Ensaio
NUSO Nº Outubro 2022

Afrofeminismo transnacional O caminho para o i Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe (1992)

O feminismo latino-americano se configurou inicialmente como um movimento branco que não absorvia as reivindicações das mulheres que pertenciam a grupos historicamente discriminados pelo racismo. As mulheres negras da América Latina e do Caribe formaram suas próprias redes regionais de articulação, o que levou o movimento feminista a ouvir as diferentes vozes femininas. Hoje, suas lideranças ocupam espaços cada vez mais institucionalizados.

Afrofeminismo transnacional  O caminho para o i Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe (1992)

Lélia Gonzalez (1935-1994), feminista negra brasileira reconhecida em nível internacional, tem uma trajetória pessoal, política e acadêmica que se confunde com a história do feminismo negro latino-americano e caribenho. Filha de pai negro e mãe indígena, nasceu em 1935 na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, e é a penúltima de 18 irmãos. Com 8 anos de idade, migrou para o Rio de Janeiro, onde viveu nas regiões suburbanas, e trabalhou como babá e empregada doméstica para a elite carioca ainda criança.

Mesmo herdando a estrutura, a pobreza e os estigmas do sistema colonial que viria a analisar mais tarde em sua produção, graduou-se em história, geografia e filosofia, fez mestrado em comunicação e doutorado em antropologia. Poliglota, era fluente em inglês, francês e espanhol, o que a possibilitou viajar o mundo e fazer parte da construção de uma agenda transnacional de mulheres negras. Além de militante dos movimentos negro e feminista, integrou o Partido dos Trabalhadores, pelo qual foi candidata a deputada federal e ficou como primeira suplente, e lecionou em importantes universidades do país, como a cadeira de Professora de Cultura Brasileira que ocupou na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Combativa, enfrentou os temas de raça, gênero, sexualidade e classe dentro da universidade, dos movimentos sociais, dos partidos políticos de esquerda e na esfera pública ainda nos anos 1980, contexto de múltiplos desafios impostos pela ditadura militar pela hegemonia do mito da democracia racial – este último contrariado e denunciado até então apenas pelos movimentos sociais negros. Suas elaborações para reverter este cenário têm diversos formatos, como textos, entrevistas, palestras, panfletos, vídeos, entre outros materiais, que dialogavam e provocavam tanto a sociedade como o espaço acadêmico sobre as temáticas supracitadas.

De acordo com Lélia Gonzalez, a luta das mulheres negras latino-americanas tem início com a experiência do colonialismo que traz milhões de pessoas em uma travessia forçada e como escravizadas para trabalhar nas Américas. Esse processo de escravização é marcado por formas de violência física, simbólica e moral, mas também por reação e resistência. O colonialismo espanhol e português, que dominou a região, foi pautado pela hierarquização das diferenças e pela desumanização de pessoas não brancas, ou seja, negras e indígenas, além da objetificação das mulheres. Embora estes dois países apontassem um colonialismo mais brando, a autora desmascara essa falsa narrativa ao demonstrar que ambos tiveram experiências socio-históricas marcadas por guerras raciais e ideologias de classificação social, racial e sexual que sustentaram as estruturas desiguais e os privilégios dos homens brancos por onde passaram.

Dessa forma, aponta Gonzalez, mulheres negras e indígenas carregam as marcas dos estigmas de raça e gênero. As particularidades socio-históricas das relações de poder a que foram submetidas colocam-nas, assim, na base das pirâmides sociais dos diferentes países da América Latina e fazem com que suas vidas sejam marcadas pela luta pela sobrevivência. Sobreviver, nesse sentido, significa ter como missão primária lutar pelos elementos básicos que garantem a vida humana: comer e morar.

Essas características do colonialismo criam uma forma de subalternidade muito específica na vida de mulheres negras e indígenas na América Latina e faz com que os movimentos organizados por esses segmentos se diferenciem das demais articulações de mulheres que emergem no período pós-colonial. Conforme Sueli Carneiro, as mulheres negras têm uma experiência que o debate hegemônico sobre as opressões das mulheres não contempla, já que o período colonial e suas reminiscências alimentam o imaginário social até hoje e conformam uma estrutura e condição desigual para este grupo. No Brasil e na América Latina, a violação colonial perpetrada pelos senhores brancos contra as mulheres negras e indígenas e a miscigenação daí resultante estão na origem de todas as construções de nossa identidade nacional, estruturando o decantado mito da democracia racial latino-americana, que no Brasil chegou até as últimas consequências. Essa violência sexual colonial é, também, o «cimento» de todas as hierarquias de gênero e raça presentes em nossas sociedades, configurando aquilo que Ângela Gilliam define como «a grande teoria do esperma em nossa formação nacional», através da qual, segundo Gilliam: «O papel da mulher negra é negado na formação da cultura nacional; a desigualdade entre homens e mulheres é erotizada; e a violência sexual contra as mulheres negras foi convertida em um romance».

Ainda, destaca Carneiro, as mulheres negras foram estigmatizadas como fortes e fadadas ao trabalho pesado, fugindo dos parâmetros de fragilidade feminina associados às mulheres brancas. Dessa forma, mulheres negras nunca foram tratadas como «as mulheres», não foram associadas ao sexo frágil e não estavam fora do mercado de trabalho. Por isso, os estigmas dos quais as mulheres brancas querem se libertar, mulheres negras sequer conhecem. Durante a escravidão, enfrentaram até as lavouras, e no período que se sucede foram exploradas nos trabalhos informais e domésticos. Por isso, destaca que mulheres negras

não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. São suficientemente conhecidas as condições históricas nas Américas que construíram a relação de coisificação dos negros em geral e das mulheres negras em particular. (...)Quando falamos em romper com o mito da rainha do lar, da musa idolatrada dos poetas, de que mulheres estamos falando? As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca. Lélia Gonzalez afirma que a experiência histórica compartilhada que envolve colonialismo, hierarquização racial e escravização criou diferenças intragênero entre as mulheres da região, o que a leva a apresentar as categorias de mulheres amefricanas e mulheres ameríndias para ler essas especificidades. No caso das mulheres negras, destaca a autora, os estereótipos associados negam «sua humanidade, elas são vistas como corpos animalizados: por um lado são os ‘burros de carga’ (do qual as mulatas brasileiras são um modelo). Desse modo, se constata como a relação socioeconômica se faz aliada a superexploração sexual das mulheres amefricanas».

Essas diferenças intragênero que conformam as experiências de mulheres na América Latina efervescem o debate feminista na região a partir dos anos 1980. Neste período, o movimento feminista não conseguia compreender e absorver as agendas das mulheres negras e indígenas, já que pensavam a experiência feminina a partir de uma perspectiva eurocêntrica, ou seja, homogênea e universal. Também, como as feministas tradicionais não tinham uma experiência negativamente racializada, não entendiam a realidade e as reivindicações das mulheres negras e indígenas que, ao apontar as diferenças entre mulheres, eram acusadas de dividir o movimento feminista. Assim, o feminismo latino-americano se configurou como um movimento branco enquanto não foi capaz de absorver as reivindicações das mulheres que pertenciam a grupos historicamente discriminados pelo racismo.

[N]ossas experiências com o Movimento de Mulheres caracterizavam-se como bastante contraditórias: em nossas participações em seus encontros ou congressos, muitas vezes éramos consideradas «agressivas» ou «não-feministas» porque sempre insistimos que o racismo e suas práticas devem ser levados em conta nas lutas feministas, exatamente porque, como o sexismo, constituem formas estruturais de opressão e exploração em sociedades como a nossa. Quando, por exemplo, denunciávamos a opressão da exploração das empregadas domésticas por suas patroas, causávamos grande mal-estar (...).

A rejeição das pautas de mulheres negras e indígenas no movimento feminista favorece que elas iniciem sua organização política em outros movimentos sociais de base, como movimentos de moradia, movimento de mães crecheiras, movimentos negros, movimentos indígenas, movimentos de luta por terra, etc. Mas não é só isso, há um elemento primário: a experiência racializada dessas mulheres também era compartilhada por pessoas do sexo masculino, ou seja, a violência racial a que estavam submetidas era perpetrada contra os homens do seu cotidiano, como irmãos, maridos e filhos. Dessa forma, sua luta estava associada às lutas de pessoas que compunham o mesmo grupo racial e com o qual compartilham uma experiência histórica comum: o colonialismo e a escravidão.

[P]ara nós, amefricanas do Brasil e de outros países da região – assim como para as ameríndias – a conscientização da opressão ocorre, antes de qualquer coisa, pelo racial. Exploração de classe e discriminação racial constituem os elementos básicos da luta comum de homens e mulheres pertencentes a uma etnia subordinada. A experiência histórica da escravização negra, por exemplo, foi terrível e sofridamente vivida por homens e mulheres, fossem crianças, adultos ou velhos. E foi dentro da comunidade escravizada que se desenvolveram formas político-culturais de resistência que hoje nos permitem continuar uma luta plurissecular de libertação. A mesma reflexão é válida para as comunidades indígenas.

Embora os movimentos de mulheres negras, em específico, tenham nascido no seio do movimento negro e do movimento de moradia, elas também denunciam as dificuldades de trabalhar com a agenda de gênero entre homens do mesmo grupo racial:Desnecessário dizer que o movimento negro não deixava (e nem deixou ainda) de reproduzir certas práticas originárias de ideologia dominante, sobretudo no que diz respeito ao sexismo, como já dissemos. Todavia, como nós, mulheres e homens negros, nos conhecemos muito bem, nossas relações, apesar de todos os «pegas», desenvolvem-se num plano mais igualitário cujas raízes, como dissemos acima, provêm de um mesmo solo: a experiência histórico-cultural comum. Por aí se explica a competição de muitos militantes com suas companheiras de luta.

Isto posto, os movimentos de mulheres negras na América Latina enfrentam dificuldades tanto no movimento negro como no movimento feminista, mas não deixa de se organizar nos espaços de articulação do primeiro e de disputar os espaços de construção política do segundo. Na comemoração do ano Internacional da Mulher, em 1975, feministas brancas reunidas na Associação Brasileira de Imprensa receberam uma articulação de mulheres negras que apresenta um documento denunciando a realidade vivida por elas. Futuramente essa articulação foi dissolvida e deu origem a diversos grupos de mulheres negras, como o Aqualtune - 1979, Luísa Mahin - 1980, Grupo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro - 1982, entre outros.

De forma incisiva, conseguiram colocar em pauta as contradições do movimento feminista, sensibilizar o segmento e colocar suas agendas nos espaços de construção política das mulheres. Nesse período, as feministas realizavam discussões com o objetivo de desconstruir paradigmas da sociedade ocidental, como o patriarcalismo, ao mesmo tempo em que se recusavam a reconhecer o racismo como um operador ideológico e excludente, acabando assim por legitimar os mesmos fundamentos que tanto criticavam.

Tratar, por exemplo, da divisão sexual do trabalho sem articulá-la com seu correspondente em nível racial é recair numa espécie de racionalismo universal abstrato, típico de um discurso masculinizado e branco. Falar da opressão da mulher latino-americana é falar de uma generalidade que oculta, enfatiza, que tira de cena a dura realidade vivida por milhões de mulheres que pagam um preço muito caro pelo fato de não ser brancas.

Lélia Gonzalez denunciou que o feminismo latino-americano nesse período perdeu muito de sua força ao não levar em consideração as relações de poder e as diferenças intragênero. Esse movimento subtraiu a participação de diferentes segmentos femininos que tentavam articular sua identidade de gênero com outras especificidades, como a identidade racial, para enfrentar as diversas formas de violência a que estavam submetidas. Neste sentido, as amefricanas começam a formar suas próprias redes regionais de articulação. Um estudo de Catalina González Zambrano aponta que a Proclamação da Década da Mulher (1975-1985) e a transnacionalização dos movimentos sociais propiciaram o contato entre mulheres negras latino-americanas, especialmente porque mobilizaram Conferências Mundiais da Organização das Nações Unidas (onu) que possibilitaram encontros entre organizações e pessoas da sociedade civil de diferentes países. Esses grupos, além de aproveitar a arena internacional para denunciar como raça e gênero atuam como operadores das desigualdades na América Latina, buscavam uma articulação global para fortalecer as diferentes frentes de atuação que tinham em seus territórios e países com a finalidade enfrentar as desigualdades que atingem de forma desproporcional mulheres não-brancas. Os Encontros Feministas LatinoAmericanos (eflac), organizados de 1980 a 2002, e as Conferências Mundiais da onu das décadas de 1980 e 1990 tiveram participação expressiva de mulheres negras devido sua articulação com movimentos sociais e ocupação de espaços de institucionalidade democrática, a exemplo dos conselhos de Estado. Participavam destas articulações internacionais pessoas como Alzira Rufino, Anne Marie Corolian, Beatriz Ramirez, Jurema Werneck, Lucia Xavier, Ochy Curiel, Rosália Lemos, Sergia Galván, Sueli Carneiro, Thereza Santos, entre outras. Desse modo, ativistas negras de diferentes países passam a se encontrar e identificar agendas comuns que levariam à construção da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora (rmaad) em 1992. O período entre 1980 e 1992 marcaria a «gênese do ativismo transnacional de mulheres negras latino-americanas», e de 1992 «ocorre a fase de institucionalização e profissionalização do ativismo».

Essa articulação travada pelas militantes negras leva o movimento feminista a ouvir os diferentes segmentos e vozes de mulheres. Com o encerramento da Década Internacional da Mulher, é realizada a Conferência Mundial sobre a Mulher em Nairóbi, Quênia, em 1985. Com a presença de aproximadamente 10.000 pessoas de 150 países, foi um dos momentos primordiais para que mulheres que queriam discutir sua condição enquanto segundo sexo se atentassem para as diferentes realidades e diversidade intragênero. Os depoimentos e reivindicações vindos de grupos de mulheres de diversos lugares no mundo sensibilizaram o movimento feminista hegemônico que, até então, pauta-se em uma perspectiva ocidental, provocando-o a pensar nas múltiplas realidades e experiências vividas pelas mulheres em diferentes segmentos e contextos.

As questões levantadas pelos diferentes grupos de mulheres presentes à conferência, especialmente as do Terceiro Mundo, serviram para sublinhar o fato de que os problemas que afetam as mulheres não podem ser analisados isoladamente do contexto de desigualdade nacional e internacional.

Nosso gênero é constituído e representado de maneira diferente segundo nossa localização dentro de relações globais de poder. (…) Dentro dessas estruturas de relações sociais não existimos simplesmente como mulheres, mas como categorias diferenciadas, tais como «mulheres da classe trabalhadora», «mulheres camponesas» ou «mulheres imigrantes».

Até o reconhecimento das diferenças intragêneros as mulheres negras e indígenas continuaram se organizando na América Latina, realizaram diversos encontros e construíram pautas regionais, nacionais e internacionais. O deslocamento que provocaram no movimento feminista a partir dos anos 1980 fortaleceu a luta dessas mulheres, mas até os dias de hoje são desafiadas ao pautar a questão racial dentro dele.

Lélia Gonzalez cita experiências positivas após esse período, as quais possibilitaram ter novas expectativas na militância dentro do movimento feminista:

Prova disso foram as experiências muito fortes que tivemos o privilégio de compartilhar. A primeira em novembro de 1987, no ii Encontro do Workshop de Mulheres das Américas na cidade do Panamá; ali as análises e discussões terminaram por derrubar barreiras – no reconhecimento do racismo pelas feministas – e preconceitos antifeministas por parte das ameríndias e amefricanas dos setores populares. Um dos marcos desse processo histórico relatado até aqui foi o Primeiro Encontro das Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, realizado entre 19 e 25 de julho de 1992 em Santo Domingo, República Dominicana, que reuniu 300 representantes de 32 países. No início, este diálogo entre mulheres negras da região foi mobilizado em torno de questões relacionadas às Conferências da onu que viriam a acontecer, como a Conferência de Viena (1993) e a iv Conferência sobre Mulheres em Beijing (1995), nas quais pretendiam incidir e dar centralidade às suas pautas, mas o evento acabou consolidando uma rede permanente de mulheres negras.

Compunha a programação do evento uma agenda estratégica com grupos de trabalho sub-regionais para dialogar sobre as condições de vida e as necessidades das mulheres negras, sendo eles Caribe Francófono, Caribe Anglófono, Caribe Espanhol, América Central, América do Sul e Estados Unidos. Também realizaram as oficinas «Mulher Negra: 500 de Colonização», «Mulher Negra: Arte e Cultura», «Mulher Negra e Religião», «Mulher Negra e Saúde», «Mulher Negra e Sexualidade» e «Mulher Negra, Ecologia e Desenvolvimento». Em paralelo às oficinas, foi realizado o painel «Mulher e Racismo: estratégias globais». As participantes também dialogaram sobre os objetivos, estratégias de atuação política, estrutura de funcionamento e critérios para compor a Rede de Mulheres Afrolatino-americanas fundada nesse encontro e definiram o 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

Zambrano aponta que a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora, embora reúna militantes de diferentes países com atuação nos seus territórios em específico, é uma organização de ativismo transnacional por ocupar de forma articulada os espaços de incidência internacional a fim de dar visibilidade a agenda de mulheres negras e comprometer diferentes setores com os direitos desse segmento. Suas pautas e reivindicações interseccionam raça, gênero, sexualidade, classe e território. O movimento transnacional, segundo a autora, é a formação de redes que superam a noção de Estado-nação como limite para estabelecimento de laços associativos. Neste caso, os elementos que possibilitam a identificação e reunião dessas mulheres é a experiência histórica comum marcada pela travessia do Atlântico, pela desumanização e pela objetificação e sexualização de seus corpos negros e femininos.

Hoje, a rede é um espaço de articulação dos movimentos de mulheres negras na América Latina e Caribe e um instrumento político de reflexão, troca, denúncia e proposta para o desenvolvimento das mulheres afrodescendentes. Valdecir Nascimento, coordenadora do Odara Instituto da Mulher Negra e coordenadora regional da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora pelo Brasil aponta que «quando fundamos a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora em 1992, queríamos reforçar as vozes das mulheres negras de todas as regiões e adotar uma posição global sobre tudo que afeta a vida das mulheres e das meninas negras»Após 30 anos desse encontro histórico que formalizou uma rede que viria a balançar e transformar os espaços de construção das agendas globais, a exemplo de eventos para a defesa e promoção dos direitos das mulheres, como Beijing (1995), e de enfrentamento ao racismo, como a Conferência de Durban (2001), as mulheres negras avançaram em indicadores sociais, mas ainda continuam sendo base da pirâmide social dos países da região. No Brasil, por exemplo, a renda média de mulheres negras é de 1.931,93 reais, enquanto é de 3.567,75 reais para homens brancos, de 2.767,83 reais para mulheres brancas e de 2.376,43 reais para homens negros. A primeira pessoa a morrer como vítima da pandemia da covid-19 no país foi uma mulher negra empregada doméstica, a qual não teve direito ao isolamento social e foi contaminada pela sua patroa que acabara de chegar da Europa. É por esses motivos que esta rede continua existindo.

Para finalizar, temos como fruto dessa luta histórica políticas públicas ainda tímidas que respondem às necessidades de mulheres negras e que, porém, sofrem drásticas reduções ou encerramento com o avanço de governos liberais conservadores na região. Temos também conquistas do ponto de vista representativo, já que duas mulheres negras eleitas vice-presidentes na América Latina fazem parte dessa construção: Epsy Campbell, vice-presidente da Costa Rica, e Francia Marques, vicepresidente da Colômbia.

Referência bibliográfica

Gonzalez, Lélia e Carlos Hasenbalg: Lugar de negro, Marco Zero, Rio de Janeiro, 1982.

Este artículo es copia fiel del publicado en la revista Nueva Sociedad , Outubro 2022, ISSN: 0251-3552


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