Varsóvia. Por um lado, porém, há cada vez mais incêndios e será difícil enviar bombeiros para todos os lugares. Por outro, a extrema-direita pesa cada vez mais nas instituições em todos os níveis e pode, ou pelo menos é esta a sua tentativa, alcançar o poder em Bruxelas. Se isso acontecer, o poder de dissuasão da UE se enfraquecerá muito ou diretamente desaparecerá. Dito isso, no quadro atual, as extremas direitas podem fazer muitas coisas sem ultrapassar essas linhas vermelhas ou fazê-las aos poucos, paulatinamente, de forma difusa, para não provocar muitas reações.

Acaso alguém alçou a voz na sede europeia sobre a política de Meloni de perseguir ONGs que salvam vidas de migrantes no Mediterrâneo? Além de protestos e reclamações, alguém interveio para dar às mulheres polonesas o direito de abortar sem tantas restrições? Alguém fez alguma coisa ao saber que os novos governos regionais do PP e do Vox na Espanha aboliram a Secretaria da Igualdade, ou que, em alguns municípios governados pelos mesmos partidos, foram canceladas peças teatrais como Orlando de Virginia Woolf e filmes como Lightyear porque há duas mulheres se beijando?

Parecem coisas pequenas para nós, mas não são. Na realidade, são guerras culturais que acarretam mudanças reais e tangíveis. Por isso, concentram-se essencialmente em políticas de identidade e segurança que aos poucos mudam o imaginário das pessoas. Após isso ser alcançado, o que em última análise significa conquistar a hegemonia cultural, eles podem ir para outro nível e questionar a separação de poderes. Veja o caso da Hungria, mas também da Polônia, onde o Judiciário é praticamente controlado pelo Poder Executivo. Ou, fora da UE, veja o que está acontecendo em Israel com a reforma da Justiça de Benjamin Netanyahu. 

Como explica o resultado da direita e da extrema direita nas eleições espanholas de 23 de julho?

Todas as pesquisas previam uma vitória por goleada das direitas, a mainstream radicalizada do PP e a extrema do Vox. Os populares cresceram, recuperando todos os votos perdidos na última década a favor do Cidadãos, mas não cumpriram as expectativas criadas. Embora o PP seja o primeiro partido, não tem nenhuma possibilidade de formar governo. Por outro lado, o Vox sofreu uma derrota importante. Perdeu 600.000 votos e 19 deputados, sendo irrelevante no novo Parlamento. Mas eu seria cauteloso antes de afirmar que estamos vendo o começo do fim do Vox porque, de qualquer forma, ele obteve mais de três milhões de votos, consolidando em boa medida seu eleitorado. Vai depender do que acontecer agora, do que fizer o partido liderado por Santiago Abascal e do que fizerem os populares, para entendermos se o Vox é um partido com futuro ou se tem sido um fogo-fátuo na política espanhola.

Por outro lado, as direitas espanholas não têm tido um mau resultado. Conquistaram cerca de 700.000 votos a mais em comparação com 2019: seu eleitorado, tanto do PP como do Vox, estava hipermobilizado após a vitória nas eleições regionais e municipais de maio, nas quais arrasaram. Isso confirma algo que já havíamos visto nos EUA e no Brasil: só se pode derrotar a extrema direita se o eleitorado de esquerda e progressista se mobilizar e for em massa votar.

Donald Trump obteve 11 milhões de votos a mais em 2020 do que em 2016, e Jair Bolsonaro, meio milhão a mais em 2022 do que em 2018. Eles perderam não porque seus eleitores ficaram decepcionados com sua gestão política ou perceberam que eram indecentes, mas porque 15 milhões e 13 milhões a mais de pessoas foram votar em Biden e Lula, respectivamente. A mesma coisa, salvando as distâncias, aconteceu na Espanha. Não se evitou um governo do PP-Vox porque a direita regrediu eleitoralmente, mas porque os eleitores de esquerda se mobilizaram para frear a onda reacionária.

 

Tradução: Eduardo Szklarz



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