Tema central
NUSO Nº Agosto 2016

O progressismo em um rumo incerto: o caso do Chile

A vontade reformista com que Michelle Bachelet assumiu em março de 2014 logo começou a se desfazer. Além do caso de tráfico de influências que afetou seu filho e debilitou a instituição presidencial, existe a resistência conservadora inclusive dentro da aliança governista. Neste contexto, as discussões sobre o caráter desigual e baseado em exportações primárias da economia chilena marcam uma agenda em que resta muito a concretizar e onde a substituição da herdada e várias vezes reformada Constituição do pinochetismo aparece como uma tarefa tão postergada como imprescindível para o progressismo.

O progressismo em um rumo incerto: o caso do Chile

No momento em que Michelle Bachelet chega à metade do seu segundo mandato presidencial, desponta no Chile uma certa decepção com seus resultados, no contexto mais amplo de retrocesso dos chamados «governos progressistas» na América Latina. Como é notório, esses governos são de orientações diversas no que se refere a estilos de gestão, desenhos institucionais e políticas econômicas e sociais. Mas podem-se encontrar importantes similitudes de trajetória histórica, atualização de ideias e opções de políticas públicas nos casos do Brasil – com o Partido dos Trabalhadores (pt) à frente –, da Frente Ampla (fa) no Uruguai e da experiência liderada pela Concertação-Nova Maioria no Chile. Esses governos, nascidos das urnas e do esgotamento popular em relação às políticas neoliberais, tiveram de enfrentar dois problemas fundamentais. O primeiro é a gestão de economias de crescente heterogeneidade estrutural (abertas, financeirizadas, oligopolizadas e com atores empresariais privados determinantes), nas quais, ao se introduzirem esboços de Estados de Bem-Estar, é necessário evitar desestabilizações internas e externas dos mercados que possam afetar as políticas sociais e a própria democracia. O segundo é o manejo de coalizões de governo também heterogêneas, especialmente no caso do Brasil, com partidos de centro que compõem a maioria parlamentar e, no caso do Chile, com setores de centro-direita que integram a coalizão apresentada aos eleitores, com vantagens institucionais para a oposição formal de direita. Esse exercício tem algo de quadratura do círculo e parece estar chegando ao fim de seu ciclo histórico de mais de uma década.

No caso do Chile, a evolução dos governos da presidenta Bachelet caminha nessa direção. Seu primeiro governo de quatro anos (2006-2010) foi marcado pela tomada de distância em relação aos partidos da coalizão governista desde 1990 (a Concertação) e do estilo de gestão de Ricardo Lagos (2000-20061), na ideia de levar as tarefas de governo a novos responsáveis e buscar a paridade de gênero no gabinete e nos cargos públicos. Bachelet propôs reverter o desgastado apoio popular às forças que haviam conduzido a transição à democracia mediante um estilo empático, buscando inaugurar um novo método «cidadão», distante dos partidos políticos e das figuras da política tradicional, para levar adiante uma agenda governamental com a marca do respeito pelos direitos humanos e o desenvolvimento da proteção social.

O paradoxo é que sua opção principal para levar adiante essa tarefa foi nomear um ministro da Fazenda, Andrés Velasco, sem trajetória política, que não pertence a nenhum partido mas segue uma orientação econômica conservadora, no qual delegou boa parte de sua gestão de governo. O paradoxo continuou, já que Velasco competiria com Bachelet nas primárias presidenciais de 2014 da coalizão Nova Maioria (que incluiu a antiga Concertação mais o Partido Comunista e que conquistou o governo e o Parlamento) e é hoje um feroz opositor a seu segundo governo a partir da centro-direita do espectro político.

Como ministro da Fazenda, Velasco se opôs ao coração das políticas de superação do enfoque neoliberal. Por exemplo, negou-se a realizar uma reforma da legislação trabalhista – promovida por uma ala esquerda da coalizão de governo cada vez mais debilitada – que tornasse possível uma negociação coletiva menos desequilibrada em favor do empresariado, tal como a estabelecida pela legislação pinochetista de 1978. O ministro Velasco decidiu permanecer no governo com a condição de que a presidenta optasse por não enviar nenhum projeto de reforma trabalhista, e ela aceitou para evitar desestabilizações econômicas em meio à crise de 2008-2009. A gestão da crise pelo ministro foi tardia e ineficaz, o que produziu uma recessão evitada pelos governos dos países vizinhos, supostamente menos dotados em matéria de capacidade de gestão macroeconômica.

Velasco e os setores conservadores da coalizão de governo conseguiram também que nada fosse feito para levar a cabo uma reforma tributária progressiva, que em particular permitisse ao Chile se beneficiar do ciclo mais favorável que já conheceu em sua história recente com os altos preços do cobre. Não foi feito nem sequer um esforço para estabelecer um royalty mineiro de maior peso ou promover uma expansão da mineração do cobre estatal2. Ao lado disto, apesar da emergência do primeiro movimento estudantil de grande envergadura desde o fim da ditadura – a rebelião dos estudantes secundários em 2006 –, de uma comissão de consulta numerosa e de um vistoso acordo legislativo, a demanda por reforçar a educação pública não recebeu a devida atenção.

Embora na discussão programática os conservadores liderados por Velasco também tenham se oposto ao estabelecimento de um mínimo social subsidiado para idosos pertencentes a 60% das famílias de mais baixa renda da população («pensão básica solidária»), que compensasse parcialmente o caráter regressivo do sistema privado de pensões, a presidenta Bachelet manteve essa bandeira programática. Isto lhe valeu uma parte importante de sua popularidade ao término do primeiro governo e lhe permitiu, mais tarde, ao concluir-se o governo de direita de Sebastián Piñera, que a sucedeu no cargo, estruturar uma segunda candidatura, apesar da derrota de sua coalizão em 2009, que se dividiu e enfraqueceu sem que a presidenta interferisse nesses processos por sua distância em relação aos partidos políticos. Por outro lado, o segundo governo de Bachelet foi inaugurado com uma clara vocação reformista, apoiado por 62% dos votos. A mandatária se comprometeu a estabelecer uma nova Constituição para substituir a de 1980; esta última, embora reformada desde 1990, continua tendo uma marca autoritária e uma carência de legitimidade que as significativas emendas de 2005, durante o governo de Ricardo Lagos, não solucionaram. No entanto, o governo não avançou no tema quando tinha maior força, em seu início em março de 2014. Ao contrário, adiou a iniciativa até outubro de 2015, em um esquema de educação cívica, debates e envio de um projeto de lei de 2016 que, na prática, coloca a decisão nas mãos do governo e do Congresso que assumem em 2018.

Ao mesmo tempo, a presidenta Bachelet propôs levar adiante uma reforma que permita um aumento da carga tributária equivalente a 3% do pib até 2018, com base em impostos aos lucros empresariais e ao consumo do álcool, tabaco e atividades poluentes.

A introdução de um imposto efetivo e completo sobre os lucros não prosperou dentro da própria coalizão de governo no Senado. Produziu-se um acordo com a oposição que consagrou quatro sistemas simultâneos de tributação aos lucros das empresas, de rendimento incerto e taxas diferenciadas, aprovado em setembro de 2014. A complexidade do sistema obrigou o governo a mandar um projeto parcialmente retificador no fim de 2015. Apesar das circunstâncias, o projeto constitui um avanço em boa direção. O Banco Mundial confirmou, em relatório recente, a magnitude extraordinária da concentração de renda no Chile, ressaltando que o país «apresenta elevados níveis de desigualdade concentrados por 1% da população, que responde por cerca de 33% do total de rendimentos auferidos». Essa cifra é a maior registrada nos estudos sobre o tema baseados em declarações de imposto de renda. O Banco Mundial acrescenta que «a Reforma Tributária tem um amplo impacto sobre a equidade do sistema tributário, refletindo-se no fato de que os impostos pagos pelo 1% mais rico da população passam de 2,4% a 3,5% do pib, sendo que quase 80% provêm do 0,1% mais rico»3.

De todo jeito, o ministro da Fazenda, Alberto Arenas, não durou muito mais no cargo e foi substituído em maio de 2015 por um economista conservador, Rodrigo Valdés.As novas receitas deviam financiar uma expansão substancial da educação inicial e uma reforma da educação escolar e superior – provavelmente uma das mais privatizadas do mundo –, com base em esquemas de subsídio estatal à demanda, que configuraram um verdadeiro «capitalismo subsidiado» em matéria de educação, com o resultado de manter um sistema altamente segregado socialmente. Apesar dos avanços na educação inicial, a reforma escolar não abordou esse aspecto em 2014 e não incluiu um forte de programa de fortalecimento da educação pública. Em vez disto, estabeleceu uma sequência que conduz à gratuidade sem intervir a favor da escola pública, pelo predomínio dos defensores das instituições privadas na própria coalizão do governo. Em 2015, a reforma da educação superior tampouco abordou o fortalecimento das universidades públicas e só avançou na gratuidade do acesso às universidades que satisfazem os questionáveis requisitos de acreditação externa. Isto levou, em certo momento, o conservador ministro da Fazenda – com pretensões de funcionar como primeiro-ministro na prática – a propor que as universidades públicas mais fracas na acreditação não entrassem no esquema de gratuidade, mas que dele participassem diversas universidades privadas confessionais e comerciais, o que consagrava um mero mercado de universidades subsidiadas, algo que foi corrigido pela presidenta Bachelet.

Em matéria laboral, o governo propôs uma reforma que não inclui a negociação por setor, mas que estabelece a titularidade sindical na negociação coletiva por empresa, assim como o acordo do sindicato para a extensão dos acordos aos não afiliados, enquanto proíbe as substituições externas nas greves. O projeto permite, como contrapartida, negociar pactos de flexibilidade que vão além da legislação trabalhista com respeito às jornadas e horas extraordinárias, se houver acordos com sindicatos representativos. Essa reforma despertou a rejeição empresarial e também a da Central Unitária de Trabalhadores (cut).

O segundo governo de Bachelet enfrenta um problema político cada vez maior com uma parte de sua coalizão, que procura fazer notar o que chama de sua «contribuição» e que tem a ver com interesses corporativos empresariais. A defesa dos subsídios à demanda nas políticas sociais e a recusa em fortalecer a capacidade negociadora do mundo do trabalho se misturam com interesses muito concretos instalados na «prestação privada de bens públicos» estabelecida pela ditadura militar (1973-1990) e só parcialmente revertida desde então. Esse setor conservador está instalado sobretudo, embora não de maneira exclusiva, em parte do Partido Democrata Cristão (pdc), que não representa mais de um quarto da atual coalizão governista; entre seus membros, existem os que gostariam de fazer valer essa proporção como se fosse majoritária e estabelecer um poder de veto sobre o governo. O ex-presidente do pdc, Ignacio Walker, chegou a falar imprudentemente de «liderança ministerial », referindo-se ao ministro do Interior de sua corrente, alternativo à liderança presidencial.

Assim, os conflitos se originam tanto dentro do governo – e da falta de aptidão de alguns de seus principais membros para o diálogo construtivo que leve a acordos sociais e parlamentares – como da pretensão de um setor minoritário da coalizão de impor seus pontos de vista aos demais. Como não existem os mecanismos próprios dos sistemas parlamentaristas que resolvem essas crises dissolvendo o Parlamento e convocando novas eleições, ou ameaçando fazer isso, então resta apenas o exercício legítimo da autoridade presidencial. Mas esta tem sido debilitada pelas denúncias de tráfico de influência apresentadas em 2015 contra o filho de Bachelet, que são objeto de investigação judicial. Para concluir seu segundo governo em boas condições, a presidenta enfrenta um duplo desafio. Por um lado, deve colocar limites às pretensões de sua tecnocracia de substituir o governo e cercear suas capacidades de construir governabilidade. Por outro, indicar ao setor minoritário de sua coalizão que não tem poder de veto e que, no extremo, essa pretensão pode, inevitavelmente, levar ao abandono dos cargos no Poder Executivo, pois não se pode pretender estar dentro do governo e simultaneamente votar contra as legislações principais a que este se comprometeu perante a opinião pública.

Além disso, a presidenta deve lidar com uma queda anual do crescimento econômico de 5% a 2% e com a piora do preço do cobre. Em 2014, o Estado obteve 4,8 bilhões em receitas da mineração de cobre, menos da metade dos 10,4 bilhões recebidos em média entre 2005 e 2013. Ou seja, uma boa parte do que se deseja obter com a reforma tributária (cerca de 8,5 bilhões de dólares adicionais). Isto deixa o governo com menos margem para ampliar as políticas sociais em educação, saúde e pensões. A contribuição da estatal Codelco em 2016 será de apenas 1 bilhão de dólares, menos de um décimo do que contribuiu para o governo em 20064.

Uma pesquisa sobre valores sociais realizada pela Universidade de Santiago do Chile (Usach) constatou uma ampla proporção de respostas afirmativas à pergunta sobre se é necessária uma reforma tributária (67%), uma reforma da educação (86%) e uma reforma trabalhista (80%). Ao mesmo tempo, porém, 43% dos entrevistados deram uma nota muito baixa (1 a 3 em 7) para a reforma tributária aprovada; 45% fizeram o mesmo com a reforma da educação e 40% com a reforma trabalhista apresentada pelo governo5. Por que esse paradoxo? Podem-se enunciar três hipóteses para interpretar o que esses dados refletem.

A primeira indica a manifestação, na sociedade chilena, de uma aspiração majoritária genérica a ser um país mais igualitário, onde opera um «princípio de satisfação» voltado para que processos distributivos se articulem de tal maneira que a grande empresa e os setores de alta renda paguem mais impostos, os trabalhadores possam negociar em condições mais equilibradas a distribuição de renda gerada pelo processo econômico e, ao mesmo tempo, que seja possível um acesso mais ampliado tanto aos sistemas de seguridade social – para enfrentar os grandes riscos – como à educação e ao empreendimento, a fim de alcançar uma maior mobilidade social. Preferências desse tipo são efetivamente registradas na pesquisa da Usach e em diversas outras que formularam perguntas semelhantes. No entanto, quando a aspiração genérica a uma sociedade mais satisfatória é comparada com processos de mudança específicos que inevitavelmente geram doses de conflito, a percepção tende a mudar em uma parte importante da sociedade. Isto parece se aplicar especialmente quando os partidários da manutenção do status quo e os que defendem os interesses criados emitem mensagens de temor que conseguem seu objetivo. A vontade de mudança – e seu substrato, o «princípio de satisfação» – transforma-se em ambivalência frente às incertezas difíceis de superar e processar para muitas pessoas, o que então provoca o despontar de impulsos de autoconservação próprios do «princípio de realidade». Isto também se evidencia na mencionada pesquisa, e em outras, quando se registra uma baixa apreciação das reformas que efetivamente são realizadas, mesmo quando continuam sendo desejadas de forma abstrata.

Uma segunda hipótese, em um plano de interpretação mais imediato, é que, na aparência, uma proporção majoritária da opinião pública considera que as reformas devem ser feitas, mas castiga simultaneamente o modo específico em que se desenvolveram. Ou seja: os procedimentos de elaboração nos respectivos ministérios, o tipo de diálogo prévio com os interlocutores sociais, a tramitação e o debate no Congresso, assim como o tipo de defesa feita pelo governo das reformas nos meios de comunicação.

Uma terceira hipótese alternativa é que a crescente impopularidade a partir do segundo semestre de 2014 havia provocado uma rejeição generalizada a suas iniciativas controvertidas, numa espécie de cansaço da opinião pública frente ao governo – e, há bastante tempo, ao sistema político em seu conjunto, incluindo o Parlamento – que lhe impede avaliar quaisquer ações concretas, ainda que de modo mais geral as considere positivas.

Seja qual for a interpretação que se privilegie, o fato é que o governo de Bachelet não conseguiu suscitar uma adesão majoritária à reforma tributária (que, convenhamos, dificilmente pode ser popular neste ou em qualquer país do mundo, especialmente quando sua expressão tangível e imediata foi o aumento do valor da bebida e do tabaco), à reforma da educação e à reforma da negociação coletiva. Na pesquisa cep de novembro de 2015, 64% dos entrevistados consideraram que o país está estancado, mas 62% se colocam na escala mais alta de satisfação com sua vida pessoal.

Por outro lado, a atual orientação da política econômica apresenta dois problemas com o crescimento. Em primeiro lugar, deixa de colocar ênfase no esforço de investimento público. Isto diminuirá o crescimento de curto prazo e o crescimento potencial. O esforço público em pesquisa e desenvolvimento continua languidescendo, em um contexto em que o gasto em p&d mal chegava a 0,4% do pib em 2013 – contra 2,4% em média na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (ocde) e 4,2% na Coreia – concentrando passivamente p&d pública frequentemente distante da inovação em processos e produtos e de estratégias de diversificação produtiva. Tampouco se preveem mudanças na facilidade tributária que permite que as empresas descontem impostos por esta via, que em sua modalidade atual não incentiva o gasto privado em inovação. A recente literatura econômica ressalta que as novas tecnologias de maior impacto em diferentes setores – da internet ao setor farmacêutico – têm sua origem no investimento de um Estado ativo e que assume riscos. Não se escuta nada disso no discurso das atuais autoridades econômicas chilenas e, no entanto, são temas decisivos para estimular o crescimento nas novas condições de uma taxa de juros competitiva para exportações e atividades de substituição de importações. Não se escuta nada, por exemplo, sobre um forte plano de aceleração da transição energética para energias renováveis não convencionais competitivas, para as quais o Chile tem um reconhecido potencial, salvo referências genéricas para 2050. Segundo o atual consenso econômico ortodoxo no Chile, o Estado deve ser «realista», ou seja, passivo.

Os grandes investimentos inovadores exigem tempo e paciência, e não olhares centrados no curto prazo e em temores infundados, que levam à cegueira da política econômica unidimensional que tende a «baixar as expectativas». Com esse enfoque, o crescimento será cada vez mais medíocre no Chile, pouco diversificado e ambientalmente pouco sustentável. Sem políticas ativas, continuará dependente do ciclo do cobre.

Dada a profunda integração da economia chilena à economia mundial nos planos comercial, financeiro e de investimentos, o setor externo – especialmente centrado nas exportações de cobre – continuará exercendo impacto negativo em duas das três fontes de dinamização da economia pelo lado da demanda: o investimento – pela relevância do investimento da mineração, que representa diretamente um terço do investimento total – e as exportações; a terceira fonte é o consumo público e dos lares. De fato, a situação internacional mantém fortes elementos de incerteza, e as compras chinesas de cobre crescem menos, o que afeta o investimento em mineração, enquanto o consumo interno vem caindo nos últimos anos. Neste contexto, reativar o investimento interno e o consumo dos lares é uma tarefa crucial da política econômica.

O governo optou por não utilizar mais intensamente as reservas fiscais que possui e por diminuir a intensidade da política anticíclica, enquanto o Banco Central aumentou em 0,5% a taxa de juros de referência em 2015. O gasto público aumentará 4,4% em 2016 com relação ao que se estima que será gasto em 2015, cerca da metade do incremento de 2015 e menos que o crescimento previsto da renda (4,8%). O governo prevê que o déficit efetivo será de 3,2% do pib – com um componente cíclico de 2% do pib – e o déficit estrutural, de 1,3% do pib em 20166.

O crescimento do gasto público deve ser congruente com um déficit estrutural do orçamento razoavelmente sustentável, para manter a estabilidade fiscal de longo prazo e, ao mesmo tempo, permitir o financiamento de um forte plano de investimentos em infraestrutura. O gasto em investimentos cairá 4,7%. O orçamento de 2016 não ajudará a manter um forte programa de infraestrutura que incida na reativação da economia no curto prazo e que aumente o crescimento potencial no médio e no longo prazos. A grande preocupação da atual autoridade econômica não é que se alcance rapidamente o crescimento potencial, e sim a piora eventual dos coeficientes de endividamento líquido fiscal, que no entanto deixam amplas margens de ação. Se essas folgas forem usadas para melhorar o potencial da economia, mediante investimentos físicos e em capacidades humanas, não gerariam um problema de estabilidade fiscal e também permitiriam um estímulo sustentável do crescimento.

Diante das dificuldades descritas – às quais se soma a crise de confiança e legitimidade do sistema político pelas revelações do sistemático financiamento ilegal de campanhas por grandes grupos econômicos, o que evidencia sua influência indevida –, ganharam terreno na base aliada os que consideram que as reformas progressistas são pouco realistas e «refundacionais». Mas a situação econômica, embora difícil e desafiante, está longe de ser catastrófica para impedir reformas sociais e institucionais razoáveis e democraticamente postas em prática. Além disso, tais reformas se originam do mandato de realizar medidas econômico-sociais contra a desigualdade e elaborar uma nova Constituição que emane da vontade dos cidadãos, não das armas. Armas que décadas atrás impuseram um prolongado veto e um predomínio ilegítimo dos interesses de uma minoria oligárquica economicamente poderosa, que partiu para a revanche por sua perda de poder decorrente dos avanços sociais, da reforma agrária e da nacionalização do cobre nos governos de Eduardo Frei Montalva e Salvador Allende, entre 1964 e 1973. O que está em jogo é a possibilidade de manter ou remover os anacronismos econômicos, sociais e institucionais que ainda impedem que o Chile, apesar dos avanços desde a recuperação da democracia em 1990, reduza substancialmente as desigualdades e chegue a ser uma nação propriamente inclusiva, moderna e democrática.

  • 1.

    Este foi o último sexênio governamental, logo substituído por quadriênios para fazer coincidir os períodos presidenciais e os legislativos e evitar eventuais conflitos de poderes.

  • 2.

    O ciclo excepcional do cobre durou entre 2005 e 2013, quando o mineral dobrou de preço nos mercados internacionais, representou entre 10% e 34% da receita fiscal, 13% do pib e cerca de 50% das exportações. Em 2009-2013, 45% dos investimentos estrangeiros diretos destinaram-se ao setor da mineração. Em 2014, 39% das exportações de Cobre foram para a China. V. Corporação Chilena do Cobre: Anuario de estadísticas del cobre y otros minerales 1995-2014, Santiago, 2015.

  • 3.

    , V. Banco Mundial: «Chile: efectos distributivos de la reforma tributaria de 2014. Resumen ejecutivo», 2015, disponível em www.gob.cl/wp-content/uploads/2015/10/EstudioBancoMundial_ReformaTributaria.pdf.

  • 4.

    José Pablo Arellano: ¿Qué hacemos ahora que terminó el superciclo del cobre?, Cieplan / Utalca, Santiago, 2015.

  • 5.

    «Percepciones de la situación social y económica. Encuesta Usach 2015» em Breves de Política Pública No 36, 7/2015.

  • 6.

    Direção de Orçamentos do Governo do Chile: «Informe de finanzas públicas, proyecto de Ley de Presupuestos del Sector Público para el año 2016», Santiago, outubro de 2015.

Este artículo es copia fiel del publicado en la revista Nueva Sociedad , Agosto 2016, ISSN: 0251-3552


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